7,62 x 39 mm

O 7,62 x 39 mm teve uma grande inspiração no 7,92 mm kurz alemão. Aproveitando-se da ideia de um calibre intermediário, a então URSS usou do mesmo método para criar seu calibre. Embora os soviéticos já pesquisassem um calibre intermediário desde os anos 30, ainda não se tinha ideia sobre sua aplicabilidade e com as hostilidades de 1939 o projeto foi engavetado. O calibre intermediário soviético surgiu ainda na 2º G. M. e é usado até hoje por muitos países.

 

Origens

Ainda nos anos 30 os soviéticos tiveram conhecimentos de estudos alemães sobre um cartucho intermediário quando uma delegação soviética foi convidada a conhecer algumas instalações militares na Alemanha. Entretanto foi na batalha de Sinjawino de 1942 que os soviéticos tiveram acesso ao 1º calibre intermediário da história, o 7,92 mm kurz desenvolvido pelos alemães e posto em prática a campo. Nessa batalha, além das armas foi apreendido um grande estoque de munição que foi enviado para a Rússia aos cuidados do NIPSMVO, órgão para pesquisar e desenvolver produtos militares.

Isso deixou os soviéticos muito admirados não pela nova arma, mas pela versatilidade do novo cartucho 7,92 mm kurz. Menor, mais leve, permitia maior controle dos disparos, controle em regime automático, maior capacidade do carregador, menor recuo e maior quantidade de munição que os soldados podiam carregar. Tendo isso em conta, os soviéticos desenvolveram na metade de 1943 o seu cartucho intermediário, o 7,62 x 41 mm M43, começando os testes balísticos em dezembro desse ano.

Em cima disso os soviéticos passam a delinear seus requerimentos para um fuzil de assalto. Levando em conta o calibre 7,62 x 41 mm, os requisitos eram um pouco exagerados para o novo calibre intermediário. Em um campo aberto, os requisitos ditavam que o calibre fosse apto a acertar um alvo a 1.000 metros de distância, mesmo que coberto com algum obstáculo. Deveria cumprir o fogo de apoio de até 800 metros e imobilizar um alvo com um disparo direto a 340 metros. Esse calibre 7,62 x 41 mm não foi feito em massa, foi usado somente na fase de testes e avaliações para os fuzis de assaltos soviéticos. Portanto, esse calibre é usado até meados de 1947.

Dimensões do calibre 7,62 x 41 mm.

Em 1947, o calibre tem sua campanha de refinamento finalizada, justamente quando finalmente a URSS adotava seu 1º fuzil de assalto. Por todo esse tempo ele fora estudado e testado de forma que sua balística fosse melhorada. Em 1947, o calibre passa a ser 7,62 x 39 mm M43 (o código não é alterado), tal qual como conhecemos até hoje.

 

7,62 x 39 mm M43

Tal como conhecemos, o calibre passa por várias alterações, principalmente no projétil. Antes o projétil tinha a base achatada e a ponta mais ogival, isso fazia com que a estabilidade caísse a longas distâncias. Eles alteraram o formato do projétil para ter uma base mais côncava e a ponta mais pontiaguda. Isso dava mais estabilidade, precisão e poder de penetração. Esse formato já havia sido notado muitos anos antes em 1940 quando militares soviéticos visitaram a GECO, uma empresa alemã de munição. Não há provas de ligação, mas o projétil é claramente influenciado pelos trabalhos dos alemães.

7,62 x 39 mm.

O projétil tinha o centro feito de aço envolto por uma camada de chumbo para então ser encamisado por cobre. Aqui começa um pouco dos problemas do M43. Os soviéticos delinearam o calibre para o AK-47 onde queriam antes de tudo uma arma automática e controlável para ataques rápidos e curtos. Esse conceito vinha desde o uso da PPSh-41 e PPS-43, conceito este aprovado em combate. Porém, os soldados soviéticos raramente usavam essa tática no início da vida operacional do AK-47. Eles usavam mais como um fuzil regulamentar do que uma arma, necessariamente, de assalto.

O projétil do M43 tem uma trajetória mais curva. Pela sua velocidade relativamente mais baixa e pelo seu projétil pesado, ele tende a fazer uma curva maior. Isso faz com que perca velocidade mais rápida, assim como faz gerar um projétil com menor energia. Que fique claro, todo e qualquer calibre sofre esses efeitos. Após disparado, o projétil, assim que vai se distanciando do cano, vai perdendo velocidade e energia. Porém com o M43 essa perda é maior e mais rápida, o que compromete, e muito, a sua precisão e alcance efetivo. O M43 trabalha com valores entre 49.000 e 51.000 Psi.

Pesando 122 grains, em um cano de 415 mm, o projétil saía da boca do cano a 725 m/s com uma energia de 160 kgfm. Após 300 metros, essa velocidade cai para 450 m/s com uma energia de 48 kgfm. A 600 metros, essa velocidade cai para 295 m/s com uma energia de 26 kgfm. Os nºs podem parecer algo fútil, mas demonstram que o projétil tende aumentar a curva da trajetória, perder velocidade e energia muito rapidamente.  Isso não quer dizer que o projétil é anêmico, longe disso. A 300 metros um projétil com 15 kgfm de energia é suficiente para imobilizar um alvo. Aqui falamos de uma condição hipotética perfeita. Se levarmos em conta o que o alvo usa como vestimenta, temperatura, vento, densidade, esse nº de energia pode não ser o suficiente para imobilizar um alvo. O que piora a situação é fato do projétil tender a transfixar mais ao invés de tombar ou se fragmentar, o que aumentaria a sua letalidade.

Dimensões do calibre 7,62 x 39 mm.

Ainda mais, a baixa potência para um calibre pesado gerava outro efeito. O desvio ao vento. Após 300 metros, a velocidade do projétil cai para 450 m/s. Vamos supor que no campo de batalha há um vento transversal de 20 km/h. Da boca do cano até o ponto de 300 metros, o projétil do M43 terá se desviado 60 cm em sentido do vento. Ou seja, se o atirador mira num alvo, o projétil vai passar literalmente ao lado dele. Isso se dá porque a velocidade cai rapidamente, impossibilitando uma estabilidade do projétil.

Isso foi visto pela primeira vez, com maior frequência e registro, na guerra do Vietnã. O nº de soldados americanos por armas de fogo foi algo grande e foi percebida que quanto mais séria era a lesão do disparo, mais perto o inimigo estava do soldado. Pode ser algo óbvio mas se o inimigo com um AK-47 ou SKS acertasse o soldado americano a uma distância um pouco maior, a gravidade da lesão era mais atenuada. No começo da guerra os americanos viram pelo outro lado da moeda. Vários soldados americanos capturaram AK-47s do inimigo e o usaram em combate. Notaram que a médias e curtas distâncias, era comum acertar o inimigo e ele continuar combatendo ou fugir. O projétil não tinha total efeito de imobilização do alvo. Comparações feitas com o M16/XM16E1 mostrou que o calibre M43 era inferior ao 5,56 x 45mm e ao 7,62 mm OTAN.

Da esquerda para a direita, o 7,62 x 51mm, o 5,56 x 45 mm, o 5,45 x 39 mm e o 7,62 x 39mm

A questão não é somente sobre a letalidade em virtude da energia do projétil. Há também o problema da dispersão que muitos creditam ao fuzil, quando na verdade não é. O projétil do M43 é considerado pesado para a pouca carga de propelente que é usada e por causa do comprimento do cano do AK-47 que é menor. A distâncias maiores de 200 metros o soldado tem dificuldade de colocar os disparos no mesmo ponto porque cada projétil segue uma curva diferente, embora relativa. Esse é o problema da grande dispersão. Uma forma de sanar isso é o disparo em regime automático onde praticamente há uma saturação do alvo. Ocorre que isso é apenas aumentar o problema porque em automático, os dois primeiros projéteis até seguem a mesma linha mas os demais vão se dispersar em virtude do recuo do fuzil.

Ainda no Vietnã foi notado que a RPK apresentava uma melhora na precisão por causa do comprimento do cano ao dar maior estabilidade ao projétil, mas apenas aumentava um pouco o alcance efetivo porque logo o projétil tendia a “cair”. Em áreas como florestas e matas, o projétil não se dispersa tão facilmente entre as folhas e gravetos.

Soldado americano com o fuzil Tipo 56 capturado.

Se o AK-47 foi massificado e vendido no mundo inteiro pelo seu custo baixo, a munição M43 também foi mais difundida, sendo considerada uma das munições mais baratas de se comprar até hoje. Se para o mercado civil é considerado relativamente barata, o que dizer das grandes compras militares entre governos. O acesso à munição é fácil podendo ser encontrada em qualquer lugar do planeta. Não há como desassociar o AK-47 do 7,62 x 39 mm. Existem outras armas que calçam esse calibre. Porém existem muitas críticas ao AK-47 quando na verdade não há nada de errado com o fuzil e sim com a munição. A situação se agrava mais ainda quando a arma é o AKM-47, onde sofre mais dispersão em virtude do AKM-47 ser mais leve que o AK-47.

O 7,62 x 39 mm ainda continuará sendo fabricado aos milhões por mais algumas décadas. É uma munição barata e fácil de produzir. Não há como esperar uma balística melhor de um calibre que já nasceu assim, mesmo que se aumente a pressão interna ou velocidade do projétil. A bem da verdade, já foram testadas munições assim, mas os ganhos foram muito poucos a ponto de investir em uma nova linha de produção.

 

7,62 x 39 mm M67 Iugoslavo

Os Iugoslavos perceberam a falta de precisão e queda rápida da energia depois de disparado o 7,62 x 39 mm. Notaram que, embora tivesse um bom poder de penetração, a letalidade era muito comprometida com a distância e decidiram por pesquisar um novo tipo de projétil para os seus fuzis.

7,62 x 39 mm M67.

Os iugoslavos tornaram o projétil mais reto e menos curvado. Além disso, tiraram o núcleo de aço, usando somente o chumbo como núcleo do projétil. Com um peso de 123 grains, ele gerava na boca de um cano de 415 mm a velocidade de 725 m/s. Isso fez uma leve diferença para a letalidade do projétil. Agora, após acertar o tecido humano, o projétil tende a tombar dentro do corpo após penetrar 15 cm. Isso gera danos mais graves ao tecido humano. Porém isso teve um custo. Sem o núcleo de aço, o poder de penetração a médias e longas distâncias caiu drasticamente.