AKS-74U

O AKS-74U também surgiu de uma concorrência. Muitas acreditam erroneamente que ele foi uma simples derivação do AK-74. Os soviéticos também fizeram uma seleção para a carabina automática com outras equipes. E claro, com um resultado mais do que previsível. O AKS-74U foi a resposta da necessidade de uma arma mais curta que tivesse o mesmo poder de fogo de um fuzil com maior um calibre mais potente. Embora o programa soviético não quisesse essa categoria de arma, as necessidades soviéticas fizeram com que o AKS-74U tivesse necessidade nas tropas.

 

Novo calibre, novas opções

Com o programa de seleção que resultaria no AK-74, os soviéticos ficaram muito satisfeitos com a versatilidade do calibre 5,45 x 39 mm. O recuo menor permitindo uma maior controlabilidade deu uma ideia para um projeto de arma compacta. Olhando ao redor do mundo, o ocidente estava apostando em fuzis de assalto no formato carabinas em seus exércitos. Uma arma mais compacta, de fato, era necessária para a URSS.

A URSS tinha substituído suas submetralhadoras pelos AK-47 e AKM-47. Para eles não seria interessante e muito menos viável desenvolver uma nova submetralhadora. Isso se dava por três motivos. Calibres de pistolas são muito mais limitados no poder de parada e alcance eficaz. Uma submetralhadora significava uma nova arma para a logística, com novas peças, novas máquinas e novo treinamento, sem falar na nova munição. E por fim, o calibre 5,45 x 39 mm tinha um recuo mínimo, que poderia ser usado para completar essa lacuna.

Exército soviético com o AK-74.

Nesse diapasão, os soviéticos olharam a chance de oferecer uma arma para o pessoal que necessitava de uma arma curta em virtude de suas tarefas, tripulações de aviões e helicópteros, de carros de combate, caminhões, forças especiais, etc. A ideia era unir o calibre 5,45 x 39 mm a uma arma do tamanho de uma submetralhadora. O Ministério da Defesa soviético determina uma concorrência para uma arma dessa categoria em 1969. Nesse ano estava em pleno andamento o processo de escolha que resultaria no AK-74, isso era bom porque várias equipes tinham ideias quase prontas e outras um tanto avançadas para época.

Dentre os requisitos estabelecidos, estavam a capacidade semi e automática de disparo. Deveria ter a capacidade de lançar granadas por um lançador acoplado. O comprimento total não poderia passar de 750 mm e peso máximo de 2,2 kg. Os carregadores deveriam ser para 20 ou 30 cartuchos. O alcance máximo seria de 500 m (100 metros na prática) e uma baixa dispersão dos disparos a 100 metros, o que se mostrou praticamente impossível com o tempo. 

 

Novas propostas

Diante desses requisitos, algumas equipes foram formadas para disputar uma nova arma para as forças armadas russas. Estavam Simonov, Stechkin, Tkachev, Konstantinov, Dragunov e Kalashnikov.

AG-42.

Simonov adota o mesmo layout dos seus protótipos de fuzil de assalto. Ele oferta dois modelos, o AG42, com coronha e empunhadura de madeira como um fuzil semiautomático, e o AG43, um modelo com coronha rebatível de metal e empunhadura vertical. O modelo é operado a gás por pistão com ferrolho rotativo de dois ressaltos. A mola recuperadora ficava em volta do pistão no êmbolo de gás. Tendo atrás do ferrolho apenas uma pequena mola guia para o transportador do ferrolho. Isso fazia com que a caixa da culatra tivesse pequenas dimensões, o que ajudava muito na portabilidade. O comprimento total era de 610 mm com um cano de 212 mm de comprimento.

AG-43.

Stechkin apresenta uma das ideias mais complexas da concorrência com o seu modelo TKB-0116. Esta carabina automática usava o sistema de recuo curto. O transportador do ferrolho e a base do cano estão presos em uma armação. Após o disparo, o cano recua juntamente com o transportador do ferrolho por alguns milímetros, quando o transportador do ferrolho se solta, retrocedendo e executando o ciclo de disparo. Esse método faz com que o cano recue desacelerando, ao mesmo tempo em que absorve parte do recuo. Isso era deveras interessante porque o calibre 5,45 x 39 mm gerava um recuo baixo. Somando a esse mecanismo, o recuo dessa carabina era mínimo.

TKB-0116. Note que o apoio da coronha está erroneamente virado para cima.

Tkachev adota uma ideia muito mais ousada. Uma carabina curta, modelo bullpup, em que o carregador serve como empunhadura. O modelo AO-46 visava a simplificação de peças com o tradicional layout de êmbolo e pistão. Na parte frontal do cano, havia um tubo ao redor do cano. Os gases gerados iam para esse grande tudo que descolava o transportador do ferrolho para trás por um curto pistão. Disparava no semi e no automático. Pesava apenas 1,9 kg.

AO-46.

O projeto se mostrava mais radical quando, ao recuar, o cano, assim como o transportador do ferrolho, também girava, destravando o ferrolho ao mesmo tempo. Em cima havia uma janela de ejeção que se abria somente quando a arma disparava pelo movimento do próprio ferrolho. Toda vez que uma cápsula era ejetada, a janela se fechava, mesmo no automático. Comprimento total de 740 mm com coronha fixa e cano de 200 mm.  Pesava 2 kg.

Konstantinov adota um modelo mais simples, para não dizer, clássico. O AEK-958 adotava o sistema a gás com pistão e ferrolho rotativo. O que se destaca é o grande quebrachamas, já que canos curtos tendem a emitir maiores chamas nos disparos. A coronha rebatível era fácil de operar e dava maior apoio ao atirador. Porém, a distância entre a alça e massa de mira tornava a precisão um pouco mais difícil. Tinha o comprimento total de 680 mm e pesava 2,4 kg.

AEK-958.

Dragunov apresenta uma carabina que foge do modelo clássico, ele adota no seu modelo a gás por sistema de pistão de curso curto. Após o disparo, os gases vão para o êmbolo onde comprimem um pistão. Este pistão não está integrado ao transportador do ferrolho. Os gases comprimem o pistão para trás, batendo no transportador do ferrolho. A energia transferida destrava o ferrolho, fazendo o transportador do ferrolho retroceder ao passo de que o pistão, imediatamente, volta à posição inicial. A carabina é toda feita em polímero. O sistema de pistão de curso curto é vantajoso porque a energia de deslocamento do transportador do ferrolho é menor, fazendo com que o recuo seja levemente menor também.

Modelo de Dragunov.

Com muito otimismo, a mira é ajustável entre 300 e 500 metros. Com comprimento total de 735 mm e cano de 212 mm. O modelo usava o mesmo quebrachamas de Kalashnikov, na forma de cone. Esse dispositivo não era satisfatório porque as chamas ainda eram grandes. Já em um segundo modelo eles trabalharam em um novo quebrachamas onde havia um pequeno compartimento para estancar parte das chamas, ao mesmo tempo em que gerava um efeito compensador no disparo. Porém, esse modelo ficou pronto em 1978 quando a carabina de Kalashnikov já fora selecionada.

Kalashnikov, apostando no time que está ganhando, resolve ganhar tempo e em 1973 trabalha em cima de um AK-74 ao invés de projetar uma nova arma. O protótipo PP1 ainda usava a velha coronha rebatível que tanto incomodava os soldados. As funções e layout não mudavam em quase nada, somente a alça da mira foi posicionada um pouco mais para trás, situada na tampa da caixa da culatra. Isso porque tanto o pistão como êmbolo de gás foram diminuídos, o que implicaria na perda de precisão no momento da mira. Isso fez com que a tampa da caixa da culatra fosse uma peça única ligada diretamente a essa caixa. Isso era uma forma de reduzir os custos de produção. Mais tarde, esse desenho técnico foi usado no AK-74M e depois no AK-12.

Kalashnikov PP1.

Um dos problemas da carabina era o quebrachamas. Funcionava, já que canos menores geram mais chamas e o dispositivo diminuía isso. Porém, o estampido era muito alto e isso o quebrachamas não conseguiu solucionar. O fuzil tinha a mira ajustável até 500 metros, o que era um absurdo. O comprimento total era de 720 mm e pesava 2,7 kg.

Em 1975 Kalashnikov oferece um novo modelo, o A75. Não era uma simples adaptação do AKS-74 e sim uma versão mais curta mesmo. A carabina podia ter um silenciador acoplado. A mira foi ajustada em 3 posições para 100, 150 e 200 metros, o que condizia mais com a prática. Uma nova coronha retrátil foi desenhada e foi considerada um pouco melhor. Pouco melhor porque a soleira da nova coronha era uma peça única, que se acomodava perfeitamente ao ombro do soldado, ao passo de que a anterior não tinha isso, eram apenas duas hastes que se apoiavam. O peso dessa versão quase nada mudou, com 2,6 kg e o comprimento aumentou para 750 mm.

Kalashnikov A75.

Em 1976, Kalashnikov apresenta um novo modelo. A versão menor tem refinamentos pontuais e uma nova coronha rebatível que, quando rebatida para o lado cima, fica 12º para baixo, para que a mão do soldado tenha acesso ao seletor de disparo. Os testes em campo mostraram que os soldados tinham problemas para acessar o seletor, achando complicado com a coronha rebatida, desta forma, em 1978, um novo modelo surge com a coronha rebatível que se desloca para o lado esquerdo. Esse tipo de coronha é o mesmo usado no AKS-74. No AKS-74U é em menor escala.

Kalashnikov 3º modelo.

A partir de 1977, as armas são enviadas a testes de campo. Não foi nenhuma surpresa. A arma escolhida foi de Kalashnikov por ser a mais simples, a mais fácil de usar e a ter menos problemas. Além do mais, fazia parte da política soviética de integração entre peças e produção, visando o barateamento dos custos. O anúncio oficial ocorre em 1979.

Último protótipo de Kalashnikov.

As armas apresentadas nos testes não eram ruins. Muitas delas tinham conceitos que estavam à frente do seu tempo. Outras eram complicadas e caras de produzir e manter. Outras não eram práticas. Mas mostravam a capacidade soviética de desenvolver novas ideias e novos conceitos. Porém o contexto exigia simplicidade e baixo custo.

 

AKS-74U

Não há muito que falar sobre a operação do AKS-74U, uma vez que todos os princípios, teclas, tudo já foi explicitado no artigo sobre o AK-74. Desta forma, abordaremos coisas pontuais.

AKS-74U.

A carabina era adorada por todos. O motivo? Era pequena, leve e você podia levar em qualquer lugar. Por exemplo, os pilotos de Mi-24 a adoravam porque agora eles sabiam que tinham uma arma para poder se defender caso o helicóptero tivesse um pouso forçado. Contar somente com a pistola makarov não dava muita segurança para esses pilotos, pois seriam surpreendidos com inimigos armados com fuzis de assalto.

AKS74-U. Note o pequeno tamanho da carabina.

Assim como o AKS-74, a coronha rebatível foi de grande valia ao permitir que o soldado apoie a face do rosto para fazer a mira. Pode parecer preciosismo, mas não é. Qualquer um que disparou o AKMS-47 sabe como é ruim fazer a mira sem poder apoiar a face adequadamente na coronha rebatível. Mesmo sendo uma carabina para curtas distâncias, a mira sempre se faz necessário. E aqui cabe um ponto de suma importância. O alcance efetivo. O cano pequeno faz cair muito a precisão. Aqui falamos de muita coisa. Embora o calibre 5,45 x 39 mm seja mais controlável, a canos curtos, a dispersão dos disparos tende a ser muito alta. Desta forma, as tripulações não poderiam empregar a carabina como se fosse um fuzil. Era uma arma para emergências a curtas distâncias. Entretanto, a guerra do Afeganistão mostrou outra coisa. Era comum ver soldados afegãos usando o AKS-74U com carregador de 45 cartuchos usados na RPK-74.

Soldados poloneses com o AKS-74U.

Isso se dava porque muitas vezes os combates eram a curta distância, onde os soviéticos se deparam com combates que logo partiam para a luta corporal. Fez sucesso o pessoal usar o AKS-74U com carregadores de 45 cartuchos da RPK-74. Isso dava um grande poder de fogo e mobilidade nos combates a curta distância. Se preferiam usar esse carregador é porque os combates eram muito intensos. Há o famoso caso do soldado soviético que pegou o AKS-74U e usou como martelo na cabeça de um Mujahadin em um ataque noturno quando a munição acabou. Os combates a curtas distâncias exigiam muito de um maior poder de fogo.

Mas isso acarretava outro problema. O AKS-74U é famoso por esquentar muito. Não se trata de erro de projeto e sim porque o cano é curto demais para uma carabina com calibre de fuzil. Após 30 disparos, é comum a arma esquentar muito, mas não a ponto de impossibilitar o disparo. Porém, o uso árduo com 3 carregadores em um combate tornava o guardamão quente. Essa mesma cena vimos anos mais tarde na guerra da Chechênia quando russos usavam a mesma arma com o mesmo carregador. E também nos combates recentes na Ucrânia na luta contra os terroristas separatistas.

AKS-74U.

Podemos observar um ponto deveras conflitante nos combates em que vemos o AKS-74U. Notem que 1 ou 2 soldados usam essa arma e os demais fuzis de assalto e metralhadoras leves. Todos eles lutam contra um mesmo inimigo, que estará, para todos, à mesma distância. Aí está o ponto conflitante. O AKS-74U tem uma dispersão muito grande, minando toda e qualquer precisão a mais de 100 metros (na melhor das hipóteses). Usar o AKS-74U a distâncias maiores é apenas gastar munição e se expor ao fogo inimigo. A coisa fica ainda mais surrealista quando vemos o uso de carregadores de 45 cartuchos contra alvos a 200-300 metros.

Usado por tropas especiais, o AKS-74U podia usar miras noturnas. Como tinha um alcance efetivo menor se comparado com os fuzis de assalto, a carabina se mostrava excelente a curtas distâncias, uma vez que a luminosidade e alcance dessas miras não eram muito grandes. Caso o soldado precisasse usar mira noturna, tinha que usar um silenciador especial que além de diminuir o estampido (que era alto) também eliminava por completo as chamas do disparo.

AKS-74U com silenciador e mira noturna.

Aqui o AKS-74U se mostra formidável. As equipes especiais russas usam essa carabina em missões de infiltração, por exemplo. A arma é equipada com um silenciador (que funciona mais como quebrachamas do que abafar o som). Caso necessite, a mira noturna também é acoplada juntamente. Uma arma leve, bem curta e confiável. As tropas especiais gostaram muito, algumas vezes, deixando de lado o AKS-74.

Não só as tropas especiais, mas todo o pessoal que não estava em linha de frente ou carregava algo mais pesado. Por exemplo, operadores de rádio, paramédicos, motoristas de caminhão, tripulação de carros de combate, tripulações de aviões e helicópteros. Por falar em helicópteros, os pilotos de Mi-24 foram os primeiros a ser armados com o AKS-74U. A cabine deles era pequena e não podiam dispor de um AKS-74.

Piloto de Mi-24. Note o grande coldre preso à perna com o AKS-74U.

O curioso é o arranjo para isso. Havia um grande coldre preso na perna direita onde o AKS-74 era colocado, como se fosse uma pistola. Esse grande coldre era algo muito incômodo no voo, os pilotos queixavam-se que limitavam e incomodavam muito durante o voo. Com o tempo, esse coldre foi tirado e os pilotos passaram a voar com o AKS-74U no chão da cabine.

Não tardou para o AKS-74U ser adotado pela polícia também. Ao contrário do imaginário popular, a polícia soviética não andava pelas ruas com AKs. A polícia soviética, até então, não usava submetralhadoras e dependiam de pistolas makarov e muito raramente espingardas para situações especiais. Se a coisa ficasse fora de controle, se chamava as tropas especiais. Para suprir essa necessidade de uma arma compacta com calibre mais forte, a polícia passa a adotar o AKS-74U.

Polícia russa com o AKS-74U.

Em operação nas ruas ela se mostrou muito boa. Tinha a capacidade de tombar os bandidos e na maioria das vezes não os matava. Porém, passam a surgir casos de balas perdidas, uma vez que o projétil do calibre 5,45 x 39 mm ainda tem um efeito letal de até 1.100 metros. Para piorar, em áreas urbanas, era comum os projéteis perfurarem até 8 cm de parede e a curtas distâncias os projéteis transfixavam portas, paredes finas, carros, ônibus, acertando pessoas inocentes nos confrontos. Os policiais tiveram de passar por todo um retreino nos anos 90.

A produção do AKS-74U terminou em 1994. Naquela época a Rússia passava por uma grave crise econômica e a produção de armas ficou praticamente estagnada por mais de uma década. Mas mesmo assim é uma carabina muito apreciada e chama a atenção que ela não teve a sua produção retomada com a volta do crescimento da economia russa.

Paraquedista soviético com o AKS-74U.

AKS-74U

Calibre: 5,45 x 39 mm
Comprimento total: 735 mm
Comprimento com a coronha dobrável: 490mm
Comprimento do cano: 206 mm
Peso: 2,7 kg
Cadência de disparo: 800 dpm
Carregador: 20 ou 30 cartuchos

 

Como funciona

Ao apertar o gatilho, o cão é liberado batendo no percussor. Este deflagra o cartucho, fazendo com que os gases que impelem o projétil entrem em um orifício. Ao passar por ele, os gases são dirigidos a um êmbolo situado acima do cano. Neste êmbolo tem um longo pistão que é ligado diretamente ao transportador do ferrolho. Os gases no êmbolo pressionam o pistão para trás. Ao fazer isso, pela inércia, o ferrolho é rotacionado para o lado esquerdo, fazendo com que os ressaltos estejam alinhados com as saliências da base do cano.

Ele é deslocado para trás, ao mesmo tempo em que ejeta a cápsula que estava na câmara do cano. A mola recuperadora empurra o transportador do ferrolho e pistão para frente, colocando um cartucho na câmara do cano. Neste momento, os ressaltos do ferrolho passam pelas saliências da base do cano, virando para o lado direito, travando o ferrolho na base do cano. Neste momento, o percussor está pronto para ser acionado novamente, reiniciando o ciclo.

 

Curiosidades

O AKS-74U era chamado de cigarro na Rússia (sigarieta) porque após 30 disparos, a arma esquentava a tal ponto que ele soltava muita fumaça do guardamão e do êmbolo de gás.

Alguns agentes de segurança usavam o AKS-74U escondido em uma maleta. Havia uma falsa alça presa à parte de cima do guardamão.

Agente de segurança com um AKS-74U.