Chamas e Estampidos

Os fuzis de assalto também têm de lhe dar com os pontos inerentes indesejados que assolam toda e qualquer arma de fogo. As chamas provocadas pela deflagração da munição e o estampido, o barulho que faz o disparo. O fuzil de assalto, por ser uma arma padrão da infantaria, necessita ter uma adaptação para atenuar esses dois problemas já que irá afetar não só um, mas todos os soldados. Entretanto, não é uma das tarefas mais fáceis. Pois não há como solucionar completamente o problema sem limitar a capacidade da arma.

 

Chamas

As chamas que vemos na boca do cano são resultantes da queima do propelente. O propelente contém materiais químicos que, quando acionados pela espoleta, realizam uma reação química que irá gerar energia para a propulsão do projétil. Isso fará o projétil percorrer pelo cano ao mesmo tempo em que é friccionado contra a alma do mesmo. Após sair do cano, o projétil ainda precisará de energia para dar ao projétil energia suficiente para que tenha um poder de imobilização do alvo. E para isso, também deverá fornecer energia para que o projétil percorra uma distância que permita que ele possa acertar o alvo. Se olharmos friamente, para isso tudo há a necessidade de uma determinada quantidade de propelente no cartucho para gerar energia para isso.

Desde o surgimento da pólvora se tenta fazer uma equalização desses fatores para se chegar ao calibre ideal. Entretanto, por mais balanceado que seja o calibre ele irá se deparar com as chamas da sua deflagração. A combustão do propelente irá gerar grandes chamas quando em contato com o ar. Essas chamas são mais pronunciadas porque estão contidas em um pequeno espaço (interior do cano) e, ao saírem pela boca do cano, se expandem, gerando a grande chama que é possível ver em baixa luminosidade.

As chamas do disparo são inerentes a todas as armas de fogo. Entretanto, no fuzil de assalto passa a ser um problema para a furtividade do soldado, assim como a eficiência ao disparo noturno.

Em situações de dia com luz ou alta claridade, dificilmente se irá ver as chamas após o disparo. Seria uma chama de milésimos de segundos que a médias e longas distâncias seria imperceptível pelo inimigo. Entretanto, a situação muda em ambientes de baixa luminosidade ou em noites, quando a médias e longas distâncias é possível ver as chamas geradas. Até a década de 40 do século passado, isso não era um grande problema. Os fuzis de então utilizavam grandes calibres. Isso visava impulsionar um projétil a grandes distâncias com energia para abater um alvo a grandes distâncias. Para o soldado, não era um risco tão alto. As chamas revelariam ao inimigo a posição do soldado, o que permitiria rápido fogo de revide. As chamas ainda podem mostrar a distância do inimigo, por onde se espalham e de onde vem. A grandes distâncias, ao soldado que dispara não traz muitos riscos, mas quando falamos de fuzis de assalto ou de batalha, a situação muda.

O fuzil de assalto surgiu como uma arma a ser usada a pequenas e médias distâncias. Embora o fuzil de batalha siga o mesmo preceito, ele pode ser usado a distâncias um pouco maiores, mas nada de extraordinário se comparado com os fuzis de assalto. Ao disparar um fuzil de assalto, o soldado estará no máximo a médias distâncias. Ao disparar, o inimigo verá de onde vêm os disparos, onde o fogo de revide será mais rápido o que colocará o soldado que dispara em risco. As chamas, além de revelar sua posição, mostrarão ao inimigo a distância também. Desta forma, é de vital importância que haja algum artifício para que as chamas sejam anuladas ou diminuídas ao máximo.

O fuzil Vz.58, por exemplo, não dispõe de um quebrachamas. Isso resulta em grandes chamas que saem da boca do cano.

Além do fator de relevar a posição do soldado, as chamas podem ser um problema para o soldado que dispara. Se o soldado fica um longo tempo em um ambiente de baixa luminosidade, ao disparar, as chamas irão ofuscar a sua visão. Isso poderá impossibilitar o soldado de usar a mira por alguns instantes, o que poderá ser fatal caso o inimigo revide com precisão em um tempo hábil. A situação poderá ser pior caso o soldado use algum instrumento de visão noturna ou termal, onde as chamas serão ainda mais acentuadas por causa do sensor.

Para solucionar esse problema é usado o quebrachamas. Este acessório visa anular ou diminuir as chamas na boca do cano. A origem dele ainda vem com a Alemanha na 2ª G. M. Embora pesquisado, ele não chegou a ser produzido em massa a tempo. Isso era claro porque o soldado se expunha mais a curtas e médias distâncias e era imperativo que ele mantivesse ao máximo sua furtividade. Terminada a guerra, o conceito se mantém até hoje. Os gases da deflagração, ao chegarem ao quebrachamas, são direcionados para outras direções. Como o gás é dividido, menor é a sua combustão ao entrar em contato com o ar. Desta forma, as poucas chamas geradas são direcionadas para os lados, onde faz diminuir as chamas diante do inimigo. Em condições ideais, elas são praticamente anuladas.

Quanto maior o cano, maior é a dissipação das chamas quando elas percorrem o cano. Quando entram em contato com o meio exterior, menor é a quantidade de gases quentes que entram em contato com o ar, gerando chamas menores. Por sua vez, quando menor o cano, maior é a quantidade de gases que entram em contato com o meio exterior e, assim, maior é a quantidade de chamas. Desta forma, em um fuzil de assalto e uma carabina, usando o mesmo quebrachamas, veremos que o fuzil de assalto terá uma quantidade menor de chamas se comparada com a cara, usando o mesmo quebrachamas.

O HK53 é uma carabina. O quebrachamas se mostra insuficiente em virtude do cano de menor comprimento.

Em algumas situações, o quebrachamas não é suficiente. Em armas como carabinas, mesmo com um quebrachamas, a arma irá gerar pequenas chamas. Carabinas de canos mais curtos geram chamas maiores. Esse é um problema quando a arma é usada por tropas especiais. As chamas devem ser evitadas ao máximo, entretanto, não há como fazer isso em carabinas curtas. Isso mostra que há um limite para eliminar ou atenuar as chamas sem interferir no desempenho da arma. Ocorre que existiram alguns modelos de quebrachamas realmente funcionais, mas que com o tempo, geravam outros problemas. Por exemplo, os resíduos da deflagração se acumulam no quebrachamas e muitas vezes esse elemento químico aumentavam as chamas. Outras vezes, o formato do quebrachamas fazia surgir outro problema, o estampido, que é o barulho do disparo. Desta forma, fica claro e notório que não há como solucionar em 100% as chamas de uma arma.

Aqui temos que fazer um adendo sobre compensadores. Muitos tendem a misturar esses dois acessórios. São dispositivos diferentes. Podem ainda existir quebrachamas com compensador integrado, mas são poucos os modelos. O compensador é um acessório colocado na boca do cano não para diminuir as chamas, mas para diminuir o ângulo de subida do cano, já que o recuo é mais controlado.

O AK-74 é uma arma que tem um compensador integrado ao quebrachamas. Isso não quer dizer que a arma se torna imune às chamas. O compensador pode até aumentar as chamas quando não mantido corretamente.

Os gases, ao chegarem ao compensador, são desviados para direções diferentes do sentido do recuo. Geralmente, um pouco mais para trás e não diretamente para os lados. Isso faz com que a energia seja parcialmente contrabalanceada. Isso gera um maior controle do recuo e, assim, uma maior precisão a cada disparo já que o cano não levanta tanto. Geralmente, compensadores geram grandes chamas por causa do ângulo da saída dos gases. Assim como no quebrachamas, o estampido também é maior. Algumas armas tem o compensador integrado ao quebrachamas. Mas isso não quer dizer que é a mesma peça.

 

Estampido

Outro elemento enfrentado pelo fuzil de assalto é o estampido. É o barulho do disparo. Após a deflagração do propelente, ocorre uma reação de queima que geram gases. Esses gases se formam abruptamente, empurrando o projétil pelo cano. Ao sair da boca do cano, os gases comprimidos ainda em expansão saem à alta velocidade do cano, o que gera o estampido. Assim como as chamas, quanto maior o cano, menor o estampido já que os gases no cano se expandiram por mais tempo. Quanto menor o cano, maior o estampido, já que os gases não tiveram tempo suficiente para se expandir. Cabe dizer ainda que outro fator para o estampido é a velocidade do projétil. Projéteis supersônicos tendem a gerar um estampido independente dos gases uma vez que o estampido decorre do projétil saindo à velocidade do som.

O estampido também é um problema para o fuzil de assalto. O estampido pode revelar a posição do soldado, o que poderia expô-lo ao fogo inimigo. Todo e qualquer soldado que usar a arma correrá esse risco, entretanto, se o inimigo for mais treinado, ele poderá saber a direção e distância do disparo, o que lhe dará uma grande vantagem tática não só para defesa como para um contra-ataque. Além do mais, o estampido é um problema para o próprio soldado. Algumas vezes o estampido passa do limite do tolerável, onde passa a ser um sério fator para a perda da audição caso o soldado não esteja usando qualquer protetor auricular.

O soldado à esquerda tampa um dos ouvidos. O quebrachamas aumenta mais o som do estampido.

O quebrachamas e o compensador são agravantes. Em um cano sem esses acessórios, os gases vão em direção para frente do cano. Isso significa que o estampido é projetado para frente, já que segue a direção dos gases. O quebrachamas e o compensador fazem um efeito diferente. Como eles direcionam os gases para os lados, o estampido do disparo também será jogado para os lados. Ou seja, o estampido será maior porque, para os ouvidos do soldado, o estampido estará mais próximo deles. Por exemplo, quando o AK-47 passava por seu desenvolvimento, vários compensadores e quebrachamas foram testados e no final nenhum deles foi usado. Isso se devia ao fato do estampido ser muito alto, colocando a capacidade auditiva dos soldados em grande risco, embora tanto o compensador como quebrachamas fossem completamente funcionais.

Desta forma, desenvolver um quebrachamas ou compensador não é uma tarefa fácil, pois há que se dosar o efeito compensatório ou eliminador de chamas sem por o soldado em risco. Se por um lado se tem uma arma mais controlável ou discreta, irá ter, necessariamente, uma arma mais barulhenta. Visando as operações especiais, se passou a usar silenciadores em fuzis de assalto. Aqui não entrarei em uma dissertação histórica, apenas falarei do acessório.

O fuzil G28 é usado com um silenciador. O acessório visa manter o soldado mais furtivo, dificultando a sua localização.

O silenciador irá visar conter as chamas e o estampido. Ele tem a forma de um tubo com várias câmaras dentro. Após o disparo, os gases vão preenchendo essas câmaras enquanto o projétil passa pelo orifício central. Com os gases represados, parte do estampido também é represada e, também, as chamas são contidas. Em contrapartida, o projétil sai do silenciador a uma velocidade menor e com menor energia. Aqui temos que ver que a arma não será 100% silenciosa. O silenciador atenua parte do som porque ainda há energia para impulsionar o projétil. Para o silenciador ser 100% silencioso, a arma dispararia um projétil sem energia nenhuma, não tenho nenhuma eficácia.

O silenciador visa manter o soldado mais furtivo perto do inimigo. O silenciador não visa tirar o som da arma. Ao disparar, o inimigo irá ouvir um som muito mais baixo, de tal ordem que será impossível descobrir a sua direção ou a distância. Ele saberá a todo o momento que há um soldado inimigo por perto, mas não poderá medir a distância ou a localização próxima dele. Outro ponto que poucos notam é que silenciadores são acessórios mais sensíveis. Com o tempo de uso, a fuligem da deflagração do propelente se acumula nas câmaras do silenciador. À medida que vai acumulando, o silenciador perde a sua capacidade de reter os gases, fazendo com que o projétil saia mais rápido e com mais energia. Em outras palavras, a arma apresenta um estampido maior. Em situações extremas, as chamas são até maiores pela sujeira acumulada.

O silenciador é usado em casos extremos e pontuais.

Como pode ver, equalizar o estampido e as chamas em um fuzil não uma tarefa tão simples. Cada exército irá ver qual sua prioridade e qual o desempenho que se espera de seus fuzis. Há que se tomar cuidado, pois quanto maior o controle sobre as chamas ou estampido, maior é a limitação que recai ao fuzil.