VHS

A Croácia é um exemplo de como um país, em tão pouco tempo, conseguiu criar com uma pequena indústria bélica em tão pouco tempo. O que mais chama a atenção não é somente isso, mas sim o fato de, em tão pouco tempo, criar um fuzil de assalto moderno partindo do zero, do nada, com nenhuma experiência na pesquisa e desenvolvimento dessa classe de arma. Um país pequeno, de 56.500 km/2, com uma população de 4.450.000 pessoas, com uma renda per capita, de 1995, na ordem dos 5 mil dólares (quase igual ao Brasil na mesmíssima época), conseguiu se colocar na pequena esfera dos países que fazem fuzis de assalto modernos. Um exemplo a ser seguido por quem acha que é gigante.

 

Origens

A Croácia por muitos anos fez parte da então Iugoslávia, liderados pela Sérvia. Esta governou com punhos de ferro sobre vários outros pequenos Estados que praticamente foram obrigados a aceitar o controle sérvio. Com a queda do Muro de Berlim e a consequente derrota da URSS na Guerra Fria, fez com que os ânimos croatas se exaltassem, visando a independência do controle sérvio sobre seu território. Na época a Croácia contava em seu arsenal com fuzis de assalto iugoslavos M70 uma vez que fazia parte da Iugoslávia. Quando eclode a guerra de independência, a Croácia contava com poucos fuzis de assalto.

A Croácia entra na guerra com essas armas em um nº contado. Como ela não tinha capacidade de produção e nem estoques, ela só podia contar com os fuzis que estavam em seu poder naquele momento. Com o passar dos anos, os croatas se envolveram em uma guerra de desgaste e de poucas ações militares. Mas a partir de 1994, as ações militares se intensificam e a Croácia se depara com um estoque cada vez mais reduzido de fuzis de assalto. Com pouco fuzil e pouca munição, ela teve de se valer do mercado negro para suprir as suas necessidades. Desta forma, pequenos lotes de fuzis de vários países apareceram, como o FAL, G3, SAR-80 e M16s. Dentre esses fuzis, estava um lote de sul africano R4, que era a cópia local do israelense Galil.

Soldados croatas em 1992 durante a guerra.

Quando a guerra estava indo para o fim, a Croácia sabia que não poderia confiar em tratados de paz após uma guerra segregacionista. Ela teria de ter a capacidade de produzir o armamento básico dela pois ou estaria cercada ou poderia estar sob embargo. Não por uma questão de vantagem mas de sobrevivência, pois os croatas não sabiam se, no futuro, a Sérvia poderia voltar a guerrear contra eles. Desta forma se inicia um estudo para ver o que seria necessário para criar um fuzil de assalto nacional. De imediato, o calibre dele deveria ser 5,56 x 45 mm, pois, nos combates, os croatas viram que esse calibre era melhor que o 7,62 x 39 mm que eles já usavam. Restava saber qual fuzil a ser adotado para ser produzido.

 

APS95

Os croatas gostaram muito do R4 sul africano quando o usaram em combate. Ele era uma cópia sob licença do Galil que, por sua vez, era uma cópia melhorada de um projeto que os croatas já conheciam, o AK-47. Levando em conta a experiência com o M70, os croatas viram que seria a arma ideal por dois motivos. Seu custo de produção mais barato e sua familiaridade com o recém-criado exército croata onde já tinham o conhecimento da operação do M70, de comandos muito semelhantes. A Croácia então adquire maquinários para a produção do seu futuro fuzil. E antes de colocar a produção em massa, a Croácia alteraria partes do desenho técnico para um modelo que melhor lhes atendesse.

Tomando como base o R4, a Croácia se esforça ao máximo para ter um fuzil de assalto moderno e barato ao mesmo tempo. A empresa responsável por essa tarefa é a RH-Alan, recém criada justamente para isso. Contando com um pessoal praticamente inexperiente, ela altera o R4 para o que os croatas achavam o mais válido para produção. A mudança primordial na versão croata foi o processo de produção da caixa da culatra. O R4 tem uma caixa da culatra usinada. Isso torna a peça mais rígida e durável ao custo de um processo mais caro e demorado. Os croatas fazem a caixa da culatra em material estampado, barateando e agilizando o processo de produção. Surgia assim o APS95.

APS95.

Outra alteração foi a inclusão de uma mira ótica de 1,5x, como o modelo usado no AUG. Era claro e notório que esse tipo de mira dava uma grande vantagem tática ao permitir ao soldado um enquadramento e resposta de disparo mais rápido que uma mira convencional. A armação da mira também funcionava como uma alça de transporte. Em caso de dano ou impossibilidade por sujeira, o fuzil contava com uma mira convencional de emergência. Logo abaixo da lente da mira, havia uma abertura onde estava a alça da mira. E a massa da mira estava numa posição levemente mais baixa no êmbolo de gás. Essa mira era de emergência com uma graduação máxima de 400 metros. Outras alterações foram feitas como a empunhadura de plástico feita no molde da empunhadura do M16A2, um carregador para 35 cartuchos e o uso de granadas de boca por uma trava de bloqueio de gás logo abaixo da massa de mira.

APS95.

Com o fim da guerra e a independência da Croácia, o orçamento ficou muito limitado. Os custos da guerra foram muito altos e, embora tenha implementado uma pequena fábrica de fuzil de assalto, por questões financeiras a Croácia comprou um pequeno lote de fuzis APS95 em 1995. Depois dessa compra, a Croácia não comprou mais lotes dessa arma e ela então armou seu recém criado exército com uma maioria de fuzis M70 e um pequeno número de APS95. Isso não queria dizer que era o fim da linha para recém criada e minúscula empresa bélica croata. O APS95 no final serviu como um grande aprendizado de como pesquisar e desenvolver um fuzil de assalto, principalmente no processo de fabricação. Aprendizado esse que os croatas aproveitaram ao máximo no futuro.

 

APS95

Calibre: 5,56 x 45 mm
Comprimento do cano: 450 mm
Comprimento total: 980 mm
Cadência de disparo: 600 dpm
Peso: 3,7 Kg
Carregador: 35 cartuchos

 

Como funciona

Ao apertar o gatilho, o cão é liberado batendo no percussor. Este aciona a espoleta que deflagra o cartucho, fazendo com que os gases que impelem o projétil entre em um orifício acima do cano. Ao passar por ele, os gases são dirigidos a um êmbolo situado acima do cano. Neste êmbolo tem um longo pistão que é ligado diretamente ao transportador do ferrolho. Os gases no êmbolo pressionam o pistão para trás. Ao fazer isso, pela inércia, o ferrolho é rotacionado para o lado esquerdo, fazendo com que os ressaltos estejam alinhados com as saliências da base do cano. Alinhados, eles destravam o ferrolho.

O ferrolho é deslocado para trás, ao mesmo tempo em que ejeta a cápsula que estava na câmara do cano e inicia o movimento de recuo até o final. A mola recuperadora empurra o transportador do ferrolho e pistão para frente, colocando um cartucho na câmara do cano. Neste momento, o ferrolho passa pelas saliências da base do cano, virando para o lado direito, travando o ferrolho na base do cano. Neste momento, o percussor está pronto para ser acionado novamente, reiniciando o ciclo.

 

VHS – Protótipo

Após a pequena compra do APS95, a Croácia se manteve equipada junto com os M70. Isso deu tempo para a ela repensar com mais calma e tempo como seria o seu próximo fuzil de assalto. Eles levaram em conta a experiência croata na guerra de independência e assim puderam formular os requisitos de seu novo programa. Uma coisa tinha ficado clara. A arma teria de ser leve e compacta. Não só pela portabilidade, mas como para operações em veículos blindados, que foram muito usados na guerra de independência. Ao passo de que não queriam versões com comprimento de canos diferenciados. Se a meta era economizar novamente, uma arma deveria ser a base de todas as outras com o mínimo de custo possível.

Apresentação do 1º protótipo VHS.

Os croatas chegaram à conclusão de que a melhor forma seria o bullpup. Não haveria tantas versões de canos diferentes, bastando, na pior das hipóteses, apenas duas versões. Simplificaria o treinamento e tornaria a arma mais portável. Quem passa a tomar conta desse projeto é a empresa HS Produkt. A Croácia nesse meio tempo se dedicou aos estudos, literalmente. Fez criar um grupo de engenheiros com conhecimento técnico suficiente para desenvolver uma nova arma a partir do zero. E isso era amparado pelo acesso às novas tecnologias e materiais que a Croácia não teve no tempo da guerra.

O aprendizado veio a partir de 2000 com o estudo de vários modelos de armas que eles tiveram acesso. Isso não é um demérito. Por exemplo, quando os soviéticos pesquisaram para a criação do que seria o AK-47, eles tinham acesso a praticamente todas as armas modernas do ocidente, o que lhes gerou novas ideias e soluções. Com os croatas foi a mesma coisa. Esse conhecimento tinha que levar em conta outro problema da Croácia, o orçamento mais enxuto. O uso de materiais mais baratos e um desenho técnico simplificado seria o caminho a ser seguido.

2º protótipo do VHS.

Em setembro de 2004 foi apresentado o novo fuzil de assalto chamado VHS. Esse primeiro protótipo era puramente conceitual mas funcional. Tratava-se de um bullpup, calibre 5,56 x 45 mm, operado por ferrolho rotativo por pistão de longo curso, como o usado no AK-47. Isso se dava pela simplicidade do mecanismo que eles já conheciam muito bem e fora usado no APS95. Esse primeiro modelo era muito leve. Descarregado, pesava 2,3 Kg, com o uso amplo de polímeros, somente os sistemas vitais eram de metal. Havia uma mira ótica de 1,5x acoplada na alça de transporte. Na parte de cima, havia uma mira fixa graduada até 300 metros que serviria como uma mira de emergência. A alavanca de manejo ficava do lado esquerdo do fuzil. Assim como no AUG e Tavor, o guardamato cobria toda a mão para permitir o uso de luvas grossas e uma melhor postura de disparo.

Esse 1º protótipo se mostrou excelente. O trabalho feito mostrou que ainda poderiam evoluir ainda mais a arma. E, em 2005, um novo protótipo é mostrado. Se parecia muito com o primeiro modelo. Porém adotava um sistema diferente. Ao invés de pistão de longo curso, usava o sistema de uso direito dos gases, como no M16. Esse 2º protótipo ganhou trilhos picatinny nas laterais e em cima da arma para a inclusão de outras miras e acessórios. Sendo que na alça de transporte havia encaixes para outras miras. Entretanto, os soldados estavam acostumados com armas mais simples e, por falta de treino devido, criticaram o excesso de acessórios que muitas vezes se enganchava no uniforme, correias, cintos, etc. Assim como o antigo modelo, o carregador era tipo STANAG para 30 cartuchos.

Protótipo VHS.

Esse modelo apresenta como novidade um sistema de amortecimento de recuo. Ao usar o método direto de gás, fazia com que os gases do cano iam diretamente para um êmbolo sem um pistão. Os gases iam diretamente para o transportador do ferrolho, onde sua energia o impulsionava para trás. Porém, nesse sistema, no transportador do ferrolho, havia outro orifício que direcionava parte dos gases para uma câmara localizada atrás do ferrolho. Com o movimento para trás do ferrolho, os gases dessa câmara atrás fazia com que amortecesse o retorno do ferrolho, como uma câmara de ar comprimido, amortecendo a energia do recuo. E outras palavras, os gases do disparo iam para uma câmara atrás que funcionava como um amortecedor do ferrolho.

Protótipo VHS com lançador de granadas de 40 mm.

O sistema de amortecimento de recuo funcionava. Mas tinha um problema que foi observado nos testes de campo. O uso direto dos gases faz com que gases quentes sejam jogados dentro da arma. Com o sistema de amortecimento de recuo, os gases quentes eram usados em maior quantidade. Com o tempo de uso, esses gases quentes faziam acumular muita sujeira não só no mecanismo de disparo como no sistema de amortecimento do recuo. Isso gerava muitas panes em um ritmo maior do que visto no sistema M16. Em virtude disso, os engenheiros da HS passaram a estudar como resolver esse problema.

 

VHS-1

Passado os testes de campo, os croatas notaram que o fuzil necessitava de algumas correções. O fuzil inteiro é reformulado, mas mantendo o mesmo calibre e mesma configuração bullpup. O novo fuzil tem um visual mais limpo, se parecendo muito com o FAMAS. Embora parecidos, internamente, são armas completamente diferentes. Em fevereiro de 2007, é apresentado o VHS-1.

A começar pelo sistema de amortecimento. O sistema fazia o recuo diminuir no fuzil, mas havia um custo alto. O sistema de uso direto de gás, que era primordial para que ele funcionasse, era problemático à medida que colocava mais sujeira dentro da arma. Ficou constatado que isso não valeria a pena manter porque o fuzil teria mais problemas do que vantagens do recuo menor. O sistema de amortecimento é retirado do fuzil. Como sobrou o sistema de uso direto de gás, os croatas viram que, no futuro, esse sistema traria mais problemas do que soluções, já que a arma estaria em contato com uma maior quantidade de sujeira interna em virtude da fuligem da deflagração do cartucho.

VHS-D.

Diante disso, a HS alterou pela 3º vez o mecanismo de disparo. Eles adotam o sistema de pistão de curso curto. Isso evita que grandes quantidades de sujeiras entrem dentro do corpo da arma. Duas limitações são encaradas, há o impedimento do uso do sistema de amortecimento patenteado pela HS seja usado e aumenta-se um pouco o peso da arma. Mas torna o fuzil muito mais confiável. Sem esse sistema de recuo, a arma se torna mais simples e barata de se produzir, sem falar que é um sistema a menos para manter. A simplificação acaba por gerar um fuzil mais barato.

Levando em consideração uma maior praticidade da arma, o seu design é alterado quase por completo. A sua superfície é mais lisa e limpa. A alavanca de manejo passa a ser ambidestra posicionada embaixo da alça de transporte. Ao contrário do protótipo, o retém do carregador passa a ser ambidestro, situado logo atrás do carregador. O seletor do regime de disparo passa a ficar dentro do guardamato, à frente do gatilho. Para a esquerda, é semi. Para a direita, auto. Centralizado com o gatilho, travado. Se olharem friamente, verão que são os mesmos comandos do FAMAS. Isso leva a uma falsa ideia de que o VHS 1 é uma cópia do FAMAS e que, por isso, ele tem o mesmo desenho técnico interno. Esse é um ponto que é as pessoas tendem a acreditar quando na verdade não é assim.

VHS-D.

A diferença é vista em um ponto falho quanto à janela de ejeção. Ao contrário do FAMAS e do AUG, não havia a opção para o soldado alterar a janela de ejeção. No VHS ela está localizada no lado direito do fuzil, sendo que não há uma janela no lado esquerdo. Isso não se dá por um desleixo dos croatas. O problema da janela de ejeção é de longa data. Para você permitir a alteração da janela de ejeção, você deve alterar a armação interna de metal e a possibilidade de alterar a posição do extrator localizado no ferrolho. Essa alteração de posição encarece o fuzil porque se aumenta o nº de peças e processo produtivo. Como a Croácia queria o fuzil mais barato possível, isso foi posto de lado como forma de baratear o custo. Isso era um grande problema porque o extrator tendia a ejetar a cápsula no sentido direita para trás. Isso seria um problema pois as cápsulas acertariam os soldados amigos caso estivessem de lado e com certeza acertaria a face do soldado caso ele fosse canhoto.

Assim como no protótipo, o fuzil podia disparar granadas de boca e para isso era necessário fechar o êmbolo de gás. Caso fosse de interesse, poderia ser acoplado um lançador de granadas abaixo do guardamão. Isso é interessante porque até então, a Croácia passou a adotar os 2 sistemas de lançamento de granadas. Cabe mencionar que o regulador de gases era diferente. Houve duas versões do VHS-1, o VHS-D1, com cano de 500 mm, e a carabina VHS-K1, com cano de 400 mm. Também tinham o regulador de gases diferentes, sendo na carabina um pouco mais fino em virtude do cano menor.

VHS-K. Note o trilho picatinny na alça de transporte. Esse trilho foi incorporado nos últimos modelos.

A mira do VHS continuava a ser a mira ótica de 1,5x. Assim como no AUG, essa mira posicionada mais acima permitia um enquadramento do alvo de forma mais rápida e simples. Isso os croatas mantiveram no fuzil porque, de fato, era uma grande vantagem. A versatilidade dessa mira fez os croatas quererem aprimorar mais a experiência de uso. Em 2013 eles compraram dos alemães a mesma mira usada nos G36. Uma mira ótica de 1,5x e uma mira holográfica de ponto vermelho. Essas miras foram destinadas somente para as tropas especiais em virtude do alto custo dessas miras. Também pela influência do G36 os croatas fizeram carregadores experimentais em polímero semi transparentes a partir de 2008. Não só para que o soldado pudesse contar a munição, mas como também para dar maior durabilidade ao carregador assim como evitar as panes de alimentação em virtude da fragilidade do carregador de alumínio. Sem contar que carregadores de polímero são mais baratos que carregadores de metal.

VHS 1 com a mesma mira holográfica do G36.

O VHS 1 não vinha com trilho picatinny de série. Era possível colocar esses trilhos massomente caso houvesse necessidade. Isso era outra forma de baratear o fuzil, embora o limitasse. O trilho picatinny era colocado sobre a alça de transporte, nas laterais dianteiras e na parte de baixo do guardamão. Isso permitia novas miras, apontadores, senhores e empunhaduras. Entretanto, na Croácia isso se destinou somente às tropas especiais porque o fuzil ainda estava entrando em serviço e não havia como armar o exército inteiro com esse sistema.

Em novembro de 2007, visando testes a Croácia manda 50 fuzis VHS-1 para as suas tropas em ação no Afeganistão. Embora o fuzil passasse por testes de campo, seria o uso em combate real que mostraria como estava amadurecido o conceito e projeto da arma. O uso em combate real é diferente porque a arma é, geralmente, usada além dos limites e serve como um ótimo laboratório de testes. A arma havia se portado bem nos combates e nas condições exigentes. O controle em rajadas curtas erafácil e a arma apresentava uma boa precisão. O uso da mira ótica de 1,5x se mostrou excelente na rapidez do enquadramento dos alvos. Como a mira ótica agilizava a aquisição do alvo, as respostas de disparos eram mais rápidas que o uso de miras fixas. Isso tornava a arma mais letal.

Soldados croatas no Iraque (2013).

Porém, alguns pontos negativos foram encontrados. Os soldados reclamaram muito da posição do seletor de disparo. No calor da batalha isso mais atrapalhava do que ajudava. O soldado tinha que selecionar com o 2º dedo no seletor dentro do guardamato. Isso era um problema porque com luvas o soldado às vezes ou selecionava errado ou trava pelo seletor. O carregador padrão STANAG se mostrou frágil, o que gerava panes na alimentação do fuzil. Curiosamente, a arma não tendia a esquentar, como outros fuzis com amplo uso de polímeros. E, mesmo sendo um bullpup, os soldados sentiram falta de um fuzil com a coronha mais curta. Em algumas situações ela é preferível não só no uso como no transporte. Em combates CQB os croatas reclamaram que isso limitava um pouco o movimento dos soldados.  E o seu peso leve foi um problema para o controle de recuo não só em semiautomático como em rajadas curtas.

VHS-D.

Isso fez os croatas não pararem no desenvolvimento do fuzil. Embora fosse feito em quantidades menores e pouco adotado em serviço, os croatas optam por fazer uma versão ainda melhor. Até 2013, 5.000 fuzis estavam em uso pelo exército croata de um total de 40.000 fuzis encomendados. Entretanto, esse nº de encomendas foi paralisado após a experiência do fuzil em combate real no Afeganistão.

 

VHS-2

O uso em combate real do VHS-1 serviu como um laboratório perfeito para encontrar os problemas do fuzil e os croatas foram muito oportunos com isso. Os engenheiros viram que não havia a necessidade de se desenvolver uma arma nova. O conceito do VHS havia sido aprovado em combate, de tal ordem que o VHS teria redesenhos de partes pontuais do fuzil, mantendo o mesmo calibre, o mesmo layout e o mesmo mecanismo de disparo. A bem da verdade, a HS não ficou parada nesse ínterim. Ela buscou outros materiais para emprego, buscou novas tecnologias e buscou novas soluções técnicas para seu fuzil. Aqui falamos de um pequeno escritório de engenharia se comportando como escritório grande.

VHS-D2 CT.

Em 2013 a HK-Produkt apresenta o VHS-2, a nova geração do VHS. Externamente, a arma era diferente em seu desenho, mas mantendo os mesmos princípios. Há que se esclarecer que o VHS-2 só surgiu por causa da intenção de exportação do fuzil em um primeiro momento. Ocorre que a Croácia havia feito um contrato de 40.000 fuzis em lotes pequenos, o que demonstrava que dificilmente esse nº seria aumentado. E se a Croácia quisesse disputar o acirrado mercado dos fuzis de assalto, teria de ter um modelo à altura dos seus maiores concorrentes. O que é mais interessante é que essa versão visando o mercado externo foi feita com base em feedback de um modelo que foi testado em combate real.

Levando em conta o feedback dos soldados croatas, o seletor de disparo foi alterado. Ele continua sendo ambidestro mas fica localizado acima da empunhadura, onde o soldado pode manipular com o 1º dedo. Isso fez uma diferença grande porque os soldados se queixavam do antigo seletor que mais atrapalhava do que ajudava. Se notarem, verão que não existe a opção de burst. Foi uma decisão correta porque o sistema é válido caso a arma tenha uma alta cadência de disparo só para a finalidade de aumentar as chances de acerto no 1º disparo. Isso além de tornar o grupo do gatilho mais complexo torna a arma mais cara. É um sistema desnecessário caso a arma não tenha uma alta cadência de disparo. Cabe mencionar não confundir com o burst de 3 disparos do M16A2, que tinha como meta evitar que o soldado desperdiçasse munição no automático, o que mais tarde se mostrou algo infrutífero.

VHS-K2.

A janela de ejeção passa a ser ambidestra. Os croatas não tinham como fugir desse problema do VHS-1. No VHS-2 a caixa da culatra tem duas saídas para a janela de ejeção. Levando em conta o princípio do uso de pinos ao invés de ferramentas, é muito fácil fazer a alteração da janela. Puxando os pinos, o soldado tira o grupo do ferrolho. Abre a janela que quer usar, tampa a outra. Altera a posição do ejetor do ferrolho, remonta e pronto. A troca da janela de ejeção é um procedimento que não dura mais que 2 minutos sem o uso de ferramentas. Levando em conta o terreno no Afeganistão onde os croatas tiveram muita sujeira dentro do VHS-1, a janela de ejeção no VHS-2 passa a ter uma tampa móvel contra sujeiras.

Nessa mesma parte da arma, outro problema é solucionado, a ejeção errática das cápsulas que eram ejetadas para a trás. Nos dois lados do fuzil, é colocada uma pequena chapa defletora e uma tampa defletora. A chapa vai fazer a cápsula ser ejetada para direita e para frente. A tampa defletora faz a cápsula ser jogada da altura da janela de ejeção para baixo. Essa tampa não é uma perfumaria. Ocorre que o soldado inimigo pode ver a posição do soldado pelas cápsulas que são ejetadas para cima. Ao ser ejetada para baixo, o soldado mantém a sua posição de forma mais furtiva, dificultando a sua localização diante do inimigo.

VHS-K2.

O VHS-2 ganha um retém do ferrolho, localizado numa posição atrás do ferrolho. Agora, após o último disparo, o ferrolho fica aberto, o que dá informação para o soldado que a acabou a munição e que não há uma pane de alimentação. Isso torna a arma muito mais prática. A operação em si fica mais rápida também porque com a mão que o soldado troca o carregador, ele aciona o retém do ferrolho, alimentando a câmara do cano e tornando o fuzil pronto para o disparo em um único movimento. Antes, o soldado tinha que acionar a alavanca de manejo após a troca do carregador.

Agora a inovação foi a coronha. O VHS-2 é o primeiro fuzil bullpup com coronha regulável. Isso gera um novo paradigma porque até então, o conceito bullpup era de que se mantinha o comprimento regular da coronha porque, como o fuzil era mais compacto, não havia a necessidade de encurtá-la. Entretanto, combates modernos, principalmente em CQB, mostram a importância e viabilidade de uma coronha retrátil curta, o que dá mais flexibilidade nesse tipo de engajamento. Não só pelo espaço mais confinado, mas porque o soldado hoje usa coletes balísticos e vestimentas mais grossas que aumentam a região do ombro. O VHS-2 tem uma tecla atrás que permite a retração de parte da coronha em 5 cm. Pode parecer nada, mas em um combate CQB, isso faz uma bela diferença. E não só isso, como o pessoal de veículos blindados e paraquedistas podem se valer disso.

VHS-D2.

A mira ótica de 1,5x é mantida no VHS-2 caso algum cliente queira. Essa nova mira entretanto é aperfeiçoada. Em ambientes escuros, o retículo fica mais claro e, em ambientes mais claros, o retículo fica mais escuro. Isso exige a necessidade de uma bateria que é o calcanhar de Aquiles porque ela só dura 5 horas. Mesmo com uma bateria sobressalente, em campo de batalha tudo pode acontecer e o soldado ficar sem acesso à essa fonte de energia. Em caso de falta de energia ou pane, o retículo da lente fica inerte e graduado para uma distância de até 300 metros, como o sistema adotado pelo AUG. Em caso de dano da lente, na parte de cima da mira ótima há um pequeno grupo de miras de emergência, com graduação de até 100 metros. Esse grupo de mira foi muito elogiado no VHS-1 e replicado no VHS-2.

Assim como o VHS-1, a arma é ofertada com 2 tamanhos de cano e modelos. Assim, temos o VHS-D2, o fuzil de assalto com cano de 500 mm e o VHS-K2, uma carabina com cano de 400 mm, ambos os modelos com trilhos picatinny. O modelo VHS-D2 CT e VHS-K2 CT são as mesmas armas porém com miras óticas de 1,5x. Com todas essas alterações, o VHS-2 ficou mais pesado. Dos 2,3 Kg iniciais ele passa a 3,7 Kg descarregado. A versão com mira ótica pesa 4 Kg descarregado. Isso não é de todo ruim porque esse peso a mais acaba por absorver parte do recuo, o que aumenta a precisão e o controle em rajadas curtas.

Em 2009 a Croácia passa a ser membro da OTAN. Isso significava seguir um novo sistema de padrão. Entre estes está o padrão STANAG onde tem forte influência quanto ao carregador. A Croácia deveria seguir o padrão mas, por enquanto, ela não segue o padrão dos carregadores. Entretanto, caso um possível cliente queira, o VHS-2 pode usar o carregador STANAG, isso para vendas externas e caso no futuro a Croácia decida adotar esse tipo de carregador. Para tanto, a Croácia não poderia fabricar um fuzil diferente só para usar um carregador diferente. Ao invés disso, ela cria um adaptador para carregadores STANAG. Puxam-se pinos, troca-se o receptáculo do carregador e pronto. O mesmo fuzil pode usar carregadores STANAG em menos de 1 minuto.

VHS-D2 com lançador de granadas de 40 mm.

A Croácia havia firmado um contrato para a compra de 40.000 fuzis VHS-1, dos quais 5.000 fuzis já haviam sido entregues. Em 2015 a Croácia diz que os fuzis restantes serão adquiridos na forma do VHS-2. A França chegou a avaliar o VHS-2 nos últimos anos antes da decisão de comprar o HK416 como seu próximo fuzil de assalto.  Para a França avaliar o fuzil, é que porque ele estava entre os melhores fuzis da atualidade. Só isso já bastou para provar a qualidade do VHS-2.

O Iraque foi o primeiro cliente estrangeiro do VHS-1 e VHS-2. O Iraque tinha notado que o calibre 7,62 x 39 mm se mostrava mais limitado que o 5,56 x 45 mm. Decidido a trocar o calibre mas não ficar na dependência americana com o M16 quase de graça, o Iraque busca no exterior um fuzil novo nesse calibre. Em 2014 o Iraque compra um pequeno lote de VHS-1. Em 2015 eles compram um lote de 10.000 fuzis VHS-2.

VHS-D2 em uso por soldado iraquiano.

O mais curioso é que, em pouco tempo, esse fuzil foi difundido em vários grupos de batalha por intermédio do mercado negro. Fuzil novos recém adquiridos foram vistos em outras lugares.

Na guerra civil da Síria, esse fuzil foi visto usado por milícias pró Assad.

Milícia pró Assad operando VHS-1.

Não só pelas milícias, mas também por alguns soldados do exército sírio.

Soldado sírio com VHS-1.

Tropas do Hezbollah também já foram vistas usando o VHS.

VHS-1 em uso pelo Hezbollah.

Os curdos do Peshmerga, que mais enfrentaram os terroristas do EI, foram vistos com o VHS-1.

Peshmerga com VHS-1.

O que mais chama a atenção na Croácia é a sua capacidade de criar um fuzil de assalto realmente moderno, em tão pouco tempo e com poucos recursos. Em menos de 20 anos ela desenvolveu um dos fuzis de assalto mais modernos da atualidade, com quase nada de dinheiro e um grupo de engenheiros sem experiência nesse segmento. A Croácia decidiu por racionalizar seus recursos, focou no profissionalismo, nas necessidades e na vanguarda da tecnologia bélica suprindo suas necessidades com um fuzil no estado da arte ao mesmo tempo em que oferece no mercado um fuzil equivalente aos demais.

País nanico se comportando como gigante. Deveria servir de exemplo.

VHS-D2.

VHS-D2

Calibre: 5,56 x 45 mm
Comprimento do cano: 500 mm
Comprimento total: 850 mm
Cadência de disparo: 750-850 dpm
Peso: 3,8 Kg
Carregador: 30 cartuchos

 

Como funciona

Após premir o gatilho, o cão acerta o percutor que está localizado dentro do ferrolho e, por sua vez, acerta a espoleta do cartucho. Ao deflagrar, os gases percorrem o cano e entram em um orifício situado na parte de cima do cano. Os gases são captados em um êmbolo onde pressionam um pistão interno. Esse pistão, com a energia dos gases, faz um curto recuo (por isso que se chama pistão de curso curto), batendo no transportador do ferrolho que está travado à base do cano.

Neste momento, o ferrolho rotativo é rotacionado para a esquerda, destravando-o quando os ressaltos do ferrolho se alinham com as saliências da câmara do cano. Com a força do movimento do pistão, o transportador do ferrolho, juntamente com o ferrolho, retrocede. Atrás do transportador do ferrolho existem duas guias. Nestas duas guias existem duas molas ao seu redor. Quando o transportador do ferrolho chega ao seu curso final, essas duas molas impulsionam o transportador do ferrolho para a frente, ao mesmo tempo em que coloca um cartucho na câmara do cano. Ao chegar à base do cano, o ferrolho rotativo passa pelas saliências do cano e é rotacionado para direta, travando o ferrolho ao mesmo tempo. Assim o sistema esta apto para o próximo disparo. É o sistema de pistão de curso curto.

 

Curiosidades

Não confundam VHS com Video Home System. VHS é a abreviação de Višenamjenska Hrvatska Strojnica. Em uma tradução livre e direta, algo como metralhadora multifuncional croata.

No ocidente não podia deixar de acontecer das comparações jocosas entre o fuzil e as fitas VHS.