L85 – Origens

Bloody Hell!!! Essa interjeição era a que mais se ouvia dos soldados ingleses quando usavam o L85. O SA80 se mostrou como o programa fuzil de assalto mais problemático da história dos fuzis de assaltos modernos. Ele começou errado, amadureceu errado e só foram perceber isso quando já passava da metade da sua vida útil. Se o orgulho inglês havia sido atacado com o cancelamento do E.M.2, o SA80 foi uma morte lenta e dolorosa para a moral inglesa. O programa SA80 foi a prova cabal que decisões políticas amparadas por orientações inexperientes de engenheiros somente tendem a fazer um fracasso. Pior, um fracasso que poderia por em risco a vida do próprio soldado ao não poder se defender. No final de sua vida útil é que o L85 chegou a um patamar do mínimo aceitável, graças à ajuda de engenheiros que não eram ingleses. Infelizmente o SA80 foi o último fuzil inglês.

 

Origens

A adoção do calibre 7,62 x 51 mm como calibre padrão OTAN literalmente foi uma imposição norte americana. Na época a Inglaterra já tinha oferecido um calibre intermediário para concorrer como calibre padrão OTAN, o .280. O calibre não era ruim, pelo contrário, tinha uma ótima balística e um recuo menor, o que permitiria disparos mais precisos e maior controle em rajadas curtas, algo que se espera de um autêntico fuzil de assalto. Esse calibre recebeu um amplo apoio da Bélgica pela FN, pois o calibre era ideal para os projetos novos como o FAL, que ainda estava em fase de desenvolvimento. Os ingleses então apostaram no .280 com o E.M.2.

Entretanto, os americanos não queriam um calibre mais leve, embora leve, o .280 ainda tinha uma maior energia do que calibres como 5,56 x 45 mm ou 7,62 x 39 mm. Para tanto eles queriam o 7,62 x 51 mm por acreditarem que seria necessário um calibre com maior potência e maior alcance, como fazia o 30-06. A bem da verdade, o 7,62 x 51 mm é praticamente uma miniaturização do 30-06 já que o uso de novos propelentes fez diminuir o tamanho da cápsula sem perder a energia. Uma vez decidido que o calibre OTAN seria o 7,62 x 51 mm, não restou aos países membros a não ser adotar esse calibre em suas plataformas. Este calibre nunca gerou nenhum fuzil de assalto, indo de encontro aos paradigmas que os alemães criaram na 2ª Guerra Mundial.

L1A1 em sua variante inicial.

Mal a Inglaterra tinha adotado o FAL como L1A1 em 7,62 x 51 mm que logo os americanos surgiram com o 5,56 x 45 mm, fazendo sua estreia no Vietnã. Pior ainda, os membros da OTAN viram uma escalada do uso do 5,56 x 45 mm pelos americanos em detrimento do 7,62 x 51 mm. Isso acontecia justamente em um momento em que vários países da OTAN ainda recebiam seus fuzis em 7,62 mm OTAN. A Inglaterra, ainda na metade dos anos 60, já estudava e notava que o FAL duraria, no máximo, até a metade dos anos 80. Falando aqui da arma em si e não do calibre.

A par disso, a Inglaterra não estava completamente satisfeita com o 7,62 mm OTAN. Estudos feitos nos anos 50 mostraram que os combates aconteceriam em distâncias de até no máximo 300 metros. E para isso o 7,62 mm OTAN se mostrava um calibre excessivo, com energia e alcance de sobra. O calibre, por ser mais forte, gerava um recuo que tornava difícil a precisão em disparos consecutivos. Ainda mais, o controle em rajadas curtas era praticamente impossível em virtude do excessivo recuo. Levando em conta que os combates seriam feitos a distâncias de até 300 metros e que, em virtude de uma possível guerra entre OTAN e Pacto de Varsóvia, os combates aconteceriam também em regiões urbanas, onde os combates aconteceriam em distâncias ainda menores. Estava claro que um novo calibre deveria ser usado, um calibre mais leve e mais controlável.

Soldado inglês nas Malvinas com o M16. Os ingleses já tinham alguma experiência com o 5,56 x 45 mm.

Os ingleses então enxergam a possibilidade de unir o útil ao agradável. Desenvolver um novo fuzil, desta vez um fuzil de assalto, que substituísse 3 armas. O FAL, a submetralhadora Sterling e a FN MAG. Além disso, também desenvolveriam um novo calibre para essa nova arma, um calibre que fosse mais leve e permitisse o controle em rajadas curtas. Esse calibre, entretanto, teria um desempenho um pouco maior que o 5,56 x 45 mm uma vez que os ingleses queriam maior alcance em regiões desérticas e em grandes campos.

 

Um longo desenvolvimento

Em 1970 os ingleses lançam o programa chamado EWS – Enfield Weapon System. Esse estudo visava ver qual tipo de arma seria usada, qual calibre seria usado, quais os formatos e quais os layouts poderiam ser analisados. Não só isso, se formulava quais as distâncias de engajamento, quais os desempenhos que poderiam esperar de uma futura nova arma. Ficou decidido que a arma seria operada a gás. O trancamento do ferrolho seria dado por ferrolho rotativo por vários ressaltos. Ainda mais, a arma teria de ter o sistema de burst de 3 disparos. O calibre deveria algo ao redor de 5 mm e, diante disso, duas armas seriam pesquisadas. A IW Individual Weapon (arma individual) e LSW Light Support Weapon (arma leve de apoio).

O layout do fuzil foi pesquisado com cuidado. Primeiro, estudaram o modelo convencional, com o carregador à frente da empunhadura. Foram pesquisados os formatos em linha reta e linha curvada. O problema era que os ingleses queriam uma arma para substituir uma submetralhadora também, além do mais, uma versão carabina seria necessária no futuro. Como forma de padronizar o armamento e reduzir custos, ficou decidido o modelo bullpup, onde o carregador fica atrás da empunhadura. Isso permite uma arma de menores dimensões, substituindo várias sem a necessidade de armas diferentes para o mesmo fim. Isso agilizava não só o treinamento como barateava os custos de produção. Foram analisados bullpups em linha reta e com a caixa da culatra curvada, como um fuzil convencional. Ficou decidido que a linha reta seria melhor, já pela experiência que os ingleses tiveram com o E.M.2.

Modelos conceituais do EWS. Ao lado esquerdo, o de configuração reta e ao lado direito o de configuração curva.

Também ficara decido o uso de uma mira ótica. A mira ótica, já testada e aprovada pelos ingleses quando do programa E.M.2, não visa uma arma de precisão ou à função DMR. No contexto do programa inglês, a mira ótica visa aumentar as chances de probabilidade de acerto do 1º disparo. Isso dá uma maior vantagem tática contra o inimigo, assim como expõe menos o soldado ao fogo inimigo.

Em 1972 a Enfield prepara modelos conceituais dos fuzis, modelos sem mecânica alguma, apenas para demonstrar o conceito. Esses modelos eram feitos de madeira, plástico e metal. Além de modelos convencionais, foram feitos dois modelos de bullpups. Um deles tinha a linha reta, em que o cano está na mesma altura do ombro do soldado. Isso fazia com que a mira ficasse mais alta. Outro modelo de bullpup tinha a caixa da culatra curvada, como uma coronha normal. Isso fazia com que a mira ótica ficasse mais baixa em relação à caixa da culatra. Esses modelos tinham um carregador para 20 cartuchos e comandos no lado direito, como a alavanca de manejo, a janela de ejeção e o retém do carregador.

Foi apresentado nesse modelo um seletor para um burst de 3 disparos. O burst tinha como meta aumentar a precisão do fuzil. Ocorre que rajadas tendem a fazer o cano levantar, mesmo em calibres mais leves como o 5,56 x 45 mm. Com o burst de 3 disparos, o cano não subiria tanto em disparos automáticos porque, assim que começasse a subir, a rajada seria cortada após o 3º disparo. O burst não tinha a finalidade de aumentar a probabilidade de acerto no 1º disparo, assim como não tinha a finalidade de economizar munição, como fizeram os americanos com o M16A2.

Modelo do EWS feito de madeira. A configuração era de linha reta.

Um dos pontos mais escuros da história da gênese do SA80 vem agora. No começo dos anos 70, a Sterling estava produzindo sob licença da ArmaLite o AR-18. A Enfield conseguiu de algum modo algumas partes desses fuzis para fazer os seus protótipos de um fuzil bullpup. Entretanto, essa aquisição não foi legal, foi por meios obscuros. Tanto é que os protótipos têm suas marcações raspadas, para não identificar a origem dessas peças, que eram da Sterling. Em 1978 um dos diretores da Enfield quis visitar a fábrica da Sterling para ver como eram os AR-18 em testes. A bem da verdade, a visita visava descobrir quais máquinas e sistemas eram usados na produção do AR-18 para então descobrir no mercado civil maquinários semelhantes para que a Enfield pudesse dar continuidade ao seu programa.

Modelo do EWS feito de madeira. A configuração era de linha curva

Sem a menor sombra de dúvida, o modelo Enfield foi completamente ilegal. A conversão do AR-18 era algo feito de forma muito espartana. As peças eram moldadas e soldadas sem seguir um gabarito. O problema a ser solucionado era o gatilho. Como o protótipo era um bullpup, o gatilho seria posicionado muito mais à frente da caixa da culatra. Para tanto, havia que ter uma grande haste que ligasse o gatilho ao grupo do gatilho situado atrás, na caixa da culatra. Para que a arma pudesse ser disparada, uma haste é colocada, onde sai da caixa da culatra e depois entra novamente, logo atrás do carregador. 

Modelo AR-18 adaptado. Note a haste que sai da caixa da culatra e entra na seção do grupo do gatilho atrás do carregador.

Outra arma adaptada foi um modelo de fuzil de assalto Stoner M63. Esse modelo, assim como o modelo AR-18, tinha a intenção de ver como seria a adaptação de um modelo bullpup para esse sistema. O modelo não tinha guardamato e, assim como o modelo anterior, havia uma haste externa que ligava o gatilho ao grupo do gatilho. Esse modelo só serviu como parâmetro de viabilidade do sistema Stoner, onde os ingleses não gostaram muito e optaram por seguir o modelo do AR-18.

Stoner M63 adaptado. Note a pequena mira ótica de 1x.

Cabe mencionar que a Sterling, ao ver seu concorrente usando o seu produto como base para um protótipo de arma, não perdeu a chance de aparecer. A Sterling, com base no seu AR-18 legalmente produzido sob licença da ArmaLite, também apresenta uma versão bullpup do AR-18. Em um acabamento e desenho técnico muito melhor, mostrava que a Sterling poderia fazer um protótipo de melhor qualidade. Esse modelo não passou da fase de mockup.

Modelo proposto pela Sterling. Note que não há ligação do gatilho com o grupo do gatilho.

Estabelecido o modelo bullpup, os ingleses estipularam mais alguns requisitos. O calibre adotado deveria ser o novo 4,85 x 49 mm ainda na fase de testes. A mira ótica deveria ser como a SUIT ou uma equivalente mais moderna. Além da mira ótica a arma deveria também usar mira noturna. O lançamento de granadas de boca também seria necessário. Cabe mencionar que os ingleses raramente treinavam o lançamento desse tipo de granada. E olhando os modelos inertes dos bullpups, os ingleses queriam que a janela de ejeção pudesse ser alterada para a esquerda caso o soldado fosse canhoto.

Em 1972, 12 protótipos foram feitos. Era a linha XL60. Usando o calibre 4,85 mm, os carregadores tinham capacidade para 20 cartuchos, seguindo ainda a mesma doutrina do FAL. O retém do carregador ficava no lado direito do fuzil, acima do carregador e a trava do fuzil tinha um formato diferente. Acima do guardamato havia um botão que, apertado do lado esquerdo, travava a arma. Ao apertar do lado direito, a arma ficava pronta para o disparo. Isso fazia com que o seletor ficasse mais atrás, na caixa da culatra, com a opção de semi, auto e burst de 3 disparos. Nos testes os ingleses gostaram do sistema de burst, pois era uma forma mais precisa e econômica de usar a arma em pequenas rajadas.

Primeiro protótipo do EWS. O XL60.

Já o modelo LSW tinha a mesma configuração. Entretanto, havia uma diferença. A arma, quando selecionado o regime semiautomático, disparava com o ferrolho fechado. Entretanto, quando selecionado auto ou burst, a arma disparava em ferrolho aberto. Com o ferrolho aberto, o ferrolho fica travado atrás na caixa da culatra, deixando a janela de ejeção aberta a cada disparo. Isso faz com que o ar circule entre o cano e a janela de ejeção, ajudando para o resfriamento do cano. Entretanto, os ingleses também fizeram alguns modelos ainda no calibre 5,56 x 45 mm M193 como comparativo. Em 1974 os ingleses viram que o calibre 4,85 mm supria as necessidades. A mira SUSAT era satisfatória e as armas eram precisas quando disparadas em semiautomático.

Os testes mostraram que o LSW foi considerado limitado quando usado em fogo sustentado. Ocorre que a arma tendia a esquentar muito. Como não havia um dispositivo de troca rápida de cano, a arma esquentava com muita rapidez. A alta temperatura limitava o fogo sustentado porque muitas vezes o soldado tinha que esperar a arma esfriar para usar novamente. Além disso, a alta temperatura constante do cano diminuía a vida útil do mesmo, com maior corrosão e deformação de sua alma. Nesse mesmo ano os ingleses estabelecem que o fuzil deveria ser o IW para substituir o FAL e a submetralhadora Sterling enquanto que o LSW substituiria o MAG. As armas, em geral, deveriam ser leves, fáceis de usar e simples de treinar os soldados, usando uma mesma plataforma.

XL60 em avaliação.

Em 1975, mais 12 protótipos foram feitos e algumas alterações foram realizadas. O Guardamato e empunhadura ganham um novo formato e um quebrachamas é adicionado diretamente na boca do cano em uma peça soldada. O seletor de disparo passa a ter um novo formato e o retém do carregador passa agora para o lado esquerdo. É retirado o sistema de burst de 3 disparos. Ocorre que burst tornava o grupo do gatilho mais complexo e, por sua vez, mais caro de produzir. A vantagem era mínima a ponto de valer o gasto, já que soldados treinados conseguem realizar rajadas curtas controladas.

Um dos protótipos do LSW tinha um sistema para a troca rápida do cano. Esse sistema consistia em uma tecla atrás da empunhadura. Acionada, ela liberaria a base de apoio do cano, onde o soldado teria de destacar o cano em um movimento rápido e simples. O sistema de troca de cano funcionava, porém, ia de encontro aos ditames dos ingleses. Eles acharam que esse sistema tornava a arma um pouco mais pesada, assim como aumentavam os custos de produção. O que era no mínimo irônico já que os primeiros protótipos mostravam que a arma tendia a esquentar mais rápido do que o devido e esse sistema permitia a troca rápida do cano sem perder a função de fogo de apoio da arma.

XL64E5.

Em 1976, mais um pequeno lotes de fuzis é feito. Com base no lote anterior, algumas modificações foram feitas e novos modelos foram feitos. XL64E5 – Fuzil de assalto para destro. XL68E2 – Fuzil de assalto para canhoto. XL65E4 – Metralhadora leve para destro. XL69E1 – Metralhadora leve para canhoto. É algo estranho, porque ao lançar armas para canhotos e destros, estava claro que não haveria nenhuma possibilidade de conversão das janelas de ejeção. E mais estranho ainda é que nenhum exército até então havia feito armas para destros e canhotos.

A trava da arma ganha novo formato. Fica na mesma posição, mas deixa de ser um botão de apertar. No lado esquerdo é adicionada uma grande tecla para ser acionada pelo 1º dedo. Pode ser mais prático para o destro mas para o canhoto era terrível. Com a mão esquerda, ao colocar o 2º dedo no gatilho, era comum o soldado bater o dedo na trava (no lado esquerdo) e acionar ela sem querer. Desnecessário dizer que mais tarde essa trava foi abandonada, voltando ao modelo anterior. Também é alterado o retém do carregador, que passa a ficar atrás do carregador, como no E.M.2, tornando o retém ambidestro.

Note a trava do fuzil. Para soldados canhotos era um problema porque muitas vezes o 2º dedo esbarrava nela na hora de empunhar a arma.

A mira SUSAT era uma versão mais nova. Ocorre que essa mira ainda estava em desenvolvimento. Levando em conta as queixas dos modelos anteriores, caso a mira SUSAT ficasse inoperante, os soldados não tinham como mirar o fuzil. Então foi adicionada uma massa de mira rebatível e uma alça de mira destacável, que ficava acondicionada dentro da empunhadura.  Essas miras eram para emergência. Como as armas tendiam a esquentar o guardamão, foi adicionada uma manta térmica em volta do cano para dissipar o calor. O regulador de gás passa a ter 3 posições, normal, condições adversas e fechado, este para o lançamento de granadas de boca. A versão IW e LWS tinham 80% de comunalidade de peças.

Um dos problemas iniciais destes protótipos era a forma como o metal era estampado. Esse tipo de estampagem exige ângulos retos para que a arma tenha maior rigidez e durabilidade. Entretanto, algumas partes da caixa da culatra eram estampadas em um ângulo mais arredondado. Isso era um problema porque com o tempo essa chapa tendia a se deformar levemente. Ocorre que na parede das chapas havia outras partes do desenho técnico, por exemplo, a guia do transportador do ferrolho era na parte interna da caixa da culatra. Imagine um trilho interno onde o transportador se locomove. Se com o tempo essa parte entortava, a guia do transportador também entortava, ou seja, era praticamente impossível usar o fuzil nessas condições. Por mais robusto que fosse o transportador do ferrolho, a guia dele, ao entortar, não fazia a arma ciclar já que tirava o trilho do transportador e ele ficava solto dentro da arma.

Outro ponto deveras interessante era que a OTAN iria começar os testes para um novo calibre padrão para os países membros. E os ingleses queriam disputar com o 4,85 mm nas plataformas IW e LSW. Entretanto, o fuzil apresentou vários problemas que não foram corrigidos a tempo já que poucas unidades foram feitas e, em cima delas, poucas alterações de projeto foram feitas para melhorar. A Inglaterra entrava nessa disputa com uma arma incompleta e limitada. Isso seria um grande problema porque, com a arma nesse patamar, não teria como mostrar todas as qualidades do 4,85 mm que por ventura poderiam mostrar aos países membros da OTAN, justamente em um momento em que usavam um calibre já comprovado (5,56 x 45 mm), assim como usavam armas com base em projetos já amadurecidos e reconhecidos como plataformas estáveis.

XL65. Note o bipode estendido. A princípio seria de série.

O programa de seleção para o novo calibre começa em 1976 para quer fosse adotado pela OTAN. Alguns países o usariam como calibre principal e outros como um calibre subsidiário. De uma forma ou de outra, a meta era substituir o 7,62 x 51 mm. Os países que participaram foram: Alemanha Ocidental com o G11 4,7mm; Bélgica com o FNC 5,56 x 45 mm; Estados Unidos com o M16A1 5,56 x 45 mm; França com o FAMAS 5,56 x 45 mm; Holanda com o NM1 (cópia do Galil) 5,56 x 45 mm e Inglaterra com o IW 4,85 x 49 mm.

Como era de se esperar, ganhara o 5,56 x 45 mm feito pela FN, o SS109 (SS110 traçante). Isso se dava porque, praticamente, todos os outros países já faziam armamento no calibre 5,56 x 45 mm e a logística era muito melhor com ele. Além do mais, o calibre inglês tinha se mostrado muito bom. Entretanto, os poucos pontos superiores ao 5,56 x 45 mm não faziam valer a pena a troca de todos os calibres por um modelo que não tinha escala de produção e logística. Desta forma era mais rápido e menos custoso adotar o novo 5,56 x 45 mm SS109, com um projétil de 62 grains e com núcleo de aço, o que gerava um projétil mais estável, com maior alcance e maior energia e penetração.

Nessa avaliação de calibres pela OTAN, o IW serviu de base de testes para o calibre inglês. Isso significa dizer que o fuzil IW também fora testado. E nos testes ele se saiu de forma insatisfatória. Era claro e notório que deveria ser feita uma revisão da arma sem alterar os conceitos principais dela. Em 1979, foi feita uma relação de todos os problemas observados no IW e não foram poucos. Com os disparos o cano tendia a se danificar, gerando irregularidades na alma do cano que por sua vez geravam mais panes. Outro problema observado foi a falha da extração, onde o extrator não tirava a cápsula da câmara do cano, isso se dava porque o extrator não tinha uma área de contato correta com a base do cartucho. Também ocorriam falhas de ejeção, muitas vezes a cápsula ficava presa no ejetor, outras vezes, mesmo extraída do cano, ficava dentro da caixa da culatra.

Soldado treina com o XL65.

Outros problemas observados eram as constantes falhas de disparo em virtude do grupo do gatilho. Muitas vezes a arma simplesmente não disparava porque o cão não se movia. Outras vezes, o cão se movia, mas não batia com força no percussor, não gerando disparo. Outras vezes a arma estava no semiautomático e quando o soldado apertava o gatilho, a arma dispara em automático. Isso se dava pelo acúmulo de sujeira dentro da arma, fazendo com que as partes do grupo de gatilho se desgastassem prematuramente. Além disso, ainda ocorriam problemas de alimentação. Muitas vezes ocorria a dupla alimentação, quando o ferrolho tentava colocar um cartucho a mais quando já tinha um cartucho na câmara do cano. Outras vezes o carregador não funcionava corretamente, não movendo o cartucho.

Os testes mostraram além de todos esses problemas, os índices de panes. Dos 66.000 disparos realizados, ocorreram 679 panes, o que dá uma média de 98 disparos a cada pane. Para um protótipo, isso já era de se esperar. Para uma arma em fase de criação, completamente normal. Para uma arma conceito, praxe. Entretanto, o lote de 1976 era o lote que seria o modelo básico de produção em série para as primeiras entregas ocorrerem em 1980, sendo que o ano era 1979. Para um lote de pré-série, esses resultados eram completamente inadmissíveis. Isso fez com que os ingleses sugerissem o redesenho de várias partes da arma para correções.

Soldado posa com um XL60 e um L1A1. Note o tamanho e volume de ambos fuzis.

O fuzil ainda contava com o calibre 4,85 mm mesmo sabendo que, fatalmente, o 5,56 x 45 mm seria selecionado. O cano deveria aguentar o mínimo de 7.000 disparos e o carregador do fuzil deveria ter uma capacidade maior para 30 cartuchos. Seria desejável que a arma tivesse um retém do ferrolho para agilizar a troca de carregadores e informar ao soldado quando a munição acabou. A mira SUSAT deveria ser melhorada quanto às graduações em suas distâncias. Em virtude do layout bullpup, a distribuição do peso ainda não estava satisfatória e esse requisito deveria ser revisto. Visando uma racionalização dos custos e do tempo de produção, o IW e LWS deveriam ter o mesmo mecanismo de disparo. Entretanto, ficou mantido o disparo com ferrolho aberto em automático e ferrolho fechando em semiautomático.

Se levarmos em conta todas as alterações e correções necessárias, veremos que isso exigiria mais tempo e dinheiro. Há toda uma revisão do desenho técnico para que se volte à fase de protótipos. Entretanto, surge um agravante. A OTAN já dava sinais de que o calibre 5,56 x 45 mm seria selecionado como o calibre padrão da OTAN e assim, novas alterações técnicas deveriam ser feitas já que a arma trabalharia com dimensões e valores de energia diferentes. Ou seja, mais gastos e mais tempo. Diante disso, para não perder tempo, em julho de 1981, 10 protótipos são feitos no calibre 5,56 x 45 mm M193 para testes preliminares.

Ainda em 1980 o programa do fuzil denomina a arma como Small Arms for 1980s – SA80. Nesse ano, três modelos são feitos para ver como seria o processo de produção em massa. Esses modelos serviam como base para ver como seria feita a linha de montagem visando uma produção simples e mais barata. Trata-se do lote XL70. A maior diferença visual fica quanto ao formato da caixa da culatra. Ela passa a ser quadrada, de linhas retas. Isso dava maior resistência à arma, assim como prevenia que as paredes entortassem, interferindo nos trilhos internos que pudessem desalinhar as partes internas da arma, evitando assim mais panes. Esse formato é o que mais se parece até a versão final.

XL70.

O quebrachamas do fuzil tem um novo formato de gaiola, não sendo mais soldado diretamente na boca do cano. Um novo sistema de gás fora feito, com um diâmetro um pouco maior e o guardamão passa a ser uma peça única, dando maior resistência já que em duas partes tendiam a se soltar. Outra diferença é que da caixa da culatra sai um fosso para o carregador. Isso dá maior resistência e apoio ao carregador e as miras de emergência são retiradas e novas são feitas, em metal. A alça de mira é levantada e serve como alça de transporte, como o antigo E.M.2. E a massa de mira também é acoplada na altura do êmbolo de gás. Entretanto, apesar dessas alterações, os testes de campo mostraram que as panes aumentavam e agora havia problema de precisão. Isso fez com que a arma fosse revista e a entrega de quantidades maiores para avaliações foi postergada para outubro de 1981.

Essas armas, até então, eram feitas em calibre 4,85 mm. Entretanto, com o novo lote da família XL70 essas armas são feitas em calibre 5,56 x 45 mm M193. Isso faz o carregador ser aumentado para 30 cartuchos. Uma alteração interna foi a haste guia e mola recuperadora. Agora, ao invés de duas hastes guias com duas molas recuperadoras, passa a ser uma haste guia e uma mola recuperadora. Os trilhos internos agora são separados das paredes da caixa da culatra, para evitar qualquer interferência de deformação. Entretanto, uma alteração da LSW foi muito criticada. A arma disparava tanto auto como semi sempre em ferrolho aberto. Isso era um problema porque a precisão caía muito quando o soldado disparava em semi.

Em 1981 começa mais uma bateria de testes com essas armas. O resultado foi completamente negativo. O ferrolho tendia a quebrar com frequência, onde fissuras aumentavam de tamanho até quebrar. O percussor quebrava com facilidade. Em temperaturas muito baixas, o cano tendia a criar fissuras e abrir com o tempo de uso. A LSW mantinha uma péssima precisão em virtude do uso de ferrolho aberto durante os disparos. A versão IW em 5,56 x 45 mm M193 teve uma versão para com a janela de ejeção no lado direito para destros, o XL70E3. E o modelo XL78E1 tinha a janela de ejeção no lado esquerdo para canhotos. A versão LSW não tinha versões para canhotos porque achavam que não haveria demanda para uma versão canhota da arma.

XL70. Note a baioneta acoplada em forma de luva.

Em 1983 uma nova bateria de testes é feita com novas versões. O IW XL70E3 passa a usar a munição definitiva, o 5,56 x 45 mm OTAN. Para tanto, o passo de raiamento do cano passa a ser de 1:7 já que antes o passo era de 1:12 em virtude da munição M193. E novamente, mais falhas acontecem. Na maioria dos casos o ferrolho não fechava com qualquer sujeira na arma. Acima dos 300 metros a dispersão era muito grande, o que aniquilava a precisão da arma. Muitas vezes, por instinto de uso, o soldado tinha que mirar um pouco acima do alvo para compensar o desvio. Outro problema frequente era a ejeção das cápsulas. Muitas vezes não eram ejetadas, outras vezes ejetadas na face do soldado mesmo destro. Quando submetidas a sujeira, as armas se mostravam muito frágeis. Nos testes de areia, pó e lama, as panes eram constantes e com o tempo a arma apresentava muitos pontos de ferrugem.

A LSW é alterada e passa a disparar somente com o ferrolho fechado. Por um lado, aumentou muito a precisão da arma, embora ficassem além do mínimo exigido. Por outro lado, com o ferrolho fechado, a metralhadora leve tendia a esquentar muito rápido e, sem a troca de canos, o soldado tinha que esperar a arma esfriar para voltar a usar. Os testes de temperatura mostraram que o efeito cookoff acontecia, em média, após 340 disparos contínuos. O grupo do gatilho do IW e LSW fora refeito para ser o mais simples possível. Isso mais tarde mostraria ser um dos vários problemas do fuzil. E mais uma vez, a posição do retém do carregador é alterado. Ele deixa de ser atrás ambidestro atrás do carregador e volta a ser do lado esquerdo da arma.

A situação com o LSW não era nada fácil. Os atrasos, as panes e o péssimo desempenho fizeram uma reavaliação do programa. O que fazer? As 3 opções eram. A 1ª opção seria ver no mercado internacional qual arma da mesma categoria poderia ser comprada e até mesmo produzida sob licença. Também haveria um pequeno atraso para a avaliação das armas que na época eram o AUG, o HK13 e a FN Minimi. Esta opção foi logo descartada. Muito se alegou na época que a padronização seria arruinada, que a cadeia logística de peças poderia ser um problema ou que haveria problemas de licença de produção.

XL70E3. A versão metralhadora leve de apoio.

Impera dizer também que esta opção foi descartada porque seria a humilhação final para a Inglaterra ter de comprar uma metralhadora leve após uma década de desenvolvimento. A 2ª opção, voltar aos desenhos técnicos e refazer a arma por completo, partindo para um novo projeto LSW. Isso seria um problema maior ainda porque isso, além de atrasar todo o programa, ainda exigiria mais dinheiro e tempo de pesquisa e desenvolvimento que a Enfield não tinha. Se o programa estava atrasado e o dinheiro contado, onde tudo era feito para reduzir os custos, partir para um modelo novo seria impensável.

A 3ª opção, parar o LSW e dar mais tempo à equipe de engenheiros para que reformulassem e corrigissem todos os problemas da arma. Isso fatalmente geraria um atraso no programa. Entretanto, seria a opção mais barata e ajudaria a salvar o orgulho do errático programa. Para tanto, os pontos principais a serem alterados seriam um cano maior para amortizar parte do recuo e aumentar a durabilidade do mesmo. Diminuir a cadência de disparo para que a dispersão não fosse tão alta. Aumentar o peso da arma em 2 Kg para absorção do recuo e maior rigidez e, sem explicação, queriam tirar o regime semiautomático para simplificar o grupo do gatilho.

Algumas dessas modificações foram feitas e outras foram criadas no momento da conversão. Por exemplo, foi adicionada uma empunhadura traseira para a mão esquerda, isso daria maior apoio e firmeza que poderia, em tese, diminuir a dispersão e, assim, aumentar a precisão. Também foi adicionado um apoio para o ombro, visando distribuir parte do peso da arma no ombro do soldado, como forma de equilibrar melhor a arma. Mas os testes não tiveram sucesso. A arma foi considerada ruim na precisão em disparo semiautomático. Em automático aumentou pouca coisa. O índice de panes ainda era alto, assim como a dispersão ainda continuava alta. Isso fez surgir nas tropas medo de usar essa arma em combate em virtude dos vários problemas que tinha. Desta forma, novas modificações seriam necessárias.

Em 1984 surge o protótipo XL73E3. Essa versão da LSW tinha um novo percussor mais resistente e um novo extrator no ferrolho para evitar as panes de extração. A arma tinha uma nova empunhadura traseira, novo apoio para o ombro e um novo bipode que era acoplado a uma base de metal que se estendia do guardamão até o quebrachamas. Mesmo assim, a arma tinha problemas de percussores quebrando e grande dispersão dos projéteis. A arma foi anunciada como apta para entrar em produção em massa. O que se mostrou um grande erro.

Soldado dispara o XL70E3.

Com base nos modelos finais do lote XL70, um novo lote de modelos protótipos foi feito em 1985, o IW XL85E1 e o LSW XL86E1. Essas armas também apenas disparavam com o ferrolho fechado. E, assim como antes, algumas outras alterações no projeto foram feitas para que se barateasse e agilizasse a linha de produção. Embora tendo reformulado algumas partes, o XL85 foi comparado com os modelos do lote XL70. Ficou claro que a arma ainda tinha vários problemas que não foram corrigidos e outros que não foram observados antes.

O comprimento do fuzil tinha ficado maior que o estipulado inicialmente. Além disso, o peso do fuzil também passou dos limites estabelecidos. O fuzil estava ficando mais pesado e com o centro de gravidade sobrecarregado. O índice de panes ainda era muito alto, longe do mínimo aceitável. Em regiões de condições climáticas adversas, como areia ou neve, a arma tinha um baixíssimo rendimento. Ficou constatado também que o acabamento do fuzil era muito espartano. A arma tendia a enferrujar com certa facilidade e a qualidade das peças usadas era inferior também. Os plásticos eram considerados muito frágeis. Para ter uma ideia, o guardamão ou empunhadura derretia quando em contato com elementos químicos diferentes. Outras partes pequenas de metais quebravam com facilidade.

XL85E1.

Embora com todas as panes, o lote XL85 tinha melhorado pouca coisa nos quesitos técnicos. A LSW ganha um novo bipode, posicionado mais para frente do cano, isso melhorava o ângulo de disparo. Entretanto, a LSW ainda tinha problemas. O índice de panes ainda era muito alto e a dispersão dos projéteis muito alta. Ela ainda não estava apta para entrar em produção em massa. Mas em virtude do grande atraso do projeto e das altas somas de dinheiro investido no projeto, os ingleses decidiram por dar continuidade assim mesmo. Foi autorizada a produção de um lote inicial de 30.000 armas, IW e LSW. Um erro dos engenheiros foi de que acreditaram que, até que começasse a produção dessas armas, os erros seriam corrigidos, fato este que nunca ocorreu.

A versão inicial de produção não teria a opção de alterar a janela de ejeção, e muito menos armas especiais para os canhotos. Desta forma os soldados usariam as armas com a janela de ejeção no lado direito, onde os canhotos teriam de se adaptar. Uma pequena proteção foi colocada ao lado do retém do carregador, mas isso não solucionou o problema, apenas faz evitar que algo enrosque nele. Quanto aos acionamentos acidentais, ainda não haviam corrigido isso. Mais uma vez, a arma é qualificada para mais um lote teste de produção. Isso era um grande problema porque, além do grande atraso e dos custos subindo, seria mais ridículo se os ingleses parassem todo o programa para solucionar todos os problemas. Desta forma é decido começar a produção em massa sem mais um lote de testes.

Os custos do programa subiram muito. Em 1978, o IW custava 320 libras. Em 1984, o valor passava das 900 libras. Embora a produção até aumentasse, o custo de fabricação também aumentou, seguindo o caminho contrário da cadeia logística e da produção em massa. Muito se disse que o valor era porque a arma era mais precisa que o FAL e mais moderna em virtude do sistema de mira. Entretanto, isso merece cuidado. As comparações entre o SA80 e o FAL não são em situações parecidas, mesmo tendo calibres diferentes. O SA80 sempre era disparado usando a mira SUSAT enquanto que o FAL usava miras fixas. Caso o FAL usasse alguma mira ótica, como a SUIT, a precisão do FAL seria maior, já que o sistema SA80 apresentava uma série de problemas de precisão e dispersão alta.

 

Agradecimentos

As imagens de alta qualidade dos protótipos descritos acima foram gentilmente cedidas por Ali Richter, do site ARES – Armament Research Services (http://armamentresearch.com). Essas imagens tem uma qualidade inédita de armas praticamente desconhecidas do público.

Para maiores informações técnicas sobre os modelos conceituais do EWS:

http://armamentresearch.com/british-enfield-sa80-part-1-mock-ups/

Para maiores informações técnicas sobre a série XL60: 

http://armamentresearch.com/british-enfield-sa80-part-2-xl60-series/

Para maiores informações técnicas sobre a série XL70:

http://armamentresearch.com/british-enfield-sa80-part-3-xl70-series/

Para maiores informações técnicas sobre a série XL80:

http://armamentresearch.com/british-enfield-sa80-part-4-xl80-series/