G3 – Parte 1

Do projeto alemão vieste, ao projeto alemão voltarás.

 

Origens

A história do G3 é o que praticamente marca o início da HK e da empresa de sucesso que é hoje, se tornando uma das referências da indústria bélica de fuzis. Neste artigo focaremos mais a história do G3 e suas versões. Como tecnicamente o G3 é praticamente o CETME C, a parte técnica principal e operação pode ser vista nos artigos sobre o CETME e o Gerät 06. Assim evitaremos uma reprise maçante que canse o leitor.

Para a Alemanha ficou a proibição de formar um exército logo após a 2ª G. M. As zonas ocupadas pelos aliados ditaram que não haveria, em um primeiro momento, a necessidade de um exército. A então Alemanha Ocidental ainda não tinha a capacidade de formar um exército regular. Porém, em virtude de demarcação da nova fronteira, seria necessário um contingente para observar as novas linhas fronteiriças. Para tanto é formada em 1951 a Bundesgrenzschutz. Dentre os seus serviços estava também a fiscalização e proteção das fronteiras da nova Alemanha. Até então, esses militares estavam armados com várias armas alemãs e americanas, como a MP38, carabina K98 e carabinas M1 e M2. Uma nova arma padrão seria necessária.

Em 1953, quando os espanhóis começaram os seus testes com o CETME Modelo 2, os alemães ficaram interessados e a eles foi apresentada essa nova arma. Os alemães ficaram muito entusiasmados com a arma após uma breve análise. Não porque o projeto tinha suas origens em pesquisas alemãs, mas porque era confiável, simples e relativamente barato. Isso despertou muito a atenção porque eles buscavam um fuzil de assalto como futura arma. Curiosamente, nenhum StG44 foi usado nesse ínterim. Já na Alemanha Oriental o StG44 foi usado pela Volkspolizei, que tinha praticamente as mesmas tarefas do Bundesgrenzschutz.

Formação do exército da Alemanha Ocidental – 1955.

Aqui temos que parar e ver como surgiu a HK. Ao contrário do que se pensa, a HK foi formada, na realidade, por três pessoas. Edmund Hekler, Theodor Koch e Alex Seidel. Este foi um engenheiro de criatividade inventiva, foi o criador da pistola Mauser HSC, por exemplo. É estranho e não se sabe por que a inicial do seu nome não consta no logotipo da empresa ou sequer é mencionado. Essa pequena empresa abrangia alguns engenheiros que trabalharam na Mauser durante a 2ª G. M. A situação naquela época era tão ruim em virtude das cidades devastadas que a empresa HK ficou situada em um abrigo antiaéreo porque não se tinha prédios prontos com a mínima capacidade produtiva.

Alex Seidel, Edmund Heckler e Theodor Koch.

Eles começaram fazendo pequenas peças para máquinas e outros pequenos insumos industriais e civis, como peças de bicicletas. Como o Bundesgrenzschutz precisava de peças para os K98 e MG42, eles notaram que não havia nenhuma empresa na Alemanha que pudesse fazer essas peças. Com a Mauser ainda sob ocupação, sobrou somente a HK, que fez essas peças. Nesse momento viram que o mercado bélico era a saída. Voltando à Espanha e Alemanha. Após a demonstração do CETME Modelo 2 no final de 1953, os alemães viram que seria a arma ideial e, em 1954, o Bundesgrenzschutz passa a ver o CETME como a arma a ser comprada. Bem naquela época, os alemães estavam avaliando outros fuzis. Eram eles o FAL (G1), SIG 510-4 (G2), CETME (G3) e AR-10 (G4). Embora todas as armas testadas tivessem o mesmo padrão de calibre, o 7,62 x 51 mm, o CETME B tinha se mostrado como o mais apto para o Bundesgrenzschutz, mesmo empregando um cartucho diferente, o 7,62 x 51 mm CETME. Os alemães disseram aos espanhóis que comprariam o CETME B caso ele fosse em 7,62 x 51 mm.

CETME G3 – Uma das primeiras versões fabricada na Espanha conforme requisitos alemães. Note que ainda se usa a antiga alça de mira.

Os espanhóis fazem as alterações necessárias para o calibre 7,62 mm OTAN. Porém o tempo estava correndo e os alemães precisavam do fuzil com urgência. Em abril de 1958, os alemães recebem um lote de 400 CETME B 7,62 x 51 mm para avaliações. Como o CETME em 7,62 mm OTAN ainda iria demorar, os alemães decidem por comprar um pequeno lote de FAL como fuzil temporário. Isso quebra um mito que se tem do FAL na Alemanha Ocidental. Muito se fala que a Bélgica não havia autorizado a produção do FAL na Alemanha e, por este motivo, a Alemanha cancelara o FAL e comprara o CETME. A bem da verdade, desde o começo a Alemanha sempre quis o CETME pela qualidade e custo menor. Além disso, desde o começo, a Alemanha sabia que a Bélgica não permitiria a produção local. Há que se levar em conta ainda que, dentre os requisitos dos alemães, estava a produção local sob licença, coisa que os espanhóis foram os primeiros a se prontificar. A compra do FAL pela Alemanha foi puramente temporária até a chegada definitiva do CETME em 7,62 x 51 mm.

Soldado alemão treina lançamento de granada de boca com o FAL.

Se arrependimento matasse… A HK já tinha contato com o pessoal da CETME desde 1954 quando a Alemanha se interessou pelo CETME B. Em 1956 engenheiros da CETME fizeram uma visita a Mauser. Eles queriam que a Mauser fizesse o CETME caso fosse escolhido o fuzil, e, além disso, ajudaria na produção do CETME para a Espanha, já que não teria maquinário e capacidade para suas necessidades. Para espanto da comissão espanhola, os diretores da Mauser foram esnobes, indiferentes e quase mal educados com a proposta espanhola. Os espanhóis então foram atrás da HK, que já participava dos testes de campo com o modelo B em 1954. No começo eles fariam parte do maquinário para a produção e, mais tarde, fariam os G3 para o governo alemão.

Os 400 fuzis CETME modelo B testados pelos alemães fizeram surgir uma série de mudanças que resultaria no G3. Sendo que algumas dessas alterações também foram implementadas no CETME C. O fuzil funcionava perfeitamente com o 7,62 x 51 mm, mesmo o recuo sendo mais forte e o controle de rajadas curtas serem menor. Como a potência do calibre era maior, eles não poderiam usar mais aço de baixo carbono, como era feito até então. Um metal mais resistente deveria ser usado e assim passaram a usar ligas de aço, de maior resistência e durabilidade.

CETME G3.

A Alemanha declara em abril de 1956 que o CETME B havia ganhado a concorrência e o adota oficialmente em 1957 o HK G3 7,62 x 51 mm como seu fuzil de assalto padrão. Embora com princípios de mecanismos e layout iguais, existem algumas diferenças entre o modelo alemão e espanhol. Para que o G3 surgisse, o modelo espanhol CETME B passaria por alguns refinamentos, tornando alguns pontos diferentes entre os dois fuzis, embora visualmente pareçam iguais. O tubo onde fica haste e a própria alavanca de manejo é redesenhado. O pino da mira passa a ser mais resistente, o do modelo espanhol fora considerado frágil. A coronha tem um desenho levemente diferente, de tal ordem que a coronha de um fuzil não pode ser colocada no outro, e vice versa. A própria coronha recebe uma soleira de borracha.

Embora parecidos, o guardamão são diferentes dos fuzis. O guardamão do HK G3 pode ser colocado no CETME B, porém deste não pode ser colocado no HK G3. A mesma coisa acontece com os carregadores. Dependendo do ano de fabricação, os carregadores do G3 podem ser usados no CETME mas os do CETME não podem ser usados no G3.  Além disso, o grupo do gatilho é diferente, embora os desenhos técnicos sejam parecidos. Isso ocorre porque os alemães redesenharam o mecanismo de segurança do grupo do gatilho. Esses dois grupos não são intercambiáveis.

Soldados alemães com o CETME G3 em treino no final dos anos 50.

Os quebrachamas não é iguail. Ambos os modelos tinham que de ter encaixe para o lançamento de granadas de boca. Levando em conta que a Alemanha seguiria o padrão STANAG com as granadas ENERGA, o desenho deveria ser diferente. Curiosamente, o quebrachamas (que em ambos os fuzis também serve como compensador) espanhol é considerado mais eficiente para administrar o recuo. Não que seja uma grande diferença, mas torna o forte recuo do fuzil algo um pouco mais  suave.

A mola recuperadora também é diferente. No modelo alemão ela passa a ser mais dura e resistente, ocorre que no modelo espanhol usava a mola menos resistente em virtude do calibre 7,62 mm CETME gerar uma pressão diferente que, por sua vez, gerava energias mais amenas. Com o 7,62 mm OTAN, as energias passam a ser mais fortes e a mola recuperadora mais leve se mostrava frágil. Somente a título de comparação, o 7,62 mm OTAN gera uma energia de 50.000 Psi, o 7,62 mm CETME gerava uma energia de 42.000 Psi.

Soldados alemães com o CETME G3.

Além disso, a disposição dos regimes no seletor de disparo foi alterada. No modelo espanhol eles eram muito espaçados o que exigia um esforço maior da mão do soldado. No modelo alemão os regimes são mais próximos, fazendo com que fique mais fácil selecionar o regime. E por fim, os canos são semelhantes e, com o quebrachamas diferentes, o encaixe da baioneta era diferente. Desta forma as baionetas dos fuzis também eram diferentes.

Todos os fuzis entregues e feitos sob licença na Alemanha tinham a inscrição CETME no lado esquerdo do receptáculo do carregador. Isso se dava por questões de propriedade industrial, mesmo o fuzil sendo feito sob licença na Alemanha. Essa inscrição dura até 1961, quando a HK compra o direito de produção e exportação do fuzil.

G3 produzido sob licença na Alemanha.

 

Sucesso de exportação

Desde o começo a Espanha tinha intenção de exportar o CETME B e C para vários países. Não era à toa, o fuzil era bom e isso chamava a atenção em um momento em que o mundo trocava seus fuzis de repetição e semiautomáticos por fuzil de assalto. A Alemanha também queria isso, exportar o seu modelo G3 feito pela HK.

A Espanha não queria que a Alemanha exportasse para o mundo o projeto dela, se mostraram relutantes em permitir isso e, de fato, não permitiram. Nesse ínterim, uma empresa holandesa queria trabalhar como intermediária de vendas do CETME B e C no exterior. Era a Nederlandsch Wapen en Munitifabrik – NWM. A CETME vende à NWM o direito de comercialização para quem ela quisesse vender, menos a Espanha, Alemanha e Portugal que seria um mercado cativo para a CETME. Caso algum país quisesse fabricar o fuzil localmente, teria de pagar para a NWM o direito de produzir, onde a NWM pagaria os royalties para a CETME.

G3 de exportação – Paquistão.

A Espanha não tinha a capacidade industrial para produzir o CETME B ou C em grandes quantidades caso tivesse grandes encomendas. Visando lucrar, ela permitiria que um país produzisse localmente seu fuzil, assim ela ganharia sem produzir o fuzil na CETME. Então a Alemanha faz uma manobra ousada que dá certo. Em 1959 ela força o governo espanhol a aceitar que a Alemanha exportasse o G3, claro, pagando caro por isso. Em 1960, ela compra da NWM o direito de comercialização na produção.

Isso dava à Alemanha duas coisas. 1ª, ela poderia exportar para quem quisesse o G3 feito na Alemanha. E 2ª, qualquer país que quisesse produzir localmente o G3, poderia fazer sem problemas, mesmo o projeto sendo espanhol. Agora some a isso a capacidade industrial que a Alemanha tinha e que a Espanha não tinha. Isso fez com que a HK vendesse em pouco tempo centenas de milhares de HK G3 pelo mundo, sem falar nos royalties que ela ganhava com os países que produziram localmente o G3. Isso injetou na HK rios de dinheiro que fizeram ela crescer como um foguete em ascensão. Foi isso que fez a HK ser uma recordista de exportações e se tornar em pouco tempo uma empresa referência no mercado bélico mundial.

Soldados alemães em treino.

Por sua vez, a Espanha não tinha como competir com a capacidade industrial e comercial da Alemanha. Ela produziu os fuzis para as suas forças armadas e conseguiu vender pequenos lotes do CETME C para pouquíssimos países, vendas com praticamente nenhuma expressão se comparada com as exportações alemãs. Desta forma o projeto espanhol serviu de base para que a HK surgisse como uma das gigantes da indústria bélica.

Cabe mencionar a Rheinmetall. Ela quis a todo custo participar da produção do G3 para a Alemanha. Ela alegou questões legais de patentes ao dizer que tinha o direito de patente em cima de alguns desenhos do sistema Grossfuss que, teoricamente, haviam sido usados no projeto CETME. Após uma longa batalha judicial, a Rheinmetall teve autorização para fazer partes e depois o fuzil inteiro. Poucas unidades foram feitas pela qualidade inferior e no final a Rheinmetall participou pouco da produção total.

CETME G3.

No final, a HK, com base no projeto espanhol CETME B, desenvolveu o G3. Este fuzil foi um dos mais vendidos no pós-guerra. Não há como se chegar a um nº final de quantos fuzis foram feitos, mas sabe-se que o G3 foi vendido a mais de 80 países.

HK G3

Calibre: 7,62 x 51 mm
Comprimento total: 1024 mm
Comprimento do cano: 450 mm
Cadência de disparo: 550-650 dpm
Peso: 4,1 Kg
Carregador: 20 cartuchos

 

Como funciona

Após o disparo, os gases geram energia que vão contra a própria cápsula na câmara do cano. Os gases no cano forçam a cabeça do ferrolho para trás pela energia gerada. Dois roletes contidos em recessos na cabeça do ferrolho são empurrados para trás, fazendo-os entrar dentro da cabeça do ferrolho. A ação de atrito dos roletes na base de travamento e parede da base do cano faz desacelerar, por milésimos de segundos, o movimento do ferrolho. Nesses milésimos de segundos, o projétil deixa o cano e os índices de gases e energia caem a níveis seguros. Então, com a energia menor na cabeça do ferrolho, ele começa a se locomover para trás.

O transportador do ferrolho está conectado a uma haste localizado na parte de cima da caixa da culatra. Em volta dessa haste há uma mola recuperadora. Com o retrocesso do transportador do ferrolho após o disparo, ele comprime essa mola para trás, junto com o grupo da cabeça do ferrolho e portapercussor, onde, ao mesmo tempo, retira da câmara do cano a cápsula. O transportador do ferrolho corre até o fim da caixa da culatra. Agora, pela ação da mola recuperadora, o transportador do ferrolho começa ir para frente, onde introduz um cartucho na câmara do cano. A cabeça do ferrolho bate na base do cano e os roletes saem de dentro e se travam nos recessos da base do cano, mantendo o ferrolho travado e pronto para o próximo disparo.