Galil – Parte 2

Entrada em serviço nada amistosa

Quando o Galil foi oficialmente adotado em 1974, a sua introdução encontrou uma série de reveses. O Galil é simples como o AK-47 e, em virtude dessa simplicidade, criou-se uma pequena confusão pela tropa quando recebeu ele. O AK-47 surgiu para ser usado com o mínimo de lubrificação e o Galil seguiu a mesma coisa. Porém os soldados foram instruídos a lubrificar sempre o fuzil. Pelas condições áridas do Oriente Médio, esse excesso desnecessário de lubrificante fazia com que o pó e a sujeira se acumulassem no interior, gerando uma massa que resultava em panes já que sujava as peças internamente. A solução foi o contrário do que os americanos fizeram com seus M16s no Vietnã. Os soldados israelenses foram orientados a não lubrificar sempre o fuzil porque não era necessário. Após isso o índice de panes praticamente sumiu.

Galil ARM. Note como a coronha rebatida pode atrapalhar o acesso ao gatilho em situações de emergência.

Ainda com uma grande quantidade de FAL, o Galil foi destinado às tropas especiais em virtude do novo calibre mais leve e prático. Entretanto, a tropa foi enfática. Não gostaram do fuzil por um único motivo. O peso. Enquanto que outros fuzis de assalto em 5,56 x 45 mm pesavam entre 3,3 e 3,6 Kg, o Galil pesava 4,3 Kg. Isso não era uma displicência da equipe de Galil. Ele era pesado por causa das exigências do exército israelense de uma arma robusta e resistente, como o FAL.

As condições do terreno israelense, assim como as intempéries por eles enfrentadas, necessitavam de um fuzil de assalto que tivesse a mesma resistência que eles tiveram com o FAL. Desde o começo o Galil surgiu para ser uma arma mais firme e rígida. Isso foi um choque para os soldados israelenses que já operavam tanto o AK-47 como o M16A1. Embora o Galil fosse mais preciso, o M16A1 era muito mais leve para as missões e os soldados preferiam mais o M16 do que o Galil. Outros soldados continuaram a usar o AK e AKM-47, mesmo usando um calibre diferente, porque consideravam eles mais leves. Muitas ações realizadas pelas tropas especiais israelenses foram feitas com o AK-47 quando eles tinham o Galil em seus estoques.

Soldado israelense com o Galil ARM.

Desta forma, o Galil foi relegado a tropas que não fariam operações especiais. Entretanto, em 1975 ocorre um grande problema. Israel começa a receber grandes remessas de M16A1 e M653. Israel recebia esse material via Foreign Military Sales -FMS, onde conseguiam armamento barato a condições de pagamentos mais interessantes. O preço de 1 Galil AR valia o equivalente a 4 M16A1. Isso faz criar uma lenda imaginária de que o Galil era um fuzil ruim e que, em virtude disso, os israelenses preferiam o fuzil americano. A bem da verdade, o Galil era superior, e muito, ao M16A1, porém custava 4 vezes mais que o modelo americano.

No final dos anos 70, as tropas especiais israelenses ainda usavam o AKM-47 e M16A1. Começaram a substituir todas as armas pelo M16A1 e CAR15 porque o custo do Galil era muito alto para trocar por todas as armas até então usadas. Em 1991, todas as tropas especiais israelenses operavam o M16A1 e A2. O Galil ficou destinado às tropas que não entrariam em confronto diretamente, como o pessoal de tripulação, guardas de fronteiras, tropas que guarneciam bases, etc.

Soldados israelenses no começo dos anos 80 no conflito com o Líbano.

No final o Galil foi um sucesso de vendas. Ao todo 42 países compraram o Galil, nas suas mais variadas versões, para exércitos e órgãos de segurança. E isso se dava porque o fuzil era ótimo. Basta ver como a Colômbia os utilizou em combate e nunca reclamaram. O Galil se mostrou como um dos melhores fuzis nas décadas de conflito contra os narco terroristas das FARCs A arma durava mais, era mais precisa, tinha um menor índice de panes e muito mais resistente. Os Colombianos gostaram muito dessa arma a ponto de ser a preferida entre os soldados.

Soldado israelense com um Galil SAR com um lançador M203.

 

Galil ACE

O Galil é um dos pouquíssimos fuzis de assalto que passaram por uma modernização e permaneceu no mesmo nível dos fuzis mais modernos. Pode-se dizer, sem dúvida, que o Galil ACE é a evolução máxima do desenho AK-47 que nem os soviéticos conseguiram até hoje. Mesmo Israel não adotando o Galil em massa, ele foi atualizado por contra própria pela IWI. Embora Israel tenha comprado poucos Galils, o fuzil foi um sucesso de exportação, levando em conta que outros modelos de mesmo calibre são até mais baratos. Os países que compraram o Galil os utilizam até hoje sem reclamações e compras adicionais são feitas porque o fuzil dura relativamente mais.

Galil Ace.

Em cima desse sucesso de exportação é que a IWI opta por modernizar o Galil para um mercado mais concorrido. Em 2005 o fuzil passa por uma revisão para corrigir os pontos negativos que ele tinha e aprimorar o desenho técnico a ponto de ter uma arma rival dos modelos modernos sem a necessidade de se criar uma arma do zero. Não existe nada oficial, mas muitas das inovações e correções que vemos na família ACE vieram da experiência dos colombianos com o Galil em sua guerra contra os narcoterroristas das FARC. A Colômbia produz o Galil sob licença e eles usaram muito ele em guerra. Isso criou uma série de recomendações para o uso na Colômbia que fez os israelenses a aplicarem no Galil.

A primeira coisa corrigida foi o calcanhar de Aquiles do Galil, o seu peso. Antes o Galil pesava 4,3 Kg. O Galil ACE pesa 3,6 Kg. Uma bela diferença para armas com mesmo comprimento de cano e carregador. Para que isso ocorresse, se usou uma maior quantidade de polímeros no fuzil. O bloco da caixa da culatra continuava sendo usinado, entretanto, usava uma liga de metal mais leve e a parte de baixo do bloco da culatra não era usinado. Essa parte de baixo era toda feita em polímero, onde segurava a empunhadura e o fosso do carregador. Isso tirava boa parte do peso porque a base da caixa da culatra é a parte mais pesada desse bloco.

Galil Ace completamente equipado. Note a alavanca de manejo.

Internamente o Galil ACE é a mesma arma de antes. Não por questões de contenção de custo, mas porque o projeto em si é muito confiável e não havia a necessidade de se alterar algo bom e simples. Entretanto, isso não proibiu a alteração de outros comandos. A alavanca de manejo sai do lado direito para o esquerdo, isso se dava porque é mais incômodo ter que manejar a alavanca com a mão contrária, como sempre foi com o desenho do AK-47. Agora, o soldado tem uma facilidade muito maior para isso. E como essa alavanca foi para o outro lado, foi feita abertura lateral para que o pino da alavanca se movesse. Essa abertura poderia trazer sujeira para dentro da arma, como sempre fez no desenho do AK-47.

Para tanto foi colocada uma tampa lateral acionada por molas. A todo o momento essa abertura lateral estará tampada. A cada disparo, a alavanca retrocede e empurra essa tampa para baixo. Assim que volta para frente as molas empurram a tampa para cima, mantendo a abertura lateral fechada o tempo todo, mesmo durante disparos. Isso é uma forma de evitar a entrada de sujeira dentro da arma. O retém do carregador se mantém na mesma posição, entretanto, sem a tradicional trava de segurança. Isso pode ser um problema, pois sem a trava o retém mais protuberante pode ser acionado sem querer.

Ao lançar uma nova versão, os israelenses adotaram a munição 5,56 x 45 mm SS109. Essa munição tem um projétil mais pesado e com uma pequena diferença de velocidade inferior. Para tanto, o passo do raiamento do cano muda, agora é de 1:7. Isso significa dizer que o projétil dá uma volta a cada 7 polegadas, ou 177 mm. Por causa da maior fricção e energia gerada, a alma do cano recebe uma camada de cromo para maior durabilidade. Além disso, visando uma maior precisão, é usado o mesmo grupo do gatilho do Galil versão Sniper. Esse gatilho tem um sistema de dois estágios que torna a pressão do gatilho mais suave, diminuindo a força exagerada e aumentando a precisão.

Galil Ace operado pela Colômbia.

O trilho picatinny merece destaque no Galil ACE. Antes era ruim de colocar esse trilho em virtude da leveza da tampa da caixa da culatra, embora fosse de uma chapa mais grossa. As suas presilhas faziam que, com o tempo, se soltassem, fazendo o sistema tremer e perder a precisão. Para corrigir isso, os israelenses reforçaram como a tampa da caixa da culatra é presa. Isso permite a inclusão de trilho picattiny sem o problema de se soltar, mantendo a alça de mira fixa. Na parte de cima do guardamão também foi colocado o trilho, assim como nas laterais. Aqui há uma pequena tampa que cobre os trilhos, isso permite que fique permanentemente preso ao fuzil e, caso o soldado necessite, basta tirar essas pequenas tampas e colocar o acessório que deseja.

O seletor foi redesenhado e soluciona em partes os problemas. Os soldados reclamavam que o seletor de disparo do lado direito era grande e muito barulhento. Agora redesenharam com uma tecla menor e mais funcional. No lado esquerdo, manteve-se o mesmo seletor, porém com um botão maior e mais ergonômico, evitando que o soldado deslizasse o seletor para um regime que não era o intencionado. Também foi alterava a coronha rebatível, que passa a ser retrátil. Algumas coronhas passam a ter um adaptador para incluir um apoio para a face lateral do rosto, ajudando mais no enquadramento da mira.

Galil Ace em 7,62 x 51 mm.

O desejo dos operadores da família AK-47 foi finalmente atendido. Após o último disparo, o ferrolho finalmente permanece aberto. Isso é algo que muitos exércitos desejam, mas por limites do projeto o fuzil não tem essa qualidade. O fato de o ferrolho permanecer aberto facilita muito a operação da troca do carregador como diminui o tempo de operação. Sem falar que o soldado tem certeza que acabou a munição e que não é uma pane de disparo. Para soltar o carregador, o soldado tem duas opções. No lado esquerdo, a alavanca de manejo fica puxada para trás após último disparo. O soldado dá uma leve puxada para trás que o ferrolho é solto automaticamente. Outra forma é no lado direito acionar um pequeno botão localizado à frente do seletor de disparo. Após último disparo, basta o soldado colocar o carregador, acionar um dos reténs do ferrolho e disparar novamente.

Assim como o Galil anterior, a família ACE é oferecida em vários tamanhos de canos e acessórios que não entraremos aqui para evitar uma repetição. Entretanto, a novidade está na versão 31/32 em calibre 7,62 x 39 mm. Essa versão visa os operadores das plataformas AK-47 que operam com o 7,62 x 39 mm, que querem comprar uma arma nova e moderna, mas que não querem comprar um projeto mais novo, custando muito mais.

Galil Ace. Note o novo seletor de disparo.

A evolução do Galil ACE não parou por aí. Logo após 2010 os israelenses adaptaram o carregador padrão STANAG para caso surja algum cliente estrangeiro que tenha interesse no Galil ACE e que necessite usar esse tipo de carregador. Surge assim a série N, de NATO. Este nada mais é do que um Galil ACE adaptado para o carregador STANAG e com algumas pequenas mudanças. Ao adotar esse novo tipo de carregador, foi necessário alterar o desenho do fosso do carregador porque as travas do carregador na caixa da culatra são diferentes. Esse sistema é inferior aos demais carregadores porque é mais frágil quando o soldado segura o carregador com força, gerando uma folga com o tempo que gera uma pane de alimentação.

Galil Ace N em 5,56 x 45 mm.

Embora usando um novo tipo de carregador, foram mantidos os reténs do ferrolho, não usando o mesmo que o padrão M16. Entretanto, foi retirado o retém do carregador atrás do carregador. Foram colocados dois botões laterais, à frente do guardamato, mantendo o retém ambidestro. Isso até agilizou a troca dos carregadores. O carregador deixa de ser de aço e passa a ser de alumínio, considerado mais frágil. O fuzil N passa a ter um peso maior em 140 gramas, o que é quase nada.

O Chile opera o Galil Ace, tanto nas versões iniciais como as posteriores.

A arma mantém os trilhos picatinnys, a diferença é que na parte de cima da arma ele se estende por toda a caixa da culatra e guardamão. Mas não é uma peça única, ela está dividida em duas partes. Essas alterações fizeram a IWI aplicar em uma versão DMR no calibre 7,62 x 51 mm. Tem se mostrado uma plataforma muito versátil com a redescoberta desse calibre.

Galil Ace em 7,62 x 51 mm.

Desde que foi lançado, o Galil ACE conseguiu boas venda em um mercado muito acirrado. Até agora 14 países compram o Galil ACE em suas mais variadas versões para exércitos e órgãos de segurança.

Galil ACE 23

Calibre: 5,56 x 45 mm SS109
Comprimento do cano: 462 mm
Comprimento total: 976 mm
Cadência de disparo: 650-850 dpm
Peso: 3,6 Kg
Carregador: 30 cartuchos

 

Como funciona

Ao apertar o gatilho, o cão é liberado batendo no percussor. Este deflagra o cartucho, fazendo com que os gases que impelem o projétil entrem em um orifício. Ao passar por ele, os gases são dirigidos a um êmbolo situado acima do cano. Neste êmbolo tem um longo pistão que é ligado diretamente ao transportador do ferrolho. Os gases no êmbolo pressionam o pistão para trás. Ao fazer isso, pela inércia, o ferrolho é rotacionado para o lado esquerdo, fazendo com que os ressaltos estejam alinhados com as saliências do extensor do cano.

O ferrolho é deslocado para trás, ao mesmo tempo em que ejeta a cápsula que estava na câmara do cano e inicia o movimento de recuo até o final. A mola recuperadora empurra o transportador do ferrolho e pistão para frente, colocando um cartucho na câmara do cano. Neste momento, o ferrolho passa pelas saliências da base do cano, virando para o lado direito, travando o ferrolho na base do cano. Neste momento, o percussor está pronto para ser acionado novamente, reiniciando o ciclo.