M16 – Parte 2

O polêmico dispositivo para fechamento do ferrolho

O Forward Assist Button é um dos pontos mais polêmicos da família AR-15/M16. Existe muita lenda urbana e muita informação errada quanto ao seu uso e finalidade.

Todos os fuzis americanos e carabinas tinham uma forma de fechar o ferrolho caso isso não acontecesse automaticamente. A própria alavanca de manejo serve para isso, com a mão o soldado a empurra para frente fechando o ferrolho. Vemos isso, por exemplo, no M1 Garand, M2 carabina e M14. Os manuais de serviço desses fuzis são claros. Em situações leves e risco mínimo, se fecha o ferrolho manualmente. Jamais em condições pesadas de sujeira ou obstrução do fechamento do ferrolho.

Detalhe do botão para fechamento manual do ferrolho.

O exército não gostou quando o AR-15 não tinha como fechar o ferrolho manualmente. Antes dele, a USAF já usava por quase 3 anos os fuzis e até então nunca tiveram problema de trancamento de ferrolho. Para corroborar com isso, os conselheiros americanos e tropas sul vietnamitas também não observaram qualquer problema para trancamento do ferrolho. Isso fez como que a USAF não quisesse qualquer dispositivo para forçar o trancamento do ferrolho. O motivo? Porque era completamente desnecessário.  Se o ferrolho não fecha, forçar apenas vai aumentar o risco de acidente. Nas palavras do próprio Eugente Stoner, o pai do M16, depoimento publicado no livro Black Rifle, de R. Blake Stevens:

I was always afraid of (a bolt closure device) myself, because  when you get a cartridge that won’t seat in a rifle and you deliberately drive in it (to the chamber), usually youre buying yourself more trouble. The thing that I always thought of was immediate action. To get that (cartridge) out of there and find out what the trouble was, rather than jam it in and fire it.

Em uma tradução livre: “Eu sempre tive medo de (um dispositivo de fechamento do ferrolho), porque quando você tem um cartucho que não se encaixa em um fuzil, e você deliberadamente o fecha (para a câmara), geralmente você está comprando mais problemas para si mesmo. O que sempre pensei foi ação imediata. Tirar ele (cartucho) de lá e descobrir qual era o problema, em vez de obstruir e disparar”.

E faz todo o sentido.

Antes de entrar no tema há que se ter extremo cuidado.  O sistema de trancamento é um botão para situações leves e simples. Em hipótese alguma se usa o botão caso a câmara do cano ou o conjunto do ferrolho esteja sujo e bloqueando. Os soldados são instruídos a não fazer isso, o risco de explosão do cano é altíssimo. Se entrar sujeira grossa no cano e forçar o trancamento, o projétil irá encontrar bloqueio no cano e os gases da deflagração servirão como uma bomba no cano.

Pois bem. O exército americano queria algum dispositivo que forçasse o trancamento do ferrolho e para eles isso era uma condição sine qua non. A Colt, junto com a ArmaLite, pensou em uma alavanca de manejo integrada ao transportador do ferrolho. O problema é que a parte de cima da caixa da culatra teria de ter uma abertura lateral direita, isso faria com que ficasse exposta parte da estrutura interna. Isso era um problema porque entraria mais terra e poeira por essa parte e, junto com a ação direta dos gases, a arma sujaria com muito mais facilidade. Desta forma, esta ideia foi descartada.

AR-15 sob testes.

A solução para isso foi fazer um botão no lado direito do fuzil na parte de cima da caixa da culatra. Esse botão é uma haste que entra em contato com a lateral do transportador do ferrolho. Essa lateral tem pequenos ressaltos, como dentes. O soldado, ao apertar o botão, faz a haste empurrar um dente por vez, impulsionando o ferrolho para frente e travando-o. Ao contrário do que se pensa, não basta apertar uma vez, e sim várias vezes até o fechamento do ferrolho. A USAF achou isso completamente desnecessário por dois fatores. Uma que a arma não apresentava problemas de trancamento. E outra que um dispositivo a mais apenas aumentaria o custo, o tempo de manutenção e complexidade de fabricação.

Porém agradou o exército e assim fizeram, adicionaram o botão de fechamento manual ao fuzil para casos de necessidade. Esse botão gera muita polêmica porque todos os soldados que são bem treinados, tirando a fase inicial da guerra do Vietnã, passaram toda sua vida operacional com o fuzil sem nunca ter usado esse botão. O botão de fechamento manual é destinado a pequenas sujeiras, mínimas, normais da operação do fuzil de forma intensa. Ou outras vezes em condições extremamente frias onde a umidade gera pequenas partes de gelo. Ou outras vezes, quando formam substâncias da queima da pólvora que se junta com a poeira e umidade. Jamais para caso de sujeira como terra, lama ou algo que o valha.

 

O primeiro contrato para o exército.

Em novembro de 1963, é finalizado o primeiro contrato para o exército americano no valor de 13,5 milhões de dólares (108 milhões se fosse em 2018) para um total de 104.000 fuzis. E aqui é o início de uma confusão que ocorre muito. Como mencionado, o exército queria um dispositivo para fechar manualmente o ferrolho. Até a introdução desse dispositivo, outros já estavam sendo produzidos sendo que seria impossível adaptá-los depois de pronto. Ao mesmo tempo, a USAF queria os modelos simples sem o dispositivo ao passo que a USNAVY queria com o dispositivo. Desta forma, 85.000 fuzis com o FA foram para o exército e marinha, enquanto que 19.000 fuzis foram para a força aérea sem esse dispositivo.

Os fuzis com o botão de fechamento manual passam a ser denominados XM16E1 e os fuzis sem o dispositivo passam a ser denominados M16. É comum em livros e artigos, lermos M16 quando na verdade o soldado usava um XM16E1. Esta confusão acontece porque só se nota visualmente, um detalhe que muitas vezes passa completamente despercebido.

M16.

Antes da produção em série, os modelos do AR-15 estava em processo de testes nas mãos de tropas americanas e alguns pontos foram alterados com base na experiência de uso. Os soldados também notaram problemas para acionar a alavanca de manejo quando usavam luvas grossas, como em ambientes de frio ou até mesmo tripulação armada. Para isso eles aumentaram o tamanho no formato de “T” ao invés de triângulo, como era antes. Outro ponto foi a definição da câmara do cano. Alguns modelos tinham tamanhos diferentes por causa das munições que tinham pequenas diferenças que geravam desempenhos diferentes. Um único tipo e tamanho de cano facilitaria a produção em massa.

O percutor também foi redesenhado. Os soldados notaram que, ao usar o botão do retém do carregador, o ferrolho, ao bater para frente, fazia o percutor acionar a espoleta. Isso foi corrigido com uma mola de segurança no porta percussor. Por intermédio de pesquisas realizadas pela USAF, o raiamento do cano foi diminuído para 12:1. Antes, com 14:1, a trajetória não era tão plana para o projétil de 55 grains. Com 12:1 a trajetória é mais reta, o que aumenta a precisão.  Para entender. 12: 1 significa 1 volta completa do projétil na distância de 12 polegadas (305 mm) dentro do cano.

XM16E1. Note o botão de fechamento manual do ferrolho.

Outra alteração curiosa foi o pino que une a parte de cima e de baixo da caixa da culatra. Nos modelos iniciais tinha-se um pino que juntava as partes. Tirando ele, o soldado soltava as duas partes. Ocorre que os soldados estavam perdendo de forma fácil esse pino por causa do seu diminuto tamanho. Ficavam com um fuzil inutilizável já que não podiam montá-lo. Agora, as partes da caixa da culatra são unidas por um eixo fixo.

O quebrachamas era peculiar. Ele tinha o formato de bico de pato com 3 pequenas tampas. Ele tinha função somente de dissipar a chama e não de compensar o disparo. No XM16E1/M16 o quebrachamas é reforçado porque ele era fino demais, eles entortavam com muita facilidade e perdiam a função, demonstrando a posição do atirador por qualquer dobra ou quebra.

XM16E1.

E por fim, o carregador que era de aço passa a ser feito de alumínio, os soldados notaram que o carregador de aço enferrujava muito rápido. Isso ocorria não pelo faço de ser de aço mas por ter um péssimo acabamento. Iniciada a produção em série em abril de 1964, a força aérea recebeu seus primeiros 300 M16 enquanto que o exército recebe seus primeiros XM16E1 em maio do mesmo ano. Em outubro do mesmo ano, uma nova encomenda é feita para 33.500 M16 para a força aérea, 240 M16 para a marinha e 82 M16 para a guarda costeira.

 

A Colt tenta marcar território

O fuzil M16 estava começando a fazer sucesso e estava claro que o conceito do M14 praticamente estava morto. A Colt, que até pouco estava quase falida, vê as encomendas crescerem e o aumento do interesse internacional pelo fuzil faz a empresa se posicionar mundialmente. O projeto de sucesso do M16 nunca foi da Colt e sim da ArmaLite, isso era o que dava à ArmaLite um papel de destaque mesmo que não fizesse a produção da arma. Isso incomodava um pouco a Co porque muitos militares ainda associavam o M16 à ArmaLite e não à Colt.

Ela decide então lançar a família CAR-15. Ao contrário do que muitos pensa, a letra C não é de carbine (carabina) e sim de Colt. É um marketing sem sentido porque AR significa ArmaLite. Com o novo nome, a Colt tenta fazer o que a ArmaLite tentou com o AR-10, várias armas para várias tarefas usando a mesma plataforma. Que fique claro, não falamos de modularidade aqui e sim de versões.

As armas ofertadas consiste em um fuzil convencional. Uma carabina com cano de 381 mm. Dois fuzis com cano pesado, um alimentado por carregador tipo cofre e outro por fita. Uma carabina menor com cano de 254 mm. Não se sabe ainda o n.º exato, mas entre 100 e 150 CAR-15 cano pesado alimentado por carregador foram adquiridos para testes. Esses fuzis disparavam com o ferrolho aberto.

Família CAR-15.

Também não se sabe a quantidade de carabinas de ambos os tamanhos adquiridos. Estas carabinas foram usadas no Vietnã. A carabina com cano de 254 mm tinha algumas coisas diferentes. A começar pela nomenclatura. Os americanos chamam essa versão de SMG (submachine gun), o que equivale a nossa submetralhadora. Para nós é uma carabina automática, mesmo com cano de 254 mm. Essa versão da Colt tinha uma coronha retrátil diferente do que é hoje. No apoio da coronha tem uma tecla que destrava. Ao virar, você destrava e estica ou encolhe a coronha, depois tinha que virar para travar de novo.

CAR-15 SMG. Note a trava da coronha no apoio da coronha.

Os soldados acharam isso muito incômodo e nada fácil de operar. Essa arma tinha mais tendência para problemas. A distância do orifício no cano era curta. Os gases chegaram ao transportador do ferrolho com mais força e intensidade fazendo com que a arma tivesse um desgaste maior. Sem falar no próprio cano que tinha uma vida útil menor também. Não que a arma falhasse, nada disso. Apenas aumentava o desgaste natural dela. Ela foi usada no Vietnã com resultados aquém do desejado. Era barulhenta, o quebrachamas não funcionava e era incômodo de manusear.

CAR-15 SMG.

Já a carabina de sobrevivência não tinha coronha rebatível. Era fixa, mas a arma era condicionada em duas partes. Destacava-se a parte de cima da caixa da culatra juntamente com o cano. Assim ela era condicionada em um compartimento compacto. Essa carabina nunca foi adotada.

CAR-15 Carabina.

 

Uso em grande escala

Em 1965, o XM16E1 passa a ser enviado em grandes quantidades para o Vietnã.  E algo esperado acontece. Soldados armados com o M14 passam a usar esporadicamente o XM16E1 e M16. Nos combates na selva, a arma se mostrou muito melhor, mais precisa e mais versátil. Em rajadas curtas de 3 disparos, o 3º disparo no M14 era incontrolável enquanto que no M16/XM16E1 era controlável e preciso. Nesse mesmo tempo o exército havia deixado claro que não substituiria o 7,62 x 51 mm tão cedo. Achavam que a participação americana no Vietnã seria breve e não valeria a pena substituir o calibre tão cedo assim.

XM16E1. Note a baioneta.

Ainda em 1965, surgem os primeiros problemas no Vietnã. Nada mais natural que esses problemas surjam quando o fuzil está em pleno uso árduo. Os soldados passaram a notar falhas de disparo. Em dadas circunstâncias, a munição não era deflagrada. Os estudos iniciais mostraram que o problema não era a munição quando foram usadas em fuzis diferentes com sucesso na deflagração. O problema estava no fuzil. A mola recuperadora era leve e fraca demais. Quando a arma estava sendo disparada em regime automático em tiros sucessivos sustentados, ocorriam essas falhas.

A mola recuperadora às vezes não impulsionava o transportador do ferrolho com a força devida. Isso criava um atraso quando o cão era acionado. Às vezes o cão era acionado e quando batia no percutor, o transportador do ferrolho ainda não tinha travado no cano. A energia do golpe do cão era perdida no movimento atrasado do transportador do ferrolho. Quando o ferrolho fechava, o percutor não tinha força para bater na espoleta e deflagrá-la. A solução foi usar uma mola recuperadora mais forte e firme. Assim não corria o risco do cão bater no percutor ainda no movimento do transportador do ferrolho. Com a nova mola mais dura, quando o cão era acionado o transportador do ferrolho já estava travado esperando o golpe no percutor. Essas novas molas passam a ser introduzidas ainda em fevereiro de 1966.

M16.

Em janeiro de 1966 uma segunda grande compra é feita pelos EUA. A compra original do exército de 100.000 sobe para 201.000 fuzis. Em julho do mesmo ano, a força aérea compra mais 36.000 fuzis. Em 1971, tem o boom da aquisição. O plano então era a compra de 405.000 fuzis, mas no final a compra é de 836.000 fuzis.

Isso é um ponto interessante porque se quebra a ideia do fuzil temporário. Como visto antes, a ideia era adotar o M16/XM16E1 temporariamente até a conclusão do programa SPIW, onde definiria o fuzil padrão. A força aérea já havia decidido adotar o M16 como fuzil padrão e o exército ainda estava dúbio. Com esses grandes contratos de compra, não havia mais como dizer que o XM16E1 seria um fuzil temporário.

 

Vietnã, um grande aprendizado

O uso árduo no Vietnã fez surgir uma série de problemas com os XM16E1. Havia uma série de panes, falhas de alimentação, falhas de ignição do propelente, canos danificados. Em muitos casos, a cápsula não era ejetada corretamente, fazendo com que o extrator arrancasse a metade da cápsula para fora e a outra metade ficasse presa na câmara do cartucho. Mas afinal, o que estava acontecendo? O pessoal da Colt começou a receber vários telefonemas pedindo assistência para esses problemas. Era um susto porque nos campos de teste, no uso por parte das tropas em testes nos mais variados lugares, isso não acontecia. Levando em conta que o XM16E1 era mais refinado que os modelos de testes, porque esses problemas ocorriam somente no Vietnã e com pouco uso?

XM16E1.

Em 1966 uma equipe da Colt foi enviada ao Vietnã para analisar as armas e conversar com os soldados sobre o fuzil. Ao inspecionar os fuzis, eles estavam em condições extremas de sujeira e desgaste prematuro. Os fuzis estavam imundos por dentro. A câmara do cartucho estava corroída na maioria dos fuzis. Ao perguntar aos líderes de pelotão como era feita a manutenção, eles ficaram mais assustados com as respostas. Os soldados literalmente não limpavam os fuzis! Após uma missão, os soldados simplesmente largavam os fuzis e iam descansar. Não faziam nenhuma manutenção ou limpeza de campo. Esse era o problema, os fuzis não estavam sendo limpos e mantidos corretamente.

O problema do corte da cápsula no momento da extração ficou mostrado por causa da pólvora que se usava nos cartuchos. Havia uma diferença de pressão. Os cartuchos que geravam alta pressão ocasionavam esse tipo de pane. Mas o restante dos problemas era devido à limpeza do fuzil que praticamente não existia. E isso vem desde o começo do programa AR-15.

XM16E1. Note o soldado ao fundo manipulando o botão de fechamento manual do ferrolho.

Aqui surgem os primeiros manuais para o AR-15. E justamente aqui começa o erro que desencadeia uma linha de outros erros. No primeiro manual ainda não havia um consenso das vantagens e desvantagens do uso direto dos gases no fuzil.  Em cima da propaganda de um fuzil futurista (mal eles sabiam que nos anos 70 surgiria o AUG) com materiais modernos, acreditavam que a arma não necessitava de manutenção constante. Os materiais de fácil reposição e anticorrosão dariam ao fuzil um rendimento acima do normal com o mínimo de limpeza e manutenção. Os próprios gases do uso direto “limpariam” o fuzil por dentro, não necessitando de maiores intervenções por parte do soldado. Além do mais, as chances de corrosão eram mínimas em virtude do uso de ligas de alumínio de alta resistência.

O fato de essas ligas serem mais fortes não significava que eram imunes à corrosão. Mais cedo ou mais tarde, elas se sujam e criam corrosão. O mesmo para a limpeza do fuzil por dentro. Com o tempo os gases geram uma sujeira que gruda nas partes móveis do fuzil, gerando panes. Essa ideia errônea de manutenção foi passada nos testes que aceitação, que por sua vez, foi passada para os primeiros recrutas. E assim ficou essa cultura que chegou até os soldados no Vietnã. Achavam que era um fuzil autolimpante. Em 1967, a Colt passa a fazer, às pressas, grandes quantidades de kits de limpeza. Esses kits continham não somente o material mínimo para ser usado na limpeza, como também um pequeno folheto ensinando ao soldado como e quando fazer a manutenção.

Ainda mais problemática foi a munição. Quando o AR-15 e sua munição foram estabelecidos, usava-se o propelente IMR 4475, já que esse propelente dava a energia necessária para que o projétil alcançasse alta velocidade com baixos resíduos de sujeira (todo propelente gera sujeira uns mais, outros menos). Isso tornava o interior do fuzil mais limpo que o normal, mas isso não queria dizer que ele era imune à sujeira, uma vez que toda e qualquer arma precisa ser limpa.

XM16E1.

Em 1963, quando a munição passa a ser feita em massa, passam a usar um propelente diferente e mais barato, o WC 846. Ele dava alta velocidade ao projétil sem gerar altas pressões na câmara do cartucho como fazia o IMR 4475. Porém ele tinha dois problemas, ele causava muita sujeira interna pela sua combustão, sujeira esta de carbonato de cálcio, assim como aumentava a velocidade do ciclo do fuzil. Esses gases quentes e sujos iam diretamente ao transportador do ferrolho, o que gerava panes no fuzil com o tempo de uso.

Quando mais sujeira tinha dentro do fuzil, mais panes o fuzil apresentava. Quanto mais rápido era o ciclo do fuzil, mais sujeira era despejada dentro dele e, consequentemente, mais panes o fuzil apresentava. Não havia como parar tudo porque o envolvimento americano no Vietnã estava crescendo, assim como a demanda por novos fuzis e sua munição. Com o clima quente e úmido do Vietnã, isso fez crescer e muito as panes. Essa situação só foi contornada com o M16A1 quando fizeram partes do fuzil em cromo. Independente do M16A1, depois que passaram a fazer a manutenção e limpeza correta do fuzil, o XM16E1/M16 tiveram uma queda abrupta no caso de panes. Ocorre que a Colt criou uma sistemática para ser repassada aos soldados de como limpar devidamente o fuzil. Após isso, as coisas melhoraram muito.

 

Mais ação no Vietnã

Muitos dos marinheiros mandados ao Vietnã haviam sido treinados com o M14 e muitos chegaram lá com essa arma. Muitos tiveram que usar o XM16A1 às pressas, recebendo um treinamento praticamente superficial. A falta de limpeza, assim como instrumentos de limpeza, fez com que todos esses problemas surgissem. Os soldados do exército que tiveram um treino maior com o XM16E1 tiveram pouco problema porque limpavam a arma constantemente e de forma devida em virtude do treinamento que tiveram antes.

XM16E1. Note a que condições de sujeiras o fuzil era submetido.

O botão do trancamento do ferrolho foi outro problema. Ele foi desenvolvido para pequenas sujeiras, quando algo pequeno e simples impedia o fechamento do ferrolho, se apertava o botão, trancando o ferrolho. Porém, com muita sujeira grossa, lama, poeira, o ferrolho não fechava. O soldado apertava várias vezes o botão para fechar o ferrolho. Isso era um perigo tremendo. Enquanto o soldado tentava fechar, mais pressão era feita no cartucho contra a sujeira no cano e câmara do cano. Quanto mais apertava, mais o cartucho ficava preso na sujeira. Quando finalmente fechava o ferrolho e o soldado disparava… BUM! A arma explodia na cara dele. Ocorre que quando se tem muita sujeira, essa sujeira, no cano, funciona como um obstáculo. A alta pressão dos gases faz com que o cano seja uma bomba pela sujeira aprisionar o projétil que não tem tempo sair pela impossibilidade dos gases se expandirem pelo cano. O botão de fechamento do ferrolho não pode ser usado em condições médias e pesadas de sujeira. O risco de explosão é alto!

Outro problema visto no XM16E1/M16 era a pane quando a cápsula ficava presa por dupla alimentação. O soldado ficava praticamente fora de combate. Ele tinha tirar o carregador, abrir a caixa da culatra, puxar para fora a alavanca de manejo, em seguida tirar o transportador do ferrolho. Pela boca do cano enfiar uma haste para tirar o cartucho ou cápsula presa. Detalhe, nem todos os soldados tinham essa haste, poucos a tinha e muitos improvisavam uma, onde a levavam na mochila ou presa no próprio fuzil.

M16A1. Note a haste presa ao fuzil. Essa haste já era usada antes com o XM16E1.

A situação não era fácil para os soldados. No início da guerra do Vietnã, a maioria dos soldados não tinha treinamento de como fazer a limpeza correta do fuzil. Para piorar a situação, os kits de limpeza eram escassos, de tal ordem que tentaram usar os kits de limpeza do M14 e não deu certo. Isso foi a base da maioria dos problemas de panes com os XM16E1/M16. É deveras complicado analisar o passado com a propriedade do presente, mas caso os americanos tivessem a devida orientação de limpeza e acesso a kits de limpeza para todos, os problemas do fuzil cairiam exponencialmente.

XM16E1.

Entretanto, os primeiros anos foram terríveis para os soldados americanos e sul vietnamitas que usaram o XM16E1/M16. As panes no fuzil eram constantes. Soldados estavam morrendo em pleno combate por falta de fuzil. Corpos eram encontrados com o fuzil desmontado do lado onde, no desespero, os soldados tentavam consertar a arma. No calor da batalha, muitos corriam para quem estava armado com uma M60 para poder se abrigar. Outros usavam as pistolas Colt 1911 ou os revólveres Smith & Wesson. Outros se valiam de granadas de mão como último recurso.

A situação era deveras preocupante. Assim que o M16/XM16E1 passa a ser enviado em massa para o Vietnã, os M14 começam a ser recolhidos em grande escala porque, logisticamente falando, não faria sentido manter duas armas na tropa na linha frente, de tal ordem que o M14 ficou praticamente para o pessoal sniper. O problema é que não havia como ter acesso ao M14 até que a situação se normalizasse com o M16/XM16E. Os soldados ou levavam os fuzis da Colt ou levavam fuzis da Colt. Não havia opção.

XM16E1.

Não tardou para os soldados começar a usar carabinas M1 em suas patrulhas como arma secundária. Começaram a levar mais munição para suas pistolas. Alguns levavam M14 contrabandeados. A situação se torna crítica quando soldados americanos começaram a usar o AK-47 capturado do inimigo. Isso era um risco alto porque o som do disparo do AK-47 era diferente do M16. No calor do tiroteio algum soldado amigo poderia interpretar a posição do outro soldado com o AK-47 como um inimigo. Ou outras vezes, de longe, o soldado americano carregando um AK-47 era visto como inimigo, correndo o risco de ser baleado. Somente com o M16A1 as coisas começaram a melhorar no Vietnã.

 

XM16E1/M16

Calibre: 5,56 x 45 mm M195
Comprimento total: 1.000 mm
Comprimento do cano: 508 mm
Cadência teórica de disparo: 700-800 dpm
Peso: 3,2 kg
Carregador: 20 cartuchos

 

Como funciona

Após apertar o gatilho e efetuar a deflagração do cartucho, os gases que percorrem o cano entram em um orifício na altura da mira. Esse orifício direciona os gases para um êmbolo sem pistão. Os gases percorrem esse êmbolo diretamente para a parte de trás do ferrolho. Os gases, chegando, pressionam o transportador do ferrolho para trás ao mesmo tempo em que ele vira para a esquerda. Isso faz com que o os ressaltos do ferrolho se alinhe com as saliências da câmara do cano, destravando o ferrolho.  Ainda com a força dos gases, o transportador do ferrolho é deslocado para trás, onde, ao mesmo tempo, ejeta a cápsula deflagrada.

O transportador do ferrolho chega ao final do seu curso, onde, por uma mola recuperadora localizada logo atrás e alojada em um tubo na coronha, passa a empurrar o transportador do ferrolho para frente. Nesse momento de volta, o ferrolho coloca um cartucho novo na câmara do cano. Agora os ressaltos do ferrolho entram na base do cano e se alinham com as saliências da câmara do cano, rotacionando o ferrolho para o lado direito, travando com os ressaltos na câmara do cano. Agora o fuzil está pronto para o próximo disparo.