5,8 x 42 mm

A China por muitas décadas seguiu o modelo soviético de produção de armas e munições. Produção em massa de modelos simples usando um calibre padronizado. Embora seguisse o mesmo modelo, a China não era dependente do maquinário, matérias primas e tecnologias soviéticas. Esse modelo de produção foi usado pelos chineses até o final dos anos 60. É nessa época que a China começa a se distanciar politicamente da URSS e busca uma maior independência tecnológica realizando os seus próprios programas de armamento. O desenvolvimento de um novo calibre para seu fuzil regular quebra a tradição de seguir o modelo soviético, inaugurando assim uma nova classe de calibres leves e velozes para um armamento de desenvolvimento próprio.

 

Origens

A China contava em seu inventário dois calibres, o 7,62 x 54 mm R e o 7,62 x 39 mm. Esses dois calibres eram de origem soviética (embora o primeiro fosse concebido na Rússia imperial) e eram fabricados em massa na China. Enquanto que os soviéticos criaram o seu calibre leve, o 5,45 x 39 mm independentemente da guerra do Vietnã e do uso do 5,56 x 45 mm, a China seguiu um caminho diferente. Na guerra do Vietnã ela teve acesso à muito material americano apreendido e lá estava a munição 5,56 x 45 mm. Os chineses acharam interessante um calibre mais rápido e mais leve e notaram que a munição que eles usavam, o 7,62 x 39 mm, não tinha a balística que eles queriam.  Desta forma os chineses passam estudos para um novo calibre a partir de 1971. Nessa fase embrionária, os chineses gostaram do calibre americano, mas acharam com um alcance limitado para a doutrina de guerra chinesa. Com o passar do programa, os chineses ainda avaliaram o 5,45 x 39 mm em 1976 e notaram a mesma coisa. A falta de alcance e energia ainda era um problema.

Tropas chinesas desfilam com o Tipo 63. A China tem o maior exército do mundo.

Eles tinham em mente um calibre único para três classes de armas. Um fuzil de assalto com alcance efetivo de 400 metros, uma metralhadora leve de apoio com alcance de 600 metros e uma metralhadora leve alimentada por fita com alcance de até 1.000 metros. Alcançar esses requisitos diferentes com uma mesmo calibre seria impossível com um calibre soviético ou americano. O problema observado pelos chineses é que o alcance efetivo caía muito quando o projétil passava os 600 metros de distância. E eles tinham planos de usar ainda uma variante como sniper do mesmo calibre, evitando o uso de um 2º calibre para isso.

Diante disso a China decide desenvolver o seu próprio calibre leve, onde passa por vários modelos de testes, culminado assim no 5,8 x 42 mm em 1979. A partir desse calibre definitivo, começam novas pesquisas e estudos para aprimorá-lo. Em 1987 o calibre 5,8 x 42 mm passa a ser adotado oficialmente como DBP 87, onde é testado e avaliado usando como plataforma o fuzil Type 81.

 

5,8 x 42 mm

O 5,8 x 42 mm, em um primeiro momento, não foi produzido feito em massa para substituir o calibre usado até então. A China ainda tinha em seus estoques uma gigante quantidade de munição 7,62 x 39 mm, sem falar na cadeia de produção desse calibre. Como o plano era também desenvolver um novo fuzil de assalto para o calibre, não haveria como fazer uma troca de cano e grupo do ferrolho dos outros fuzis porque sairia muito mais caro em virtude da grande quantidade de armas a serem retrofitadas.  

A munição 5,8 x 42 mm.

A economia era a ordem. Os chineses decidem por usar o aço para fazer a cápsula do cartucho. O latão, muito usado, é mais caro de produzir e de manufaturar. Levando em conta que a China tem o maior exército do mundo, deveria armar esse exército com o novo calibre que, por sua vez, teria que armar com um novo fuzil. E para cada fuzil, para cada soldado, outra quantidade de munição teria que ser feita. Ou seja, usando o aço a invés do latão, a China consegue economizar muito a produção de sua munição, já que terá que suprir a demanda de um exército de mais de 2 milhões de soldados, que ainda terão que treinar. A economia é indiscutivelmente notória.

A versão DBP 87 é uma munição que tem um projétil de 64 grains. Saindo de um cano de 463 mm, ele sai a 930 m/s com uma energia de 185 kgfm.

A versão DBP 88 é uma munição que tem um projétil de 77 grais. Saindo de um cano de 463 mm, ele sai a 865 m/s com uma energia de 194 kgfm.

A versão DBP 10 é uma munição que tem um projétil de 71 grains. Saindo de um cano de 463 mm, ele sai a 910 m/s com uma energia de 199 kgfm.

Diferentes tipos de munição 5,8 x 42 mm.

Leve-se em conta que, na modernização de suas armas, o novo calibre fora idealizado levando em contas as distâncias e as vestimentas balísticas que estavam no começo da moda nos anos 80. Desta forma, o projétil de aço encamisado tinha um poder de penetração maior se comparado com o projétil de chumbo que era mais denso.

 

O Melhor?

Há um grande contra senso gerado pela propaganda chinesa. Segundo os chineses, o 5,8 x 42 mm tem um desempenho superior ao 5,56 x 45 mm OTAN e 5,45 x 39 mm. Para isso ocorrer, é preciso mais além do formato do projétil e do passo de raiamento de um cano. É necessário energia atrás do projétil para que ele tenha velocidade e força necessária. Enquanto que o calibre americano trabalha com entre 50.000 e 63.000 PSI e o calibre soviético com 55.000 PSI, o calibre chinês trabalha com 42.000 PSI. Ou seja, há uma energia menor para um projétil relativamente mais pesado. Esses valores tornam mais difíceis manter uma efetividade maior que o calibre soviético e americano. Ou se trata de um dos maiores mistérios do mundo balístico ou é uma propaganda muito mal feita.

 

Da esquerda para a direita, o 5,56 x 45 mm, o 5,45 x 39 mm e o 5,8 x 42 mm.

De fato, o 5,8 x 42 mm tem um poder de penetração maior que os calibres americano e soviético. Ele pode penetrar uma chapa de aço de 3,5 mm de espessura a 620 metros de distância. A 310 metros de distância ele penetra uma chapa de aço de 10 mm de espessura. Isso pode ser algo surpreendente, e é, mas mostra um problema que o calibre americano e soviético não tem. Calibres de alta velocidade, de baixo diâmetro e com capacidade perfurante não têm a mesma capacidade de tombar ou fragmentar-se quando acerta o tecido humano. Ele simplesmente transfixa o corpo sem causar grandes ferimentos. O que pode ser um grande ponto positivo na verdade esconde uma grande deficiência, que é a de incapacitar o inimigo quando o efeito blowup não é suficiente. Este efeito é a cavidade interna momentânea dentro do corpo humano formado pela energia do impacto do projétil.

O fato de lançar um projétil mais pesado a uma distância maior, em uma trajetória mais reta e conseguir um bom agrupamento, como o calibre americano e soviético, já é uma grande realização. Mas há que se ver também o poder de parada do projétil. Embora com um poder de penetração menor, o calibre soviético e americano tem um poder de parada maior já que o projétil ou vai tombar dentro do tecido humano ou vai se fragmentar, gerando maiores lesões que incapacitem o inimigo.

Resultado do disparo em um bloco de resina plástica. À esquerda o orifício de entrada e à direita o orifício de saída.

Pela velocidade e peso do projétil, ele tende a sofrer menos os efeitos do vento transversal. Porém, como a meta chinesa é a penetração a grandes distâncias, o projétil pode ter alguns problemas. Quanto mais se distancia, mais velocidade o projétil perde e a médias e longas distâncias a velocidade cai drasticamente. Isso é importante porque no curso final do projétil ele sofrera as variações de ventos transversais. Isso não impossibilita o disparo, mas exigirá mais acuidade do atirador a maiores distâncias do que 300 metros.

Já visando a durabilidade da arma, a China faz um tratamento especial aos seus cartuchos. A cápsula é de aço e recebe o revestimento de uma tinta antioxidante. O propelente é do tipo que gera menos resíduos de carbono, que com o tempo gera oxidação dentro do fuzil, câmara e cano. O mesmo tipo é usado na munição 5,56 x 45 mm M855A1. Aliás, o fato de usar o aço auxilia na segurança do fuzil. O aço não se deforma tão facilmente como o latão. Após o disparo, a cápsula se mantém praticamente inalterada, facilitando a extração do cartucho da câmara do cano. Em cápsulas com latão, ocorre de algumas vezes ela expandir na câmara do cano, fazendo com que o extrator tenha maior dificuldade em retirar a cápsula da câmara do cano.

Os chineses levaram muito tempo na dependência de material e tecnologia soviética e a partir do final dos anos 60 começaram a ter seus próprios projetos. Com o tempo foram alcançando os objetivos e conseguiram, de forma completamente independente, desenvolver um calibre de fuzil de assalto considerado leve, embora com dimensões e valores de desempenho acima do modelo americano ou soviético.