AR-10 Parte 2

Novos AR-10 e AR-10A

O fracasso na seleção do novo fuzil não parou a equipe da ArmaLite. Eles refinaram o fuzil melhorando os desenhos técnicos considerados deficientes. A designação volta a ser AR-10 por questões meramente publicitárias para mostrar uma arma nova. Com esse novo fuzil, é oferecido uma carabina e uma metralhadora leve de apoio. E em virtude dessa metralhadora leve ocorre uma alteração que dura até hoje na família M16.

A metralhadora leve era alimentada por fita. Para tanto, a alimentação deveria ser feita a partir do lado esquerdo da arma. Entretanto, justamente nesse lado, estava a junção do tubo de gás lateral com o transportador do ferrolho pelo lado esquerdo. Essa junção impossibilitaria a alimentação por fita já que seria por onde se colocaria a fita de munição. Para solucionar isso, o tubo de gás é deslocado do lado esquerdo para a parte de cima do cano, liberando espaço para alimentação da arma por fita.

AR-10.

Essa alteração passa a ser usada em todos os modelos AR-10 e todos os fuzis da família M16. Surge também um protótipo denominado AR-10A. Este modelo era praticamente o mesmo do novo AR-10, porém com peças e dimensões diferentes. Foi adicionado roletes ao transportador do ferrolho para que a peça não se desgastasse rápido demais e tornasse o movimento mais suave dentro do fuzil. O que mais chama atenção é a alavanca de manejo que deixa de ser em cima da caixa de mecanismo e passa a ser somente do lado direito e atrás, também na parte de cima da caixa de mecanismo. É o precursor da alavanca de manejo que temos hoje.

 

Entra em cena a Holanda

Nos anos 50 o mundo estava em fase de renovação de seus fuzis com o advento não só do fuzil de assalto, mas como a automação vista pelos fuzis semiautomáticos usados na 2º G. M.. A Holanda tem um papel importante para a história do AR-10.

Em 1957 a Holanda, pela empresa Artillerie Inrichtingen, compra os direitos de produção do AR-10 da ArmaLite. Um ano antes a Fairchild comprara o direito de fabricar o Fokker F27 nos EUA. Nesse mesmo ano a Holanda procurava seu novo fuzil de assalto e a ArmaLite viu uma grande possibilidade de sua primeira grande exportação. Já a AI via uma grande possibilidade de exportação porque o fuzil já estava amadurecido. Entretanto, problemas surgiram entre a AI e o próprio governo holandês envolvendo questões burocráticas que atrasaram a introdução de uma linha de produção. A instalação de maquinário atrasou muito em virtude disso. O primeiro país a se interessar foi a Áustria, mas lhe foi dito que as entregas demorariam dois anos. Diante disso, adotaram o FAL porque eles não poderiam esperar por tanto tempo.

AR-10 - Artillerie Inrichtingen.

O AR-10 foi redesenhado para o sistema métrico adotado pela Holanda. E neste ínterim, os engenheiros holandeses fizeram algumas alterações quando adaptaram para a sua linha de produção. O seletor de disparo é alterado. Agora a posição travada fica na frente, semi no meio e automático, atrás. Esse modelo é usado até hoje na família M16. Antes tínhamos automático na frente, travado, no meio, e semi, atrás. Houve um protótipo em que a alavanca de manejo é posicionada na parte de trás em cima da caixa de mecanismo de forma ambidestra, mas não foi adotado em série.

O plano da AI, caso vencesse a concorrência, seria de fornecer um fuzil que desempenhasse várias tarefas, algo inédito até então. Desta forma a tropa teria um fuzil de assalto, uma carabina, um fuzil de precisão e uma metralhadora leve de apoio. Sendo que o fuzil de assalto ainda poderia disparar granadas lançadas pela boca do cano. E logo a AI começou uma campanha de vendas internacionais. Vários países se interessaram, mas recuaram pelo tempo que levaria para entregar esses fuzis. A Nicarágua chegou a comprar 7.500 fuzis da AI mas a compra foi cancelada quando um AR-10  explodiu, machucando o atirador quando o fuzil era demonstrado para autoridades militares.

AR-10 sendo demonstrado na Holanda.

A Alemanha também foi um das primeiras a avaliar o fuzil. Não ocorreram panes sérias e nenhum cano explodiu. Porém, o quebrachamas se mostrou problemático. À medida que os disparos eram efetuados, resíduos de sujeira da combustão da pólvora se alojavam no interior e nos orifícios do quebrachama. Com o tempo, esses resíduos criavam grandes flahses que mostravam a posição do soldado a cada 30 ou 40 disparos. Também, outras vezes o quebrachamas pegava fogo, como uma tocha. Outro problema observado pelos alemães é que se fosse necessário disparar granada pela boca do cano, teriam de tirar o compensador toda vez que fosse efetuar o disparo. Os alemães recusaram o fuzil no final das avaliações.

AR-10 sendo avaliado na Alemanha. Note as centenas de cápsulas no chão.

Cuba, México, Butão e Panamá receberam 1 fuzil cada para avaliação mas não prosseguiram. A Venezuela analisou 5 exemplares. A Finlândia avaliou 5 fuzis convertidos para o 7,62 x 39 mm. Este modelo visava um fuzil de assalto no calibre soviético e o vencedor foi o Rk. A Guatemala comprou 500 fuzis. A África do Sul avaliou, mas desistiu quando não poderia fabricá-lo em solo sul africano. O Sudão comprou 1.500 fuzis que praticamente não foram usados e dados como baixa em 1980. E Portugal recebeu 1.500 fuzis.

O modelo sudanês tinha como inovação o quebrachamas de três pontas, apelidado de bico de pato, que ficou muito famoso depois nas primeiras versões do M16. Se no AR-10 foi bom, no M16 não teve o mesmo rendimento. Não tardou e o inevitável aconteceu. A Holanda desistira do AR-10. O fuzil tinha uma avaliação superior ao FAL em alguns quesitos. Mas por questões puramente políticas, o FAL foi selecionado para ser fabricado pela AI. Desta forma, morria as últimas chances de exportação do ArmaLite AR-10.

AR-10 Sudanês. Note o quebrachama no formato bico de pato.

 

AR-10 em ação

Ao contrário do que muitos pensam, o AR-10 foi usado em combate e, novamente ao contrário do que muitos pensam, ele se saiu muito bem. Quem o usou em combate foi Portugal em suas guerras coloniais. Portugal havia comprado um total de 5.000 fuzis AR-10 da AI holandesa. Bem no começo dos anos 60, os EUA boicotam a venda de armas a Portugal. O AR-10 era um fuzil de patente americana, mas mesmo assim a Holanda entregou os 1.500 fuzis que já haviam sido pagos, indo de encontro ao que estabelecia os EUA, com o embargo imediato de remessa de armas.

Soldado português em Angola com um AR-10.

As tropas portuguesas usaram o AR-10 de 1961 até 1975. O fuzil se deparou com uma quantidade grande de adversidades climáticas. Muita umidade, muito calor, muita terra, muito barro, muita poeira e ele se saiu muito bem. Em movimentos que exigiam rapidez, a alça de transporte se mostrou muito útil, porque os soldados tinham o fuzil pronto sem ter que ficar presos na bandoleira. A resposta ao fogo era praticamente imediata. O enquadramento de miras também era fácil e o layout reto ajudava nos primeiros disparos. O compensador não era o mesmo feito pelos americanos, era mais simples e gerava um recuo maior se comparado com os modelos americanos.

A arma não sujava com tanta facilidade. O calibre 7,62 x 51 mm gerava uma forte pressão dos gases que fazia com que o grupo do ferrolho recuasse com tanta força que se houvesse alguma sujeira ela seria expelida do grupo do ferrolho. Isso mais tarde se mostrou um pesadelo no M16. Mas no AR-10 por vezes ajudava em regiões úmidas e quentes, onde os portugueses lutaram.

Soldado português em Angola com um AR-10.

Porém, condições severas às vezes sujam a arma e o AR-10 tinha um sistema de trancamento forçado do ferrolho, como o forward button assisten do M16. A alavanca de manejo tinha um sistema de trava por molas. Se o soldado afundasse a alavanca, ela travaria no transportador do ferrolho. Travada, o soldado poderia forçar o trancamento do ferrolho em caso de necessidade. Com razão os portugueses tiveram pouco problema com esse fuzil. O cano nunca apresentou explosões e os materiais como ligas de alumínio se mostraram bem resistente à corrosão.

A versão portuguesa do fuzil tinha seletor de gás para o uso de granadas na boca do cano. Isso não era do projeto original e foi introduzido pelos engenheiros da AI. Com a ponte de um cartucho, você fechava e usava a arma com um cartucho especial para o lançamento de granadas. Os portugueses usaram esse método com sucesso.

Soldados portugueses em Angola. Note o soldado usando a alça de transporte do AR-10.

Também foi um sucesso a mira telescópica montada na alça de transporte. Por ser uma alça fixa, ela não transmitia vibração que descalibrasse a mira. Os portugueses faziam tiros certeiros com essa mira montada ao custo de não poder usar a mira fixa em caso de pane urgente, pois seria necessário tirar a mira. A alça de mira continua apta a ser usada. O fuzil era confiável e durável. Não havia como negar isso e as guerras coloniais portuguesas provaram que o AR-10 era um ótimo fuzil.

Devo-te a vida. AR-10.

Depois de 1975, vários AR-10 portugueses, assim como AR-10 sudaneses, caíram em mãos de mercenários que apareceram esporadicamente por conflitos mundiais. A cena mais famosa é do mercenário italiano Ilio Capozzi onde sempre aparecia com um AR-10 (sudanês ou panamenho) em 1965 na guerra civil da República Dominicana.

AR-10 na guerra civil na República Dominicana.

Conclusão

O AR-10 nasceu com uma ideia visionária que não só rendeu frutos no futuro (M16) como se mostrou viável e confiável. Infelizmente ele surgiu um pouco tarde quando fuzis como o HK G3 e FAL estavam a todo vapor vendendo fuzis. A ArmaLite não teve o tempo necessário para desenvolver corretamente o fuzil. Além disso, o próprio país que o concebera já estava embarcando no calibre 5,56 x 45 mm, o que diminuía ainda mais as chances de vendas.

Eugene Stoner, o pai do AR-10 e de toda a família M16.

Existe uma imagem errônea de um fuzil frágil e problemático quando participou do processo de escolha do substituto do M1 Garand. Muitos têm essa imagem errada porque a história do AR-10 só é contada até aí. A bem da verdade, o AR-10 evoluiu, chegando à maturidade quando feito na Holanda. E a prova de sua qualidade e confiabilidade veio nos 15 anos de uso árduo pelos portugueses nas suas guerras coloniais.

AR-10B

Calibre: 7,62 x 51 mm
Comprimento total: 1048 mm
Comprimento do cano: 508 mm
Peso: 3,25 kg
Cadência de disparo: 700 dpm
Carregador: 20 cartuchos

 

Como funciona

O AR-10 funciona por uso direto dos gases. Após o disparo, os gases são captados por um êmbolo. Ao contrário da maioria dos fuzis, não existe um pistão. Os gases percorrem diretamente o tubo de gás até o ferrolho, na sua parte traseira. Os gases vão impelir o transportador do ferrolho para retroceder, fazendo com que os ressaltos do ferrolho se alinhem com as saliências da câmara do cano, fazendo o ferrolho rotacionar para a esquerda. Neste momento, os ressaltos da cabeça do ferrolho se soltam dos ressaltos da base do cano, movimentando-se para trás.

Neste momento, o extrator expele a cápsula usada, percorrendo até o final do seu curso. Agora a mola recuperadora (que está dentro do tubo da coronha) impulsiona o transportador do ferrolho para frente, ao passo de que ele empurra um cartucho novo para a câmara do cano. Em seguida, os ressaltos do ferrolho entram na base do cano. Os ressaltos passam pelas saliências da câmara do cano, isso faz com que o ferrolho gire para a direita, travando os ressaltos do ferrolho nos ressaltos da base do cano. Neste ponto o fuzil está apto a realizar um novo disparo.

O retém do carregador é do lado direito, acima do gatilho. No lado esquerdo, mais ou menos no mesmo ponto, temos o retém do ferrolho. Após o último disparo, o ferrolho permanece aberto. Basta a troca do carregador e com a mão que insere o carregador já se aciona esse retém. Desta forma o fuzil está apto a disparar sem ter que usar a alavanca de manejo. Como todo fuzil em 7,62 x 51 mm, ele não é preciso a rajadas longas. A bem da verdade, todo e qualquer fuzil de assalto sem sistema de balanceamento é impreciso quando em rajadas. O AR-10 é controlável em rajadas curtas de não mais de 3 ou 4 disparos, o que depende da perícia do atirador. Cabe dizer que isso é puro desperdício de munição.

 

Curiosidade

A empresa aérea KLM criou um kit de sobrevivência para as tripulações que voavam nas regiões árticas. Dentre os apetrechos havia um AR-10. Uma coisa é você usar uma carabina .22 LR para caçar pequenos animais. Outra coisa é enfrentar um urso branco nas regiões árticas. A tripulação recebia treinamento para operar o AR-10.

Kit de sobrevivência da KLM.
Aeromoça devidamente trajada caso fizessem um pouso forçado no Ártico.