7,62 x 51 mm

O 7,62 mm OTAN nasceu exclusivamente para os membros da OTAN, capitaneado pelos EUA. Eles impuseram o 7,62 mm OTAN em uma época que os mesmos membros da OTAN preferiam um calibre mais leve. Imposto praticamente à força, foi o calibre mais difundido do pós-guerra no mundo ocidental, sendo usado por muitos exércitos até os dias de hoje como calibre regulamentar. E ainda, com grande chance destaque no futuro em virtude dos novos panoramas encontrados nos conflitos e guerras.

 

Origens

Até metade dos anos 60 do século passado, sempre foi uma grande tradição americana usar o calibre 7,62 mm. Isso vem desde o 30-06 (7,62 x 63 mm) quando iniciaram a padronização e rápido desenvolvimento do maquinário industrial em 1906, fazendo com que os EUA começassem a doutrina de produção em massa desse calibre. Essa foi a munição usada nos Springfields 1903 depois de 1906. Nos anos 30, quando se buscava um fuzil semiautomático, pensaram em um novo calibre mais leve que permitisse o tiro repetido no semiautomático. Nesse ínterim surgiu a proposta de Pedersen, o calibre .276 Pedersen.

Este calibre era menor se comparado com o 30-06, com um alcance efetivo menor com um projétil de velocidade maior. Fizeram uma versão do Garand nesse calibre e o resultado foi deveras promissor. O Garand com esse calibre permitia disparos contínuos mais rápidos e precisos em semiautomático, o que gerava uma maior precisão. Entretanto, o exército americano decidiu pelo 30-06 porque eles tinham grandes estoques de munição 30-06 sem falar no parque industrial dessa munição que estava a todo vapor. Desta forma, o 30-06 continua a ser o calibre padrão até o final da 2ª G. M. porque não era conveniente parar tudo e começar do zero com um calibre novo em plena guerra. Terminada a 2º G. M., o mundo se dedicava a estudar e adotar calibres alternativos, mais leves, que permitissem o controle em regime automático, em virtude da descoberta alemã de colocar isso em prática em campo. Inglaterra, URSS, França entre alguns poucos outros estudam um calibre intermediário.

Mas ainda em 1944, começam os estudos para um calibre mais leve que permitisse o uso em armas automáticas, de forma que o recuo pudesse ser controlado sem perder muito alcance e precisão. A ideia principal era fazer uma versão menor do 30-06. Para tanto, usaram como base o calibre .300 Savage, um calibre menor mas com bom alcance e potência, usado para caça. Em cima desse calibre fizeram vários estudos que culminaram no modelo T65 em 1946.

T65.

De 1946 até 1952, quando o calibre definitivo é desenvolvido, muita coisa acontece. Ele passa por várias alterações. Em 1946 o T65 era 7,62 x 47 mm. Em 1949 o T65E1 e T65E2 passam a ser 7,62 x 49 mm. A partir de 1949 o T65E3 e E4 passam a ser 7,62 x 51mm.  Por todas essas variações, foram feitas alterações em dimensões pontuais do calibre para chegar ao modelo com o desempenho desejado. Em 1952, o T65E5, 7,62 x 51mm, passa a ter suas dimensões definitivas onde é adotado inicialmente em 1954 como M59.

 

7,62 x 51 mm OTAN

Nos idos de 1952 os EUA estavam finalizando o programa da escolha do novo fuzil semiautomático onde o selecionado T44 seria mais tarde designado como M14. Os testes mostraram que todos os requisitos balísticos haviam sido alcançados e logo depois o calibre passa a ser oferecido no mercado civil como .308 Winchester. O T44 passa a usar o 7,62 x 51 mm em junho de 1954, no mesmo ano em que o calibre passa a ser denominado como 7,62 x 51 mm OTAN M80. Curiosamente, a versão civil é lançada antes da versão militar, levando em conta que o foco era a demanda militar e não civil.

Dimensões do calibre 7,62 x 51 mm.

Assim como o .223 Remington e 5,56 x 45 mm, o 7,62 mm OTAN não é o mesmo que .308 Winchester. O calibre militar trabalha com pressões menores se comparado com a versão civil. O 7,62 mm OTAN trabalha com valores de 50.000 PSI enquanto que o .308 trabalha com valores de até 67.000 PSI. Embora com dimensões idênticas, as cápsulas são diferentes. A cápsula do 7,62 mm OTAN é mais grossa que a cápsula do .308. Isso significa que haverá uma pressão muito acima do limite fazendo a cápsula colapsar. O soldado pode usar o 7,62 mm OTAN em uma arma .308. Mas não poderá usar o .308 em um fuzil militar sob o risco de um acidente sério.

O 7,62 mm OTAN nasceu para ser um calibre de fuzil de assalto, mas no final acabou sendo um substituto menor do 30-06, culminando em um calibre para fuzil de batalha. Embora tivesse dimensões reduzidas, ele tinha praticamente um projétil pouca coisa mais leve e pouca coisa mais lento. Era como se fosse uma, literalmente, uma miniaturização do 30-06. O uso de um propelente mais moderno permitia uma pressão alta com uma quantidade menor de propelente, desta forma se mantinha a grande potência em um cartucho menor. O 7,62 mm OTAN tinha um projétil de 147 grains com velocidade de 850 m/s. A título comparativo, o 30-06 tinha um projétil de 150 grains com velocidade de 890 m/s.

7,62 x 51 mm M80.

Em um cano de 530 mm, o 7,62 mm OTAN gera uma energia de 300 kgfm a uma velocidade de 850 m/s. O projétil mais usado é o de chumbo encamisado com cobre de 147 grains. Devido à sua massa e velocidade, o projétil não sofre tanta interferência de ventos laterais. A sua trajetória não é tão plana. Desta forma, o soldado precisa fazer maiores graduações de mira para distâncias diferentes, mesma que a diferença seja pouca porque o projétil faz um arco em sua trajetória.

Um ponto muito criticado sobre o 7,62 mm OTAN é o recuo. Pela quantidade de propelente e pelo diâmetro do projétil, ele tem um recuo maior.  O recuo não é essa coisa toda que muitos aparentam ser, como deslocar o ombro ou ser forte o suficiente para errar o disparo. Na verdade o recuo somente vai atrapalhar quando o soldado usa a munição em rajadas. Aí realmente fica mais difícil de controlar o fuzil. Porém mantém o controle em disparos seguidos como em outros calibres. Qualquer fuzil em automático, após o 3º disparo é desperdício de munição, uma regra que se aplica a calibres maiores ou menores.

O Japão e Espanha encontraram um método de remediar esse problema do recuo em disparo em regime automático. Eles diminuíram a quantidade de propelente. Isso gerava um recuo menor do fuzil, o que possibilitava o uso mais controlável do regime automático. Outras vezes eles diminuíam o peso do projétil, gerando um recuo pouco mais leve. E em outras vezes, eles diminuíam a quantidade de propelente e o peso do projétil, dando maior controlabilidade do fuzil em regime automático. Aqui temos que frisar, quando falamos de regime automático, falamos de rajadas curtas.

O projétil gera um forte poder de parada em virtude de sua massa e não da sua velocidade. Ao contrário dos calibres leves e velozes, o efeito blowup é menor com o 7,62 mm OTAN, que é a cavidade momentânea de quando o projétil acerta o tecido humano. Ao entrar no corpo, pela energia da massa do projétil, essa energia é irradiada ao redor dele, fazendo como se dentro do tecido humano uma esfera surgisse, como se fosse um buraco dentro do corpo. Esse é o efeito blowup. Porém o 7,62 mm OTAN tem um poder mais penetrador, não tombando para os lados. O impacto é tão violento que é suficiente para derrubar o oponente, não necessitando de estilhaços ou tombamento interno.

Intersecção do projétil da munição 7,62 x 51 mm.

O projétil do 7,62 mm OTAN necessita de uma distância ideal para se estabilizar. A 50 metros o poder penetrador é baixo e não consegue penetrar um saco de areia. À medida que vai aumentando a distância da boca do cano, o projétil vai se estabilizando. Em áreas urbanas, as distâncias raramente excedem os 200 metros, de tal ordem que prejudica o poder de penetração. A distância entre 500-700 metros forma a distância ideal de penetração. Isso ocorre em virtude da exigência balística americana quando da sua criação. Os combates eram imaginados a longas distâncias onde era necessário um poder penetrante em campos abertos ou grandes distâncias, como foi idealizado o 30-06. Desta forma, não havia a exigência de uma estabilidade a curtas distâncias porque se acreditava que os combates não ocorreriam nessas condições.

No Vietnã o 7,62 mm OTAN viu pouca ação em virtude da substituição dos fuzis pelo M16 em calibre diferente, recaindo seu uso somente com metralhadoras leves e fuzis de precisão. A munição tinha suas vantagens e desvantagens. A vantagem era o alcance, o poder de parada e a trajetória mais densa na floresta. Os soldados americanos conseguiam fazer um belo dano ao inimigo, assim como os soldados australianos que usaram esse calibre por toda guerra. Porém, as desvantagens ficaram claras na quantidade menor de munição que o soldado levava se comparado com o 5,56 x 45 mm. O recuo do fuzil era outro problema porque algumas vezes o soldado usava automático com o M14, o que significava puro desperdício de munição e precisão zero.

Soldado americano com o fuzil semiautomático M14.

Já na Europa o calibre foi bem aceito. Tirando as limitações da quantidade de munição e recuo, o calibre foi apreciado pelo alcance e precisão. A Europa tem regiões abertas, planas, com grandes campos, onde a falta de obstáculos e ventos fazem os disparos a médias distâncias mais suscetíveis a acertos, segundo a doutrina da época. E de fato era assim, porque o projétil percorria sempre mais de 400 metros em média. Na Europa o 7,62 mm OTAN foi usado até o final dos anos 90. O alcance era uma vantagem naquele TO. Em caso de guerra com os soviéticos e houvesse uma invasão, o 7,62 mm OTAN teria um alcance maior que o 7,62 x 39 mm soviético, expondo menos seus soldados evitando que o inimigo chegasse mais perto. Logicamente falamos da teoria, pois a prática poderia ser diferente.

O calibre foi feito, por exemplo, para furar uma chapa de aço de 3,5 mm de espessura a 630 metros de distância com a mira da arma. Usando miras telescópicas e com treinamento, o projétil apresenta uma precisão de até 1.000-1.200 metros de distância. A penetração também tem valia. A 100 metros de distância, o 7,62 mm OTAN pode penetrar 7 cm de concreto de espessura ou um saco de areia de 15 cm de espessura.

Embora o mundo começasse a substituir seus calibres pelo 5,56 x 45 mm nos anos 70, o 7,62 mm OTAN ainda continuou na ativa e assim permaneceu nos dias de hoje. Nas guerras americanas no Iraque e Afeganistão, ficou claro que o 5,56 x 45 mm OTAN não estava tendo o desempenho esperado. O Ministério da Defesa inglês fez um estudo em que mostrou que os combates ocorriam entre 300 e 900 metros de distância. Era uma diferença considerada muito alta. Se o 5,56 x 45 mm OTAN fazia bem em CQBs, ele encontrou muitas dificuldades a médias e longas distâncias. Aí que entra os fuzis de precisão calçados no 7,62 mm OTAN onde passaram a acertar e, principalmente, imobilizar a ação inimiga a distâncias maiores.

À esquerda o 7,62 x 51 mm M80 e à direita o 5,56 x 45 mm M193.

 

Não tardou para que, em maio de 2017, o exército americano reconhecesse que a munição 5,56 x 45 mm não estava fazendo bem o seu papel e que a volta para o 7,62 mm OTAN passou a ser uma possibilidade séria.

 

7,62 mm M80A1

Em 2010 ocorre um estudo para aperfeiçoar a capacidade do 7,62 mm OTAN. É a prova de que o calibre ainda está longe de ser obsoleto. Levando em consideração os ótimos resultados conseguidos com o calibre 5,56 x 45 mm M855A1 em seu projétil, o mesmo é feito com o projétil do 7,62 mm OTAN. A intenção era aumentar o poder perfurante e a letalidade do projétil diante das distâncias que ocorriam os combates e as vestimentas balísticas de fácil acesso pelo mundo.

7,62 x 51 mm M80A1.

O projétil consiste em uma base de cobre. Na ponta há um penetrador de aço em forma de flecha, onde é 80% encamisado com cobre. O projétil é de 130 grains. Lembrando que o M80 pesa 147 grains e é de chumbo encamisado com cobre. Não houve alteração do propelente porque a carga normal do 7,62 mm OTAN já é mais que suficiente. Em 2014 terminam os testes com essa nova munição, onde passa a ser denominada como M80A1. Em setembro de 2014 o exército americano passa a distribuir essa munição para a linha de combate.

Intersecção do projétil da munição M80A1. Note a flecha de aço.

O projétil mais leve gera uma velocidade na boca do cano de 915 m/s, o que é alto e ótimo para esse tipo de calibre. A título comparativo, o M80 fazia 850 m/s. Com o novo projétil, essa velocidade tem um poder de penetração maior e o tombamento do projétil é maior se comparado com o M80. Agora o que mais impressiona é a fragmentação dessa munição. Em testes realizados, se observou uma grande fragmentação do projétil, o que eleva e muito a letalidade desse calibre se levarmos em conta o que fazia o M80. Se antes era ruim, agora ficou devastador.

Após acertar o tecido humano, algumas vezes ocorre do penetrador de desprender da base de cobre, Essa base tem uma parede fina que no final serve como fragmento, aumento ainda mais as lesões. Ainda não existem relatórios oficiais disponíveis sobre o uso do M80A1 em guerra. Mas já dá para se ter uma ideia quando o calibre fica mais veloz, com maior poder perfurante e com mais fragmentação. Será que estamos nos deparando com a volta dos calibres maiores?