AKM-47 Parte 02

Embora adotado em 1959, o AKM-47 recebeu melhorias e pesquisas que duraram até 1975.  O AKM-47 sofreu alterações por todo esse tempo. Cabe mencionar que a grande revolução não foi quanto às partes técnicas em si, mas sim a capacidade de se produzir em massa um fuzil em pouco tempo custando menos. O AK-47 que conhecemos hoje na verdade é o AKM-47 produzido aos milhões pelo mundo inteiro.

 

Um novo fuzil

Uma vez escolhido o AKM-47 e a RPD, o próximo passo foi a obtenção de novos maquinários, novos processos de fabricação e emprego de novos materiais. Para isso se reformulou quase todo o processo de produção do AKM-47. Ao contrário do que se pensa, o AKM-47 não é apenas uma versão mais leve do AK-47, é uma arma com muitas alterações de projeto focado na produção em massa e não na capacidade combativa. Pensemos assim. Se o ocidente fazia excelentes fuzis em poucas quantidades com maquinário moderno, a URSS faria em quantidades absurdamente maiores sem se ater na qualidade. Como a meta era suprir toda a URSS e os países do Pacto de Varsóvia com um fuzil em comum, deveria ser feito em pouco tempo e com qualidade.

AKM-47.

Muitas coisas foram alteradas no AKM-47. Aqui iremos abordar as principais mudanças, já que as alterações pontuais dos desenhos técnicos são mais de 200 e seria impossível.

Em cima o AK-47 e embaixo o AKM-47.

A fixação do cano não é mais de rosca, ele passa a ser preso na caixa da culatra por parafusos. Isso agilizava a produção do fuzil. O cano não precisava passar por um longo processo de torno e a caixa da culatra não tinha que ser preparado para esse cano. Agora bastava colocar o cano e fixá-lo por parafusos em um processo mais rápido e econômico. O próprio cano tinha passado por nova produção. Agora ele era mais fino e mais leve, o que além de baratear o custo tornava o fuzil um pouco mais leve, já que era um dos requisitos principais.

O carregador também passa por alterações. Antes, nos primeiros modelos, eles eram feitos em chapas de aço, o que davam mais resistência, porém davam mais peso à arma. Como a ideia era deixar o fuzil mais leve, eles decidiram por usar um carregador feito de alumínio. Era bem mais leve e ajudava o fuzil a perder peso, mas com o tempo de uso e as testes de campo, foram notados dois problemas. Ele amassava com muita facilidade e se deteriorava em pouco tempo. Isso gerava uma alta taxa de panes de alimentação. Outro ponto observado também é que esses novos carregadores tinham muita facilidade para enferrujar.

O AKM-47 surgiu como uma arma para produção em massa, não como uma arma com novas características combativas.

Para contornar esse problema, os soviéticos decidiram usar carregadores de plástico de alta resistência no final dos anos 60. Ele tinha uma cor marrom alaranjado, era bem mais leve e bem mais resistente que os carregadores de alumínio. É por isso que vemos fotos e vídeos de AKM-47 pelo mundo com carregadores de alumínio e de plástico. Os de plástico não são uma gambiarra herdada do AK-74 e sim feitos antes do AK-74. A bem da verdade, o AK-74 herdou esses carregadores.

Oportuno dizer o uso do plástico com o tempo. Os primeiros AKMs usavam empunhadura de madeira. Novamente, visando tirar o peso do AK, eles optaram por usar a empunhadura de plástico, tal como o carregador anos mais tarde, numa cor marrom alaranjado. Além de ficar mais leve era mais barato de fazer. Outros países que fabricaram o AKM fizeram a empunhadura em plástico com outras cores também. AKMs com empunhadura de plástico preto não são soviéticos.

Aproveitando a vantagem do plástico, os soviéticos decidiram usar o plástico na coronha também. Mas a ideia não foi de toda feliz. Os AKM eram enviados a todos os rincões da URSS para testes em lugares quentes e frios, secos e úmidos. Quanto à leveza e resistência, foi ótimo e passou nos testes. Mas na usabilidade não foi assim.

Os primeiros AKM-47 tinham carregadores de alumínio e ausência de quebrachamas.

Em lugares quentes, a coronha em plástico tendia a esquentar muito. Em várias situações os soldados não podiam apoiar a face do rosto na coronha porque simplesmente queimava a cara do soldado ou tornava o tiro extremamente nada confortável. Em lugares frios com neve também tiveram problemas. Formava-se uma película de gelo fina e dura. Novamente os soldados não podiam apoiar a face do rosto, pois assim que apoiava na coronha, a face do rosto do soldado simplesmente colava na coronha. Algo surreal para uma condição de combate, para não dizer engraçado. Mais tarde descobriu que isso ocorria pela superfície do plástico. Muitos anos mais tarde esse problema foi solucionado com o AK-74 ao usar outros tipos de plásticos e superfícies.

Outra coisa nova foi o compensador do AKM-47, que praticamente se tornou icônico. O grande problema do AK-47 era a controlabilidade do fuzil em rajadas curtas. Uma forma de fazer frente a isso era a adoção do compensador. Notem que estamos em 1959 e já tentavam isso em 1946. Agora adotaram uma peça simples e pequena, que cabe frisar que somente atua como compensador e não quebrachama. Isso é um ponto negativo porque a distâncias maiores e de baixa luminosidade, o AKM-47 gera chamas que podem ser vistas pelo inimigo, que irá descobrir a sua posição e assim revidar fogo.

AKM-47. Os modelos posteriores passaram a receber um carregador de plástico e um quebrachamas.

Voltando ao compensador. Essa peça serve para que, durante os disparos, o cano da arma não levante muito, fazendo com que o soldado mantenha a visada do alvo. A bem da verdade, em teoria, porque na prática nem sempre isso ocorria. O compensador tinha um corte de 30º voltado para frente e à direita. Após o disparo, os gases, ao passarem pelo compensador, impeliam o fuzil para uma direção contrária ao corte de 30º. Ou seja, a arma levantava menos.

Visando justamente o controle do fuzil em rajas é que foi colocado no grupo do gatilho um dispositivo para redução da cadência de disparo. Mas na prática isso não funcionava porque o retrocesso e avanço do transportador do ferrolho era muito alto, o dispositivo pouco podia fazer. Isso funcionava mais como uma trava contra disparos acidentais do que um redutor de disparo porque o dispositivo funcionava com o ferrolho completamente fechado.

RPK. A metralhadora leve tinha um cano maior que, por sua vez, dava uma maior precisão.

Agora aqui é que mora um folclore sobre o AKM-47. Uma das maiores críticas ao AK-47 era a falta de controlabilidade do fuzil que, por sua vez, influenciava na precisão. Quanto maior o recuo, maior é a dispersão dos projéteis. Muita gente associa a palavra AKM de modernizado com maior precisão, na verdade isso não ocorre. O que ocorre é justamente o contrário. O AKM-47 é menos controlável e a precisão ainda é menor que o AK-47 porque, além da balística do 7,62 x 39 mm com um cano de 415 mm ser mediana para baixa, o cano, com o tempo, perdia precisão por causa da forma como era acoplado à caixa da culatra. O cano era preso na caixa da culatra por pinos e não por rosca. O uso contínuo fazia com que ele vibrasse mais entre os disparos, diminuindo a precisão.

O calibre 7,62 x 39 mm gera fortes pressões dentro da arma. Ao trocar a caixa da culatra forjada por uma de metal estampado por rebites, essas pressões são mais prejudiciais à arma porque ela é mais frágil internamente. Com o tempo de uso o AKM-47 se desgastava mais rápido por causa do material estampado na caixa da culatra e por causa do cano que era mais frágil, com uma menor vida útil. Outro fator ignorado era o peso. Toda e qualquer arma mais leve vai ter um recuo maior. O AKM, ao ficar mais leve, perde a capacidade de absorver parte do recuo em virtude do peso. O AKM tem um recuo maior e menos controlável se comparado com o AK-47 porque é um fuzil de mesmo desenho, de mesmo comprimento de cano e mais leve. Não existe mágica.

Muitas vezes a palavra “moderna” não significa ser melhor. O moderno no AKM era para o método de produção do que o projeto em si, já que ficou um pouco pior que o AK-47. É por isso que o AKM-47 sempre teve uma vida útil bem mais curta se comparada com o AK-47, que era um fuzil muito mais robusto. Basta ver que os países que usam o AKM-47 já descartaram os velhos e compararam novos enquanto que outros ainda usam o velho AK-47 porque é um fuzil robusto e durável.

AKMS-47.

AKM-47

Calibre: 7,62 x 39 mm
Comprimento total: AKM 880 mm
Comprimento total: AKMS 910 mm
Comprimento com a coronha dobrável: 650 mm
Comprimento do cano: 415 mm
Peso: 3,15 kg
Cadência de disparo: 600 dpm
Carregador: 30 cartuchos

 

Como funciona

Ao apertar o gatilho, o cão é liberado batendo no percussor. Este deflagra o cartucho, fazendo com que os gases que impelem o projétil entrem em um orifício. Ao passar por ele, os gases são dirigidos a um êmbolo situado acima do cano. Neste êmbolo tem um longo pistão que é ligado diretamente ao transportador do ferrolho. Os gases no êmbolo pressionam o pistão para trás; Ao fazer isso, pela inércia, o ferrolho é rotacionado para o lado esquerdo, fazendo com que os ressaltos estejam alinhados com as saliências da câmara do cano.

Ele é deslocado para trás, ao mesmo tempo em que ejeta a cápsula que estava na câmara do cano. A mola recuperadora empurra o transportador do ferrolho e pistão para frente, colocando um cartucho na câmara do cano. Neste momento, o ferrolho passa pelas saliências da base do câmara do cano, virando para o lado direito, travando o ferrolho na base do cano. Neste momento, o percussor está pronto para ser acionado novamente, reiniciando o ciclo.

 

Novos Equipamentos

Em meados dos anos 60, os soviéticos pensaram em como usar granadas disparadas pelo fuzil. O ocidente criava fuzis de assalto em que o fuzil disparava uma granada acoplada na boca do cano ou um lançador acoplado. O lançamento pela boca do cano tinha o lado positivo e negativo. O positivo é que todo soldado poderia disparar sua própria granada. O lado ruim é que para isso havia a necessidade de se usar um cartucho especial. Em outras palavras, ele tinha que retirar o carregador, acoplar o adaptador na boca do cano, colocar a granada, inserir um cartucho especial, disparar a granada (isso quando não havia que fechar o êmbolo dos gases), desacoplar o adaptador, trocar o carregador e voltar a usar munição normal.

Os soviéticos entenderam que seria melhor o uso de lançador de granada acoplado no fuzil. Pela doutrina deles, seriam necessários dois ou três lança granadas por pelotão que estariam permanentemente acoplados no fuzil. Isso facilitava muito a operação do fuzil, mas diminuía a quantidade de soldados aptos a disparar a granada. Em caso de combate e um deles é posto fora de combate, o pelotão perde um lançador de granadas.

Lançador de granadas OGP-40.

Diante dessa necessidade, para o AKM-47 foram feitos estudos para um lança granada. Os requisitos eram de que o alcance efetivo seria entre 40-400 metros. O calibre de 40 mm deveria ter 90% de chances de penetrar uma chapa de 30 mm de espessura quando o projétil incidia a 60º. Mais tarde eles alteraram para a incidência ser de 45º. Surge então o modelo OGP-40. Os testes não foram satisfatórios. A energia de recuo era muito alta. Por vezes a granada saía a alta velocidade, tornando-se imprecisa. As chances de penetração contra chapas de 30 mm eram de 30-50% ao invés de 90% conforme os requisitos.

Outro problema foi a ergonomia desse lançador de granadas. Ele era grande, pesado e ficava acoplado na parte dianteira do fuzil, na altura do cano e não do guardamão. Os soviéticos achavam que o soldado ainda usaria o guardamão em vez de apoiar a mão no próprio lança granada. Isso trazia um problema de distribuição do peso, fazendo com o que o fuzil puxasse para baixo pelo peso do lançador. Esse lança granadas foi abortado em 1970, mas serviu de base para anos mais tarde para o GP-25, que seria usado praticamente em toda família AK.

AKM-47 com o lançador de granadas GP-25.
AKM-47 com o lançador de granadas GP-25.

O GP-25 passou a ser pesquisado em 1974 e ficou pronto no final dos anos 70. O sistema era mais simples que o modelo anterior, mantendo o mecanismo de ação dupla. No próprio corpo do lançador havia uma mira no lado esquerdo, com alcance máximo de 400 metros. Isso é um grande contrassenso porque o alcance efetivo das granadas não passava de 150 metros. Após lançada a granada, havia um dispositivo de tempo nela que a detonava caso não impactasse com o alvo. Esse modelo foi emprego em grande escala já que era mais barato de produzir que o modelo OGP-40.

AKMS-47 NSP-3.

Os soviéticos também introduziram no AKM-47 mira noturna em meados dos anos 60. Foi inserida a mira noturna NSP-3. Ela tinha um alcance máximo de 250 metros e isso dependia da luminosidade natural do ambiente. Quanto mais escuro, menor era o alcance efetivo. E não era nada leve. O sistema com a bateria pesava 2,7 kg. Como usar uma mira noturna com uma arma que teria chamas na boca do cano? Lembremos que o AKM-47 tinha um compensador e não um quebrachamas. Para isso eles fizeram um quebrachamas especial para o uso dessa mira. O alcance de 250 metros era puramente teórico. Na prática o alcance efetivo era de 100 metros.  A mira noturna NPSU foi uma versão melhorada do modelo anterior.

AKM-47 com a mira NSPU.
Essa é imagem no visor da NSP-3. Na prática, o alcance não passava de 100 metros. Em condições ideais o alcance efetivo não passava dos 50 metros.

Também foi desenvolvido um silenciador para o AKM-47. Em 1962 queriam esse dispositivo para as tropas de reconhecimento e sabotagem. O silenciador PBS1 era menor que os modelos ocidentais, mas mesmo assim os soldados gostavam porque além de diminuir o estampido do disparo, ele também funcionava como quebrachamas.

AKM-47 com o lançador GP-25 e com o silenciador PBS1.

O mais curioso foi um modelo do AKM-47 de 1964 com sistema de amortecimento do recuo. Esse modelo era puramente experimental. Em cima do fuzil havia uma caixa com dois sistemas rotativos lado a lado. Cada sistema rotativo era impulsionado pelos gases da deflagração do disparo. Isso fazia com que cada sistema rotativo rodasse em direções diferentes, puxando a energia do recuo para frente, fazendo, ao mesmo tempo, o amortecimento do recuo. Esse modelo foi único para fins de pesquisa.

Protótipo para estudos de amortecimento de recuo.

 

Sucesso de Vendas

À medida que o fuzil ia sendo produzido na URSS e em outros países, novos aprimoramentos foram feitos na produção do AKM-47.

Soldados soviéticos treinam com o AKM-47.

Em 1955, foi criado o Pacto de Varsóvia, a resposta soviética para a OTAN criada em 1949. Isso significava um maior comprometimento em fornecer armas não só para a URSS, mas para os outros países da sua esfera. Depois da crise dos mísseis de Cuba em 1962, o atrito entre as potências apenas aumentou, o que tornava urgente a necessidade de armar os exércitos o mais rápido possível em um tempo menor a custo menor ainda.

Kalashnikov conversa com soldados soviéticos sobre o AKM-47.

O rápido aumento na produção do AKM-47 não teria acontecido se não fosse a Áustria. Muita calma nessa hora já que não é um devaneio conspiratório. Em 1971 a URSS comprou da Áustria novas máquinas de produção industrial. Essas máquinas serviram de base para um novo maquinário soviético, pois a URSS acabou por copiando elas em escala industrial. Essas novas máquinas fizeram praticamente uma revolução na produção do AKM-47. Produzia-se mais em menor tempo a um custo menor. Era tudo o que eles queriam.

Soldados com a versão inicial do AKM-47. Note a ausência do compensador.

Muitos processos passaram a ser automáticos. Outros processos tiveram uma diminuição no nº de procedimentos manuais, o que agilizava e barateava a produção. Um exemplo é o cano do fuzil. Antes, ele passava por vários processos de fabricação, o que gerava muitas vezes canos defeituosos que eram descartados. Com as novas máquinas o processo de produção do cano passou a ser automático, eliminando as chances de canos tortos ou irregulares. O custo e o tempo caíram para a produção de um cano.

Só para comparação. Até 1971, era necessário 22 horas para produzir 1 AKM-47. Após 1971, era necessário 15 horas para o mesmo fuzil. A partir de 1971, a produção do AKM-47 teve praticamente um boom. A título exemplificativo. De 1959 a 1975, a URSS produziu 10.278.000 AKM-47. Desse nº, entre 1971 e 1975, foram feitos 3.960.000 AKM-47.

Soldado romeno opera a RPK.

Com o tempo os países do bloco socialista receberam também esse maquinário para que o AKM-47 também fosse feito, aumentando ainda mais as exportações pelo mundo. Para difundir ainda mais, países que não eram do Pacto de Varsóvia também receberam autorização de outros países para que também o fabricassem. É a velha máxima da economia, onde há grande oferta, os preços são baixos. Isso fez com que o AKM-47 fosse feito praticamente em todos os continentes a preços muito baixos. Isso fez com que mais de 100 (cem) países comprassem o AKM-47. Principalmente por países pobres que não podiam arcar com as armas ocidentais, que eram muito mais caras (com uma qualidade superior). Desta forma vemos o AKM-47 em todas as guerras e conflitos do pós 1960. E com toda certeza do mundo, ainda veremos esse fuzil por mais 50 anos. Não duvidem disso.

Marinheiro soviético com o AKM-47 da 1ª versão.