G36 – Parte 2

 

Aquecimento acima do normal

Muito se diz sobre o aquecimento do fuzil. E infelizmente ocorre, porém em partes e em situações que não engloba a maioria esmagadora dos fuzis produzidos. Em 2012 os primeiros relatos surgiram na guerra do Afeganistão nas mãos de tropas alemãs. Segundo o ocorrido, os fuzis estavam esquentando muito rápido e muitas vezes o cano esquentava a tal ponto que ocorria perda da precisão, gerando uma grande dispersão. Nos casos mais sérios, o soldado não conseguia acertar absolutamente nada.

A área que mais esquentava no fuzil era o guardamão. Há todo um mecanismo para isso influir no cano. O guardamão do G36 é uma peça de plástico de alta resistência. Porém, é uma peça fina desse material. Várias partes da caixa da culatra também são feitas no mesmo material. Em ambientes quentes ou com sol incidente, o fuzil tende a esquentar pela qualidade térmica do material plástico. Quando o fuzil é usado em tiros rápidos ou rajadas curtas, dentro dele a temperatura aumenta mais do que o normal. Esse aumento de temperatura no interior do fuzil acontece com todo e qualquer fuzil de assalto nesse mesmo contexto. Entretanto, o material fino empregado no G36 acaba por não absorvendo todo esse calor, aumentando a temperatura interna da arma. Ele era fino porque a ideia, desde o começo, era fazer um fuzil de assalto leve.

G36.

Com uma arma acima da temperatura ideal, os disparos se tornam difíceis com uma precisão ruim que porcamente chegava aos 200 metros. O guardamão esquentava a tal ponto que ele chegava a entortar levemente. Mesmo tendo janelas de ventilação embaixo e nas laterais do guardamão, essa peça esquentava muito. Mas o que estava acontecendo? Como o fuzil inteiro esquentava, por mais ventilação que tivesse, o calor da caixa da culatra e do cano irradiaria para todo o corpo do fuzil, esquentado a caixa da culatra e que, por sua vez, aumentaria o calor do guardamão. A situação não era fácil. Um estudo e perícia foram feito às pressas para saber o que estava acontecendo com fuzil. Ainda mais uma arma com cano flutuante que não deveria ter esse tipo de problema.

Vários fuzis de modelos e datas diferentes foram usados nos testes. E de fato, o fuzil tendia a esquentar. Após 120 disparos em rajadas ou tiros rápidos, era visto a queda da precisão a níveis preocupantes. Falamos de testes realizados em um pátio de uma empresa. Testes feitos em condições reais, como no Iraque e Afeganistão, mostraram uma situação ainda mais preocupante. A dispersão praticamente impedia o soldado de acertar o alvo. E era comum os alemães bater em retirada porque o inimigo não tinha como ser combatido. Testes realizados mostraram uma situação caótica. Quando a arma esquentava acima do normal, no momento em que a precisão caía, o soldado tinha uma dispersão abissal.

Note a manta térmica dentro do guardamão.

A 200 metros, o projétil tinha uma dispersão de 50 cm, o que era muita coisa. A 500 metros, a dispersão era de 6 metros. Ou seja, a 200 metros se o soldado mirasse no peito do alvo, o projétil passaria a 50 cm. A 500 metros, o projétil passaria ao lado do alvo a 6 metros de diferença. Era algo surreal. O motivo para isso era o suporte do cano na caixa da culatra. Essa peça era feita de polímero e, com o calor dos disparos, essa peça ficava mole, tirando o cano do seu eixo reto, movimentando ele levemente. Por mais pouco que seja esse movimento, era o suficiente para fazer uma grande dispersão. Algumas medidas foram tomadas. Primeiro disseram aos soldados a esperar esfriar a arma após rajadas e tiro rápidos. O que era complicado porque em uma emboscada não existe tempo para isso. Logo mais passaram a colocar uma manta térmica dentro do guardamão, mas isso praticamente não adiantava porque a caixa da culatra esquentava e afetava o suporte do cano.

Suporte do cano na caixa da culatra. Note o polímero parcialmente deformado.

Entretanto, há um outro lado a ser dito. Em outras regiões onde o G36 foi empregado não foram notados problemas de aquecimento ou de precisão. Por exemplo, o SAS usou muito o G36K e não tiveram esse problema de precisão. Países que compraram o fuzil e que o usa em lugares quentes também não tiveram problemas. Em 2015 um estudo mostrou que isso acontecia somente quando o fuzil era usado de forma contínua e por muito tempo em ambientes quentes. Trata-se de um problema que faz repensar os testes a que são submetidos os fuzis de assalto durante sua gestação. Não deixa de ser parecido com o mesmo problema do L85 quando foi perfeito nos testes da empresa, mas um fracasso no campo de batalha.

 

Modelos variados

Assim como os demais produtos da HK, existem muitas versões com diferenças mínimas. Aqui focaremos as principais versões. A Espanha foi o 1º país a comprar o G36, seguido de muitos outros. A versão de exportação antes se chamava G36E – Export. Essa versão era praticamente o mesmo G36 alemão, com a única diferença da mira. Em vez de Ter um grupo de 3 miras, ele tem um grupo de 2 miras. Com uma mira ótica de 1,5x e uma mira fixa de emergência. Tirando isso, é o mesmíssimo fuzil. Mais tarde, a nomenclatura muda para G36V – Variant.

G36V.

Cabe mencionar a oferta de regimes de disparo para os clientes. O G36 tinha certa modularidade que permitia a troca do grupo do gatilho em questão de poucos minutos. Cada exército tem a sua realidade e doutrina de emprego e viram no G36 o melhor regime de disparo para sua realidade. A HK oferece então como opção: semi e auto; semi, auto e burst de 3; semi, auto e burst de 2 e apenas semiautomático. Isso vai depender da necessidade do cliente.

Uma carabina foi feita em cima do G36, o G36K – Kurz, que significa menor em alemão. O cano é de 318 mm de comprimento com um grande quebrachamas herdado do HK53 no formato bico de pato, já que o formato gaiola não dava a discrição necessária. Isso é necessário porque canos menores geram chamas maiores. Era o mesmo G36 com o mesmo grupo de mira, apenas com um cano menor. A versão de exportação, assim como o G36, tinha somente a mira fixa e a ótica de 1,5x. Como essa carabina passou a ser muito usada em operações especiais, ela ficou limitada por causa das suas miras óticas e reflexivas. Não só pelo desempenho mas pela fragilidade com sujeira. Ainda mais, surgiam nos anos 90 as primeiras miras holográficas, assim como outras miras ótimas e reflexivas melhores e mais modernas.

G36K.

Isso faz a HK introduzir pela primeira vez em seus fuzis o trilho picatinny. E isso, em um primeiro momento, não veio por marketing e sim pelo feedback das tropas especiais que usavam a carabina. Muitas vezes eles acoplavam as miras óticas em cima da armação da mira do fuzil, o que era algo completamente inviável pois expunha mais o soldado ao fogo inimigo ao ter uma altura maior da mira. Desta forma, é colocado somente na parte de cima da caixa da culatra um trilho picatinny para acoplar novas miras, sendo que ele já tinha miras fixas também. Mais tarde, com os modelos posteriores, são colocados trilhos picatinny na parte de baixo e na lateral frontal do guardamão.

G36K com trilho picatinny – Lituânia.

Para o que se propunha, o G36K era excelente. Tropas especiais usaram muito essa arma sem problemas. Por ter um cano menor, tendia a esquentar um pouco mais que o modelo convencional e a precisão e alcance efetivo diminuía pouca coisa, como em toda a carabina. Não tardou para usarem o carregador circulóide C de 100 cartuchos em operações especiais. Essa combinação se mostrou muito prática e eficaz.

Visando uma arma ainda menor, surge o G36C – Compact. A ideia era substituir a submetralhadora 9 mm P com uma carabina compacta com as mesmas dimensões.  Porém esse modelo compacto não era uma derivação direta do G36. Embora tivesse o mesmo grupo de miras, o êmbolo de gases é redesenhado nesse modelo, onde o orifício de tomada é mais na frente do cano e o bloqueio do gás é mais acentuado, para que o porta ferrolho não tenha fortes pressões do excesso de gás que entra no êmbolo. O pistão também teve seu tamanho diminuído pelos mesmos motivos. Mais tarde, seguindo o exemplo do G36K, foi adicionado um trilho picatinny para uma maior flexibilidade de miras e acessórios.

Em cima um G36 e embaixo um G36C.

Essa carabina compacta se mostra desproporcional. Ela é muito volumosa e a posição do trilho picatinny faz com que a mira instalada fique alta, pode ser uma arma compacta, mas é alta e volumosa. Outro problema é a mira no trilho. Como a distância é menor entre miras, mais difícil é fazer a aquisição do alvo. E para piorar, como a carabina é muito leve o recuo, em um cano de 228 mm é muito alto. Chegando a ser quase incontrolável em rajadas curtas e difícil de mirar em tiros consecutivos. As primeiras versões tinham um pequeno quebrachamas como o G36K, mas como o recuo era forte, passou a usar um compensador no formato gaiola para diminuir um pouco o levante do cano, tendo um menor desempenho para diminuir as chamas do cano.

Mais tarde a carabina foi reformulada. Foi retirado o trilho picatinny e instalado pequenos trilhos diretamente na caixa da culatra. Isso era para deixar a arma com uma altura menor, tornando ela mais portável e discreta. Foi alterada também a coronha para ser dobrável e de proporções menores. O G36C continua sendo muito usado em tropas especiais e órgãos de segurança.

G36C.

Com o problema de aquecimento demonstrado em combate, um novo guardamão é projetado para todas as versões do G36. Ao invés de ser de plástico de alta resistência, ele passa a ser de alumínio a partir do modelo G36A6. Isso ajuda em partes porque ele absorve melhor o calor gerado pela arma. Mas isso não se mostrou de todo satisfatório. Outras partes do fuzil, como a caixa da culatra, é ainda feito em plástico de alta resistência. O guardamão de alumínio é um paliativo destinado somente aos últimos modelos fabricados já que esse novo guardamão não será feito para substituir todos os demais guardamãos em polímero. No mais, modificações pontuais são feitas nos modelos posteriores da família G36, como o acréscimo de trilhos picatinny e uma nova coronha retrátil dobrável, mas ergonômica para o apoio da face do soldado. É retrátil porque sua extensão pode ser encurtada e dobrável para a direita.

 

Vida curta e substituição

O G36 teve uma vida relativamente curta se comparado com o G3 que ainda é usado pela Alemanha. A combinação de alguns fatores fez isso acontecer. O G36 nunca foi um projeto genuinamente da HK. Foi um programa que teve influência do pessoal da Royal Ordnance, ingleses do grupo British Airways (hoje é a BAE Systems). Os ingleses apostaram em uma adaptação do AR-18 no L85 e o fuzil se mostrou como um grande problema. Aqui fica a dúvida que jamais teremos resposta. Teria sido esse o caminho caso o programa fosse genuinamente da HK?

G36 – Alemanha.

O sistema de blowback desacelerado por roletes mostrou-se como um grande diferencial na funcionalidade, simplicidade e segurança. Foi um sucesso com o G3, mostrou um grande sucesso com o HK33 e com G41. Por que mudar para um sistema que ela não tinha experiência? O sistema de pistão curto com ferrolho rotativo era novo para a HK e o tempo que foi usado para a pesquisa e desenvolvimento foi muito curto, menos de 4 anos para que isso acontecesse, ainda mais com um sistema que a HK não tinha experiência alguma. O uso de polímeros por quase todo o fuzil se mostrou um problema que, dificilmente, a HK não saberia disso. Ela tinha experiência com o uso amplo de polímeros com o G11.

Porém, o G11 era um projeto 100% da HK. Ela sabia como o sistema de disco funcionaria com o amplo uso de materiais plásticos. Fazendo uma adaptação do pistão curto com munição convencional em uma arma com amplo uso de polímeros como o G36 se mostrou algo conflitante. Isso não seria da HK. Especula-se que a Royal Ordnance insistiu nisso porque o G36 seria também vendido para os grupos especiais e órgãos de segurança da Inglaterra. E levando em conta que ela havia comprado a HK, não haveria como deixar a HK tomar conta do projeto. Desde a sua fundação a HK ficou famosa pela qualidade dos fuzis que fez e pelas tecnologias e conceitos que inventou.

G36K com silenciador.

Mesmo com esses problemas de aquecimento, o G36 conseguiu uma boa quantidade de vendas. O pós 1991 viu um mercado invadido por fuzis de assalto bem mais baratos se comparados com os fuzis alemães, sempre custando bem mais caro. O G36 foi vendido para 52 países, tanto para suas forças armadas como órgãos de segurança. O nº de países que compraram é de chamar a atenção, mas esse nº engana. Embora mais de 50 países tenham comprado, o nº total de fuzis vendidos é muito menor se comparado com o G3 e HK33.

O G36 está com os dias contados. Em fevereiro de 2016 o exército alemão anunciou que seria lançado em 2017 um programa para avaliação e adoção de um novo fuzil de assalto que substituirá o G36. Isso ocorre em virtude do relatório em que atesta a grave falta de precisão do G36 quando superaquecido. A HK já havia feito um grande protesto em 2015 contra esse relatório apontando falhas no processo de teste, mas infelizmente não teve como refutar os dados técnicos colhidos sobre o fuzil.

G36 em sua 3ª versão.

Esse é o triste fim de um fuzil de assalto da HK que nasceu, desde a concepção, com ingerência da Royal Ordnance em adaptar em tão pouco tempo um sistema diferente em uma arma com amplo uso de polímeros. Não é essa o padrão de qualidade que a HK sempre teve com seus produtos. Uma lição de como não intervir em um time que tem conhecimento técnico mas que fica tolhido por ingerência política interna.

HK G36

Calibre: 5,56 x 45 mm M855
Comprimento total: 998 mm
Comprimento do cano: 480 mm
Cadência de disparo: 750 dpm
Peso: 3,6 Kg
Carregador: 30 cartuchos

 

Como funciona

Após premir o gatilho, o cão acerta o percussor que está localizado dentro do ferrolho e, por sua vez, acerta a espoleta do cartucho. Ao deflagrar, os gases percorrem o cano e entram em um orifício situado na parte de cima do cano. Os gases são captados em um êmbolo onde pressionam um pistão interno. Esse pistão, com a energia dos gases, faz um curto recuo (por isso que se chama pistão de curso curto), batendo no transportador do ferrolho que está repousado na frente por ação da mola recuperadora.

Neste momento, o ferrolho rotativo é rotacionado para a esquerda, destravando-se quando os ressaltos se alinham com a saliência da câmara do cano. Com a força do movimento da pancada do pistão, o transportador do ferrolho, juntamente com o ferrolho, retrocede. O transportador do ferrolho segue um trilho na caixa da culatra que serve como guia para o movimento de retrocesso, comprimindo ao mesmo tempo a mola recuperadora localizada logo atrás. Quando o transportador do ferrolho chega ao seu curso final, essa mola recuperadora impulsiona o transportador do ferrolho para frente, ao mesmo tempo em que coloca um cartucho na câmara do cano. Ao chegar à base do cano, o ferrolho rotativo passa pelos ressaltos do cano e é rotacionado para direta, onde os ressaltos passam pela saliência da câmara do cano, travando o ferrolho ao mesmo tempo. Assim o sistema está apto para o próximo disparo. É o sistema de pistão de curso curto.