CAL

A FN não quis perder tempo após ver o lançamento do 5,56 x 45 mm e o sucesso da família M16. Ela decide entrar nesse mercado também com um fuzil de assalto no mesmo calibre, mas não com a mesma intenção de lançar um substituto do FAL, já que ainda era muito cedo para isso. O CAL serve como um banco de testes e aprendizado ao lançar um fuzil de assalto em um calibre novo em tão pouco tempo. Com ideias e conceitos novos, o CAL mantinha a cultura da FN de buscar trazer o melhor para os seus produtos. Entretanto, o fuzil foi feito às pressas e não conseguiu atingir a meta de lançar um fuzil com as mesmas qualidades do FAL, um fuzil simples e barato. No final serviu de base para outros modelos em que os conceitos são usados até hoje por alguns países.

 

CAL

Antes de mais nada, temos que ter em mente que essa não foi a primeira tentativa da FN de fazer um fuzil de assalto com um calibre intermediário. Terminada a 2ª G. M., os primeiros protótipos do que seria o FAL usavam justamente o calibre alemão 7,92 mm kurz como plataforma de testes e viabilidade do projeto. Com o conceito em mãos a FN fez sua primeira versão do FAL em calibre .280, considerado um calibre intermediário e que poderia ter sido um calibre melhor que o 7,62 x 51 mm que fora, praticamente, posto de forma obrigatória pelos americans. Desta forma, a FN já tentara antes um fuzil de assalto com um calibre realmente intermediário.

Protótipo FAL em calibre .280.

O uso do 5,56 x 45 mm no Vietnã havia despertado o interesse dos países a esse calibre menor. Vários países passaram a se interessar pela plataforma do M16 e como esse calibre poderia ser aproveitado. Mantendo a tradição de uma grande produtora e exportadora de armas de fogo, a FN (Fabriqué Nationale), logo ela viu que ela poderia preencher o nicho de possíveis países interessados no novo calibre.

A ideia de um fuzil de assalto em 5,56 x 45 mm surgiu ainda em 1963. Como a escalada da guerra do Vietnã estava aumentando com uma maior quantidade de M16 sendo fornecida para os EUA e outros países aliados asiáticos, a Bélgica quis ganhar tempo usando o máximo que pudesse tirar do FAL, seu fuzil de inequívoco sucesso. Um modelo foi feito em 1963 usando um FAL adaptado para o calibre americano. Esse modelo tinha poucas partes diferentes do FAL, usando a maior quantidade possível de peças, uma vez que se tratava de mero protótipo conceitual.

 

FAL convertido ao calibre 5,56 x 45 mm.

O fuzil apresentava, no geral, uma diminuição do peso de 27%, englobando tudo, o fuzil, carregadores e munição. A quantidade de munição avaliada era de 120 cartuchos para um soldado, esse nº servia apenas como parâmetro. Os engenheiros da FN viram que, sem dúvida, o fuzil em calibre 5,56 x 45 mm deveria ser feito em metal estampado. O protótipo conceitual seguia o mesmo padrão do FAL, com um bloco usinado na caixa da culatra. Como desde o começo se tinha a intenção de adicionar um lançador de granadas ao fuzil, a FN testou um modelo protótipo nesse protótipo do FAL. O fuzil dispararia um cartucho normal. Os gases entrariam em um orifício do cano abaixo e seriam direcionados para o lançador de granadas acoplado. Assim esses gases desviados é que impeliriam a granada para fora do cano.

Protótipo do FAL 5,56 x 45 mm com o protótipo de um lançador.

Visto que o conceito de um calibre mais leve seria viável, decidiram então fazer uma nova arma dedicada ao calibre citado. A FN viu que o uso do ferrolho basculante era inviável para o projeto. O conceito do ferrolho rotativo, para o calibre 5,56 x 45 mm, era mais viável e seguro. Temos que recordar que o uso de um ferrolho rotativo já vinha desde os anos 30 e a FN decidiu por adotá-lo.  Desnecessário dizer tal qual o modelo desenhado por Eugene Stoner.

O CAL era um fuzil que usou o máximo do layout, peças e ideias do FAL. Isso foi feito visando ganhar tempo e economizar dinheiro, é por isso que ele tem uma grande semelhança com o FAL. Desta forma esse modelo fica pronto em 1966, onde recebe o nome de CAL – Carabine Automatique Légère. A sua apresentação oficial acontece em 1967, ainda quando a Guerra do Vietnã ainda não alcançava o seu ápice, tamanha foi a velocidade de pesquisa e desenvolvimento da FN.

CAL MK1.

A filosofia da FN na época era diferente. Ela não visava um fuzil de assalto para substituir o FAL, porque dezenas de países recém haviam comprado ele como outros ainda o comprariam. A FN acreditava que o CAL seria uma arma de apoio para soldados que precisassem de uma arma mais leve, em terrenos difíceis, onde seria necessária uma arma mais leve porém com a mesma letalidade de um fuzil em 7,62 x 51 mm. Ou senão, seria a arma ideal para tropas especiais. A ideia era uma arma que trabalhasse junta com um fuzil de calibre mais pesado. Naquela época os exércitos ainda não sabiam se valia a pena ou não substituir seus calibres pesados por um mais leve.

O primeiro modelo ficou conhecido como Mk1. Tratava-se de um fuzil de assalto de ferrolho rotativo por pistão de curso curto. Entretanto essa arma tinha algumas diferenças. O transportador do ferrolho era ligado ao pistão por uma peça. Essa peça é a alavanca de manejo. A mola recuperadora não fica na parte de trás da caixa da culatra ou dentro da coronha. Ela fica na frente do transportador do ferrolho. A mola recuperadora fica dentro do pistão de gases, situado em cima do cano, dentro do êmbolo. Como o transportador está preso ao pistão, no final ele não é empurrado para trás e sim puxado para frente por essa mola. Essa ideia mais tarde foi praticamente copiada pelos italianos e suíços em seus fuzis de assalto.

O fuzil era todo feito em material estampado e com amplo uso de materiais plásticos de alta resistência, como a coronha, empunhadura e guardamão. Levando em consideração esses elementos e o desenho menor do fuzil, isso tornava o CAL muito leve, pesando meros 3 Kg. O CAL teve algumas influências que vieram do M16 e que foram usadas. A começar, havia uma tampa acionada por mola para proteger a janela de ejeção. Porém os belgas solucionaram o problema de proteção para a alavanca de manejo. Como a alavanca de manejo ficava situada do lado direito, vemos o surgimento, pela primeira vez, de uma tampa lateral para cobrir a abertura lateral da alavanca de manejo. Essa tampa lateral também é acionada por molas e a cada disparo, a alavanca de manejo recua para trás. Ela comprime essa tampa que sobe assim que a alavanca vai para frente.

Lançador de granadas acoplado ao CAL MK1.

O CAL também foi o primeiro fuzil de assalto europeu a ter um lançador de granadas acoplado. Ele era acoplado a um guardamão especial. O sistema tinha a sua própria mira para uma granada de 40 mm com alcance de até 300 metros. O fuzil também podia disparar granadas de boca. Para essa granada, há que se usar um cartucho especial sem projétil. Isso faz o CAL usar o mesmo sistema de regulador de gases do FAL. Para o uso de granadas, ele é fechado totalmente, sendo todos os gases direcionados para o lançamento da granada. Ainda há a posição normal, em que parte dos gases é desviada para fora e a posição de uso mais árduo, onde há uma maior entrada de gases no êmbolo quando a arma é operada em condições mais adversas com sujeiras.

Como forma de diminuir o estresse no corpo da caixa da culatra, de metal estampado, foi usado um extensor do cano. Isso permitia que o ferrolho rotativo ficasse preso a ele e não diretamente ao cano, que tinha maior carga de energia na caixa da culatra. Como o ferrolho ficava travado nesse extensor, o estresse era menor. As laterais do caixa da culatra serviam como trilho também para o transportador do ferrolho, tornando a arma mais simples, em teoria. Nesse mesmo extensor do cano era acoplado o cano pelo movimento de rosca. Isso tornava a troca do cano mais rápida.

O CAL também foi o primeiro fuzil de assalto a ter um sistema de burst. Aqui temos que ver isso com mais acuidade. O seletor de disparo era praticamente uma cópia do seletor de disparo do M1 Garand. Não que fosse uma cópia e produção ilegal, já que a FN sempre pagou pelos royalties sobre o direito de uso. A esse seletor foi adicionado o sistema de burst. Essa peça, o desconector, se assemelha a uma roda dentada, com 3 dentes. A cada dente é um disparo que para após passar pelo 3º dente, acionando uma trava nesse desconector. 

CAL. Note no seletor o regime de burst “3”.

O sistema burst é uma pequena rajada controlada com um determinado nº de disparos estabelecidos. A cada puxada do gatilho, se dispara uma pequena rajada. O burst pode variar de 2, 3, 4 ou 5 disparos, isso pode variar em virtude de cada projeto. Um burst não significa, necessariamente, 3 disparos. Na época, nos anos 60, o burst surgiu como uma forma de controlar a munição. Fuzis de calibres maiores, como o 7,62 x 51 mm tornam o disparo automático totalmente inviável, então o soldado já é treinado e dispara em semiautomático sabendo que se disparar em automático, apenas será um desperdício de munição. Como o calibre 5,56 x 45 mm é mais leve e de recuo bem menor, os engenheiros pensaram na possibilidade do soldado achar o recuo tão controlável que disparar em automático seja muito fácil e, assim, passar a usar o fuzil em automático.

Entretanto, mesmo com uma munição mais leve, o disparo em automático não é viável a longas rajadas. Em rajadas de 5 disparos, por exemplo, o 5,56 x 45 mm gera uma dispersão muito grande, gerando numa baixa precisão. Desta forma, o burst é uma forma de conter, também, o desperdício de munição. Em curtas distâncias, o burst se mostra mais viável que o automático porque o soldado disparará em curto intervalo de tempo com maiores chances de acertos em virtude da menor distância do alvo com uma relativa menor dispersão. Temos que tomar cuidado para não cair na teoria do índice de acertos. Tem se uma falsa ideia de que burst de 3 disparos tem maior chance de acerto. Para isso que isso funcione, o fuzil tem de operar com uma cadência de disparo acima dos 2.000 dpm para que o disparo seja tão rápido que não disperse um do outro. Como o CAL tem um cadência de disparo de 850 dpm, esse efeito é praticamente anulado.

O carregador do CAL era diferente do M16. Ele era feito de aço, o que o tornava mais resistente e confiável. Havia capacidade para 20 ou 30 cartuchos, sendo que o de 30 cartuchos mantinha um desenho reto e não curvado. O retém do carregador é ambidestro e situado logo à frente e acima do guardamato. Emprestado do M16 veio a ideia do retém do ferrolho, localizado acima do fosso do carregador do lado esquerdo. Levando em conta a leveza do cartucho e o recuo menor, ficou mais prático e ágil operar o fuzil com a troca rápida dos carregadores e uso por esses reténs.

Membro do grupo narco terrorista com um CAL Mk2.

Como o calibre 5,56 x 45 mm tinha uma trajetória mais plana, não havia a necessidade de se ficar graduando miras a distâncias diferentes. As miras têm duas graduações, para 250 e 400 metros. É mais do que suficiente pois os combates não ocorrem a distâncias maiores que essa. Além disso, há uma alça de mira retrátil para o uso de granadas de boca, bastando levantar para o uso. O guardamato também podia ser dobrado para o lado caso o soldado estivesse usando luvas grossas.

A maior chance de produção e exportação veio com a França. No começo dos anos 70 ela buscava um novo fuzil de assalto que resultou no FAMAS. Entretanto, antes, ela avaliou extensivamente o CAL Mk1. Esse modelo teve pequenas alterações pontuais segundo os requisitos franceses, como uma empunhadura diferente e um cano diferente, com anéis que eram usados para o lançamento de granadas de boca. O programa de avaliação durou de 1971 a 1974. Os franceses tinham gostado do conceito do fuzil, da praticidade da nova munição e de como ele era leve e controlável. Entretanto, o fuzil tinha se mostrado muito complicado de desmontar, limpar e montar. Além do mais, a manutenção tinha se mostrado algo muito complexo e, em virtude dos gases no êmbolo de gás onde estava a mola recuperadora, com o uso o fuzil apresentava panes de disparo. Não tardou e os franceses desistiram do fuzil.

CAL avaliado pelos franceses.

Em 1975 uma nova versão é apresentada, o CAL Mk2. As diferenças eram praticamente mínimas. Visualmente falando, a maior diferença era o guardamão. No Mk1 ele cobria somente a parte de baixo do cano e êmbolo de gás. Com o Mk2 ele passa a cobrir toda essa parte. As maiores alterações não foram na arma em si mas nos métodos de produção, pois a meta era baratear o custo de produção e agilizar o tempo que era usado para isso.

CAL Mk2.

Mas nem tudo era belo. O CAL tinha alguns problemas sérios. O fuzil tinha um desenho técnico muito complexo em virtude da estamparia e alocação das peças. Isso fazia o fuzil ser bem mais caro de se produzir. Como era mais complexo, ele levava também mais tempo para ser produzido. Isso tornava um fuzil caro e demorado de fazer. Para piorar ele tinha uma manutenção mais complexa e difícil que o FAL. Embora o seu cano fosse de rápida troca, o fuzil era complexo de desmontar e montar até chegar ao cano. Em testes de disparo, ficou visto que ele apresentava várias panes. Isso se dava pela pressa em desenvolver um fuzil de assalto num calibre novo. Muita coisa não foi revisada e isso foi um problema quando na fase de disparos.

Comparação entre o FAL e o CAL Mk2.

Os planos de produção encontraram problemas. A meta era a produção de 10.000 fuzis até 1970. Porém, até 1975 apenas 8.000 fuzis foram produzidos. A versão Mk2 teria a produção iniciada em 1975 onde até 1977, seriam feitos 10.000 fuzis. Porém, só 4.000 fuzis foram feitos. Diante dos problemas e da complexidade de produção, o programa CAL foi cancelado em 1977, já que seria mais útil fazer uma nova arma que já nascesse sob a égide de uma equipe com mais experiência nesse calibre. O CAL não foi adotado pelo exército belga.

E em virtude das poucas quantidades produzidas, ele foi vendido em compras de oportunidades por alguns países, compras estas pontuais e de pequenos lotes. Myanmar (antiga Birmânia) foi um dos compradores que mais se destacaram. Mas com o fim da produção desse fuzil em 1977, não havia como manter esses fuzis sem a devida manutenção. Logo foram vendidos no mercado negro e vários foram vistos nas mãos do grupo terrorista colombiano ELN.

CAL Mk2 – Myanmar.

FN CAL

Calibre: 5,56 x 45 mm M193
Comprimento do cano: 467 mm
Comprimento total: 926 mm
Cadência de disparo: 850 dpm
Peso: 3 Kg
Carregador: 20 ou 30 cartuchos

 

Como funciona

Após o disparo, os gases percorrem o cano e entram em um orifício na altura da mira. Esse orifício direciona os gases para um êmbolo em cima do cano. Nesse êmbolo há um grande pistão que está preso ao transportador do ferrolho. Os gases comprimem esse pistão para trás, isso faz com que o ferrolho gire para o lado esquerdo. Isso faz os ressaltos do ferrolho se alinharem com as saliências da câmara do cano. Ao fazer isso, os ressaltos passam por elas, destravando o ferrolho.

Com o movimento de retrocesso do pistão, o transportador do ferrolho vem junto com ele. Nesse momento, o ferrolho extrai da câmara do cano a cápsula, ejetando para o lado direito, momento este que faz o transportador do ferrolho e ferrolho chegar ao final do seu curso. A mola recuperadora está em volta desse pistão do êmbolo de gás. Como o pistão está preso ao transportador do ferrolho, a mola recuperadora o puxa de volta para frente. Nesse movimento, o ferrolho empurra um cartucho para a câmara do cano. Os ressaltos do ferrolho passam pelas saliências da câmara do cano e se rotacionam para o lado direito, travando o ferrolho e preparando a arma para o próximo disparo.