5,45 x 39 mm

Ao contrário do que muitos pensam, a origem do 5,45 x 39 mm não se deu em virtude do 5,56 x 45 mm estreado no Vietnã. O desenvolvimento de um calibre soviético leve e veloz vem antes da estreia do 5,56 x 45 mm. Enquanto que os americanos procuravam um calibre mais veloz apostando na energia cinética para imobilizar o inimigo, os soviéticos procuravam um calibre com recuo menor para que AK pudesse ter o tão almejado controle quando disparado em automático, onde a ideia era usar mais o regime automático. O novo calibre soviético levou a URSS a um novo patamar com um calibre mais leve, mais veloz, mais preciso que o 7,62 x 39 mm, mas que ficou um pouco atrás do seu rival americano. E isso não se deu por deficiência de engenharia. Se deu porque a necessidade soviética era diferente da necessidade americana, levando a projetos diferentes, embora ambos os calibres sejam sempre comparados, o que é natural.

 

Origens

Os estudos de um calibre intermediário na URSS vêm desde antes da 2º G. M. Federov já publicava seus estudos que seria impossível ter um calibre intermediário usando o 7,62 mm como base. Segundo ele, para ter um desempenho ideal de controle em regime automático, o calibre deveria ter algo entre 6 mm e 6,25 mm. Entretanto, ele foi ignorado. Depois, ainda nos últimos meses da 2º G. M. quando URSS pesquisava um calibre para o seu programa de fuzil de assalto, ele alerta, novamente, que o calibre 7,62 mm não seria o ideal para um calibre intermediário e que haveria a necessidade de um novo calibre. Mais uma vez ele foi ignorado. Os soviéticos apostaram no modelo alemão de usar o maquinário existente para apenas adaptar o calibre 7,62 mm para um novo.

Após a adoção do 7,62 x 39 mm, ficou claro que seria impossível o uso em regime automático com esse calibre. Isso ficou mais claro quando notaram que tinha piorado com o AKM-47, já que o fuzil ficou mais leve para um calibre mais forte. Não só a falta de controle como a precisão era um problema e desta forma os soviéticos começaram a estudar um novo calibre que fosse entre 4,5 mm e 6,5 mm entre os anos de 1960 e 1962.

Como base para esse calibre usaram outro calibre destinado à caça (assim como os americanos fizeram), o 5,6 x 39 mm em 1961. Esse calibre tinha um pequeno projétil, considerado muito leve, o que gerava uma alta velocidade e energia cinética. Eles decidiram trocar por um projétil mais comprido, de 55 grains (os primeiros tinham 47 grains). Entretanto, esse projétil mostrou grande instabilidade. Para isso aumentaram o comprimento do projétil e dentro do núcleo de chumbo colocaram um corpo de aço para que desse estabilidade e capacidade perfurante. Esse modelo usava a mesma cápsula do 7,62 x 39 mm com o pescoço redesenhado para o novo calibre. Em um cano de 415 mm gerava uma velocidade de 975 m/s na boca do cano.

Ao lado esquerdo o 7,62 x 39 mm e ao lado direito o 5,6 x 39 mm.

Para tanto, alguns AKMs foram convertidos para esse calibre para fins de avaliações. Foi um sucesso porque como o recuo tinha caído 35% em relação ao 7,62 x 39 mm, o controle da arma aumentou em automático, assim como a precisão. Diante dos valores satisfatórios, redesenharam a cápsula d cartucho. Isso se deu porque o uso de novos propelentes permitia uma energia maior com uma quantidade menor de propelente. Fazendo isso, diminuíram o diâmetro da cápsula, chegando assim ao 5,45 x 39 mm.

 

5,45 x 39 mm

O calibre final passa por outra alteração. Ao invés de usar o latão como cápsula se usa o aço. O aço era mais leve, mais durável e mais barato para a fabricação em série. O aço recebia uma camada de tinta antioxidante visando a preservação da arma por ter menos elementos corrosivos. Entre 1968 e 1973, o calibre é usado e testado por todo o território soviético para avaliações onde, finalmente, é adotado oficialmente em 1974. Para o ocidente foi uma novidade e pensaram que seria destinado somente a tropas especiais.

Para o ocidente esse novo calibre foi uma grande novidade e pensaram que seria destinado somente a tropas especiais. Esse pensamento se dava porque a URSS, assim como todo o pacto de Varsóvia era amparado pelo calibre 7,62 x 39 mm usado às centenas de milhões e partir para um calibre novo seria recomeçar tudo zero, não só na produção como da produção de uma arma para esse novo calibre. No começo da década de 80 é que perceberam que se tornara o novo calibre regulamentar da URSS.

Dimensões do calibre 5,45 x 39 mm.

A primeira versão do 5,45 x 39 mm é denominada como 7N6. O projétil tem 53 grains com um núcleo de aço e uma ponta com cavidade com ar, encamisado por cobre. Como dito acima, o núcleo de aço serve como estabilizador do projétil assim como penetrador no tecido humano ou algum outro obstáculo de maior resistência. A cavidade com ar não tem o propósito de “explodir”. Ao acertar o tecido humano, essa ponta oca faz a ponta do projétil, de cobre, amassar, fazendo o projétil tombar para um dos lados, gerando maiores lesões. Mas não tem o mesmo efeito do 5,56 x 45 mm, o calibre americano tem um efeito muito mais devastador por outros fatores.

Intersecção do projétil. Note a ponta oca.

Em um cano de 415 mm, o projétil sai a 890 m/s, com uma energia de 139 kgfm. Após 300 metros, essa velocidade cai para 655 m/s e a energia cai para 40 kgfm. Proporcionalmente falando, o 5,45 x 39 mm tem uma velocidade e energia maior que o 7,62 x 39 mm. O projétil mantém uma trajetória mais reta e com a perda menor de velocidade e energia. O cartucho trabalha com pressões entre 53.000 e 55.000 PSI.

O novo calibre deu algo que o 7,62 x 39 mm não dava. Precisão. O projétil agora tem uma trajetória mais reta e rápida. Isso permite que o atirador não fique a todo instante graduando a mira do fuzil para distâncias maiores ou menores. O alcance efetivo é aumentado justamente por isso porque agora o soldado sabe onde vai cair o projétil. O soldado consegue bons agrupamentos a distâncias de até 500 metros, algo impensável com o 7,62 x 39 mm. Além disso, a controlabilidade em regime automático aumentou. O 5,45 x 39 mm tem um recuo bem menor se comparado com o M43. Isso aumenta ainda mais a letalidade dele porque além do alcance, o soldado consegue agora uma maior concentração de disparos a médias e curtas distâncias. Sem falar na maior resistência a ventos laterais em virtude do passo de raiamento do cano e velocidade do projétil. O novo calibre tem uma resistência maior, e com larga vantagem, se comparado com o M43.

Ao lado esquerdo o 5,45 x 39 mm e ao lado direito o 7,62 x 39 mm.

Embora parecido, o 5,45 x 39 mm tem um efeito diferente do seu equivalente americano. O calibre americano tem uma velocidade rápida com uma alta rotação. Com o centro de gravidade mais para trás, o projétil tomba com grande energia e velocidade, gerando a lesão que imobiliza o alvo. O calibre soviético tem um efeito mais ortodoxo. Ele é rápido também, mas com uma energia menor. Ao acertar o alvo, uma energia é transferida ao alvo gerando um pequeno efeito blowup. E dependendo da circunstância de impacto, ele pode ou não tombar. Mesmo tombando, seus efeitos de laceração são bem menores se comparado com o projétil americano. O projétil soviético tem um poder mais penetrante que muitas vezes transfixa o alvo com ferimentos menores.

O projétil do 5,45 x 39 mm é esticado para gerar o efeito de tombamento, mas pela energia mais fraca esse resultado não apresenta o efeito desejado. Olhando o cartucho, se vê que o projétil é mais pronunciado para fora da cápsula porque ele não é empurrado para dentro de onde está o propelente. Mesmo assim, a quantidade de propelente é 15% menor que o 5,56 x 45 mm. Temos que levar em conta que os soviéticos sempre quiseram um fuzil de assalto em que houvesse o máximo de controle possível quando disparado em regime automático e para isso o 5,45 x 39 mm foi desenvolvido. Procura-se ter mais um recuo menor e controlabilidade em regime automático do que capacidade de acertar alvos a médias e longas distâncias com energia de sobra. O projétil em si tem uma complexidade maior que o projétil do M43. Não é o mesmo projétil e a cavidade com ar, por mais simples que pareça, torna a fabricação mais complexa do que a M43.

Em 1985, os soviéticos passaram a estudar uma nova versão que tivesse um poder mais penetrante sem perder a velocidade visando as novas vestimentas balísticas que o ocidente estava adotando. Para tanto usaram um projétil com um núcleo de aço mais resistente e para isso foi necessário aumentar a potência do propelente. O projétil manteve praticamente a mesma velocidade, porém com um poder penetrador bem maior. A 350 metros ele podia transfixar uma chapa de aço de 6 mm de espessura e vestimentas balísticas modernas a 100 metros. Porém isso teve um custo. Houve um excesso de stress ao fuzil (AK-74) de tal ordem que passou a ter panes em virtude do desgaste antecipado do fuzil.

Intersecção do projétil onde pode se ver o núcleo de aço em destaque.

O cartucho em si é mais complexo de fabricar que o M43. Este tinha toda uma linha de produção e cadeia logística para produzir milhões de munições ao ano. A partir de 1974, tiveram que criar uma nova linha de produção e cadeia logística para o novo calibre. Isso foi um problema porque o calibre passou a ser fabricado em massa no final dos anos 70, quando começa a crise econômica soviética que perdura até o fim da URSS em 1991. Não houve tempo e dinheiro para a substituição de todo maquinário. A URSS teve que ter em seu arsenal dois fuzis com dois calibres diferentes. Isso, com a falta de dinheiro, fez com que a munição se tornasse cara de produzir em pequenas quantidades, longe do que fora programado.

O 5, 45 x 45 mm foi a resposta soviética para um calibre mais leve que o 7,62 x 39 mm. Enquanto que os americanos apostavam em uma energia cinética mais pela alta velocidade, os soviéticos buscavam um recuo menor que permitisse maior controle em regime automático sem perder muito a precisão. Embora com um desempenho balístico inferior ao modelo americano, o calibre soviético cumpriu perfeitamente o propósito.