L85A2

L85A2

Com mais de 10 anos de operação e sem perspectivas de correções no futuro, estava claro que o programa SA80 estava caminhando para a humilhação total de um programa caro e lento. Com o dinheiro investido e tempo usado, era para se ter um fuzil de assalto de mesma qualidade que seus paradigmas. Entretanto, com o passar do tempo, os problemas iam aumentando e não se achava uma solução para isso. Levando em conta que a BAe Systems era detentora do programa SA80, se sabia que permitir que políticos e técnicos teóricos continuassem tentando arrumar o fuzil apenas ia incidir no repetitivo fracasso. Algo mais firme e sério tinha de ser feito.

Ocorre que entre as empresas que faziam parte da BAe Systems, estava a Hecker und Koch como uma subsidiária inglesa. Em 1995 a HK é chamada para avaliar o que estava acontecendo com o fuzil e o que poderia ser feito. A arma, nas mãos da HK, foi totalmente inspecionada. Foram vistos os desenhos técnicos. As qualidades da matéria prima usada na construção da arma. Os elementos químicos usados. Foram usadas câmeras de filmagem de alta velocidade para ver como agia o mecanismo de disparo, assim como a arma se comportava com a ejeção das cápsulas. A parte mais desconcertante é que a HK fez em poucos meses o que os engenheiros ingleses não conseguiram fazer em 20 anos. É a prova cabal que decisões políticas com base em teorias não podem interferir nas decisões de quem vai operar a arma. A HK faz todo um reprojeto da arma. Em 1998 um lote inicial de 200 fuzis L85A1 é convertido para o novo padrão, chamado L85A2. 

L85A2.

Essas armas passaram por testes de campo, sempre comparando esse lote com outras armas L85A1. E o resultado realmente impressionou. O L85A2 apresenta um índice de panes muito menor, havia uma abissal diferença em relação ao L85A1. O L85A2 era muito mais confiável e com uma quantidade de panes muito menor. Algo que o L85A1 deveria ter sido em 1985 e nunca fora. Em 2001 o plano era de reformar 300.000 fuzis. Entretanto, esse nº caiu para 200.000 fuzis. Dos 100.000 fuzis A1 restantes, 20.000 seriam usados como fonte de peças e os demais 80.000 seriam vendidos no mercado externo. Fato este que nunca ocorreu por razões mais do que óbvias. Quem em sua sã consciência compraria um fuzil muito ruim e limitado quando o próprio país que o fez não quer mais usar ele?

Em 2002 o fuzil passa a ser denominado como IW L85A2 e LSW L86A2. As pesquisas da HK revelaram pontos cruciais que mereciam alterações. Cabe ressaltar que todas as alterações levaram em conta as limitações do projeto. A começar pelas partes internas. Tanto o ferrolho como o transportador do ferrolho passou a ter um polimento mais preciso, para deixar a superfície a mais lisa possível. Isso evitaria uma fricção entre as peças que, com o tempo, danificavam e geravam panes. Não só essas peças como as outras peças da arma que tem atrito de peça com peça.

Um dos fuzis L85A1 convertidos.

 

O carregador também tinha de passar por alterações. O carregador era muito frágil. Muitas vezes a mola não atuava de forma correta. Outras vezes a rampa do cartucho não tinha um alinhamento correto com o ferrolho, o que gerava pane de alimentação. Não só isso, a forma como o carregador era preso no fosso do carregador também atrapalhava ao desalinhar com o tempo de uso. Um novo carregador teria de ser feito. As molas foram revistas e todas as molas da arma teriam de ser substituídas por novas molas mais duras e resistentes. Os vídeos de alta velocidade mostraram que as molas antigas eram mais frágeis, elas demoravam em uma resposta aos comandos mecânicos, gerando certa lentidão (de milésimos de segundos) que era suficiente para que uma pane ocorresse, pois a mola não atuava no tempo necessário.

Os engenheiros da HK fizeram testes de resistência nos materiais empregados na construção dos fuzis. Descobriram que algumas partes não tinham a tolerância devida. O sistema de gás tinha tendências a quebrar quando a arma era disparada continuamente. Isso se dava porque o calor tendia a tornar o metal mais frágil. Para tanto, em todo o sistema de gás foi empregado metais de maior resistência ao calor, assim como tratamento térmico para que pudesse suportar o calor constante.

As imagens de alta velocidade mostraram como era feito o processo de disparo, extração e ejeção e foram vistos vários problemas. Além do problema das molas, havia o problema do extrator que se mostrava frágil e falho. O ejetor por sua vez nem sempre cumpria como devia e, para espanto de todos a janela de ejeção foi considerada pequena para que a cápsula pudesse ser ejetada devidamente. Muitas vezes a cápsula era extraída, mas ficava presa no ferrolho. Outras vezes, ela era extraída e quando ejetada, ela não passava pela janela de ejeção. Ou pior, quando ejetada a cápsula batia na alavanca de manejo fazendo com que ela voltasse para dentro da caixa da culatra.

Soldados treinam no Iraque com o L85A2.

Para tanto um novo extrator mais forte foi desenhado, assim como um ejetor maior para que não falhasse na ejeção. A janela de ejeção passa a ter uma maior largura e altura, para que não corra o risco de prender a cápsula com espaço suficiente para ejeção. E a alavanca de manejo tem um novo desenho. Muitos pensam que o novo desenho serve para maior comodidade ao soldado, já que, mais protuberante, fica mais fácil de acioná-la. A bem da verdade, esse não é o motivo de seu desenho. Ela tem esse formato para que sirva de tampa defletora. Após o disparo, a cápsula irá bater na alavanca de manejo, agora plana. Entretanto, com esse novo formato, ao bater nela, a alavanca de manejo agirá como uma tampa defletora, empurrando a cápsula para o lado direito a fim de não voltar para a caixa da culatra.

O percussor passa a ser feito de um aço mais resistente, visando evitar as constantes quebras que ocorriam com frequência em virtude da baixa qualidade do metal. O cão passa a ter uma massa maior e mais pesada. Ocorre que as filmagens de alta velocidade mostraram que ele se mexia mesmo após o disparo, podendo gerar um disparo acidental. Outras vezes, por ser leve, não tinha a força necessária para bater no percussor, ou outra vezes também pela mola fraca. E uma nova barra de proteção do cão foi feita, uma vez que a anterior era fina e frágil. Essa barra serve para segurar o cão após o disparo e, após vários disparos, ela tendia a se quebrar. Quando isso acontecia, o cão não funcionava porque ficava caído para frente.

As filmagens de alta velocidade também mostraram que a arma parava de disparar quando em regime automático ou disparos sucessivos em semiautomático. Isso se dava porque, durante cada disparo, o ferrolho, percussor e outras peças ainda se moviam quando tinham de estar fixos ou travados. Para evitar isso, alteraram o cão com um novo centro de gravidade e peso. Isso fazia com que o cão acertasse o percussor com alguns milissegundos de atraso. Pode parecer absurdo, mas isso dava tempo para que o ferrolho ficasse na posição imóvel e assim não haveria o risco da arma não disparar, já que o cão só acertaria o percussor no momento certo. Antes, acontecia o cão bater no percussor enquanto o ferrolho não estava completamente travado, levando ao disparo em seco já que não acertava a espoleta.

L85A2 com o lançador de granadas L17A2.

O L85A2 abandona o uso de granadas de boca e passa a usar um lançador de granadas acoplado à arma. Aproveitando que a HK fizera toda a revisão do projeto do L85, a HK instalou na arma o seu lançador L17A2, calibre 40 mm. Esse sistema é mais prático, pois o gatilho é de dupla ação, não tendo que acionar algum dispositivo antes do disparo. O cano desse lançador se abre para o lado. O cano não é aberto para frente. Abrindo de lado o cano, fica mais fácil para o soldado operar o lançador ao armá-lo, assim como pode usar, caso seja necessário, granadas de maior comprimento, coisa que seria impossível em lançadores que tem que esticar o cano com uma medida exata.

O gatilho recebe um novo desenho. A parte de trás dele tem um formado triangular, onde a parte de trás é mais fina. Isso é para cortar a neve ou lama que se acumule atrás do gatilho. No L85A1 lama e neve ficavam atrás e impediam o movimento do gatilho. Agora com o novo desenho o soldado não tem mais o problema de travar o gatilho. Além disso, uma proteção alta foi feita em volta do retém do carregador. Essa peça visa evitar que algo bata no retém e acione ele acidentalmente. Como o retém tem uma projeção alta, essa proteção tinha de ser alta também para ficar em um nível mais alto para dar a proteção.

L86A2.

Todas essas alterações também foram feitas na LSW L86A2. A metralhadora leve de apoio também passou pela mesma revitalização e outras partes foram modificadas. O bipode passa a ser mais rígido quando retraído. Ocorre que na L86A1 muitas vezes o bipode se soltava, com as bases penduradas a esmo. Isso era um problema para o soldado quanto ele tinha que fazer rápido fogo, pois tinha de ficar arrumando o bipode antes de usar a arma. Outra parte alterada foi o apoio do ombro. O apoio foi colocado em uma posição mais baixa, fazendo uma distribuição melhor do peso da arma no ombro do soldado. Ocorre que na L86A1 esse apoio era mais alto e com o tempo ele quebrava porque a base de contato era mais em cima, onde estava a junção do apoio na caixa da culatra.

Após todas essas alterações serem feitas, os testes de campo mostraram que a arma tinha melhorado. Mas melhorado muito. A arma agora era confiável, tinha um baixo índice de panes e os soldados finalmente se animavam um pouco a usar o fuzil reformado. Mas como seria o uso em combate real? Justamente em 2002 um lote de L85A2 foi enviado aos ingleses no Afeganistão para serem avaliados em combate real. Todos esperavam elogios e glórias do novo fuzil, entretanto, se depararam com relatos de mais panes de disparos. Isso foi um susto não só para os ingleses como para a própria HK que tanto trabalhara na revitalização dessas armas. Uma equipe foi investigar isso no Afeganistão. 12 soldados foram escolhidos para dispararem seus L85A2. Dos 12 fuzis, somente 2 não tiveram panes.

As investigações mostraram duas coisas. A sujeira ainda era um grande problema e os soldados não estavam limpando a arma corretamente. Déjà vu? O problema da limpeza era de que os soldados ainda estavam seguindo as instruções de limpeza do L85A1, onde usavam óleos, escovas, ferramentas diferentes e em procedimentos diferentes. A HK fizera um método de limpeza com outras ferramentas e de forma mais simples.

Soldado inglês no Afeganistão com um L85A2.

Um teste foi feito para mostrar a situação. Soldados com fuzis L85A2 desembarcavam de um helicóptero. Este, ao pousar, em virtude da ação das pás, fazia muita areia e pó levantar ao redor do helicóptero, onde estavam os soldados, sujando todas as armas. Depois disso, os soldados iam para um campo de tiro. Os soldados eram divididos em dois grupos. O 1º grupo adotava o novo método de limpeza e o 2º grupo o antigo método. Foi visto que no 1º grupo 90% das armas não tiveram problemas enquanto que no 2º grupo somente 17% das armas não tiveram problemas. Ou seja, a questão era de treinamento de como fazer a devida limpeza com o novo método.

Por mais benéficas que foram as modificações, e por mais correto que fosse a limpeza do fuzil, não tinha como resolver o problema da entrada de sujeira. As tropas muitas vezes chegavam a limpar até cinco vezes em um dia a mesma arma. No Afeganistão ficou constatado que as janelas de ventilação permitiam a entrada de areia e pó justamente onde está a câmara do cano, ferrolho e grupo do gatilho. Um dos maiores problemas foi a admissão de sujeira dentro da arma. A sujeira, podendo ser areia, pó, lama, neve, entrava pelas janelas de ventilação e pela abertura lateral da alavanca de manejo. Ocorre que o sistema bullpup, no caso do L85, fazia com que a janela de ventilação ficasse na altura da empunhadura, já que logo atrás estava o grupo do gatilho e ferrolho. Entretanto, entre o carregador e a empunhadura, está a câmara do cano.

Essa parte da arma é a primeira a esquentar, sempre mantendo a maior temperatura do cano. À medida que o cano vai esquentando, o calor é projetado para frente. Daí a necessidade das janelas de ventilação para o resfriamento do cano. Ocorre que pela extensão do cano, são várias janelas de ventilaç na caixa da culatra e no guardamão. Isso faz com que a sujeira tenha maiores entradas na arma. Não há como simplesmente fechar essas janelas caso contrário a arma esquentaria muito rápida e geraria o efeito cookoff, quando o cartucho é deflagrado pela alta temperatura do cano, o que é um grande perigo. Muitos soldados no Iraque e no Afeganistão, ainda mais na 1ª guerra do golfo, usavam o fuzil com várias fitas tampando essas janelas de ejeção para evitar a entrada de sujeira, o que não era recomendável, mas era a única forma de manter a arma livre de uma pane. A limitação vem desde o começo e não há como alterar isso no projeto.

Soldado inglês com a versão de 2009 do L85A2.

Em 2009 os L85A2 passaram por uma pequena atualização. Foram inseridos trilhos picatinnys em cima da caixa da culatra, em cima do êmbolo de gás, nas laterais do guardamão e embaixo dele. Desta forma ficava mais fácil acoplar miras e acessórios sem a necessidade de adaptadores para cada acessório. Essas armas passaram a usar a mira ACOG no lugar da SUSAT, onde se mostrava mais simples e barata de aquisição. Alguns anos depois miras ELCAN também foram usadas. Há que esclarecer que esses fuzis com trilhos e miras novas continuam sendo L85A2. Muito se especula que sejam uma nova versão, como L85A3 mas a bem da verdade continuam sendo L85A2.

A LSW L86A2 ainda apresentava problemas. Ainda ocorriam mais panes, havia inda uma maior dispersão e o problema do aquecimento não tinha como ser solucionado. Como a arma disparava em ferrolho fechado, o cano esquentava facilmente e não havia como resfriá-lo. Os ingleses compraram mais de 1.000 Mininis para usar ao lado da L86A2 porque esta arma não dava confiança aos soldados. No final a L86A2 praticamente não foi mais usada no Afeganistão e Iraque. Com o L85A2 a coisa foi diferente. A arma se mostrou muito mais confiável do que era antes, podendo ser usada sem medo. Para tanto, o soldado tinha que seguir o treinamento de manutenção e o novo método de limpeza, realizado todo dia e, em algumas vezes, 3 ou 4 vezes quando os soldados estavam em engajamentos intensos. A título de comparação. O índice de funcionabilidade do L85A1 era de apavorantes 15%. Com o L85A2, esse índice subiu para 87% de funcionabilidade.

 

L22A2

Nos anos 80 e 90 vimos a tentativa de se fazer uma versão carabina do L85A1 e as tentativas esbarraram no fracasso. Ora pelas limitações técnicas, ora pela viabilidade do modelo. Além do mais, nessa época o L85A1 passava por uma série de problemas que foram parcialmente resolvidos quando a HK passou a rever e fazer as correções possíveis (em virtude das limitações do projeto). Em 2003, com base agora no L85A2, uma arma mais “estável”, os engenheiros, supervisionados pela HK, puderam então fazer uma carabina da arma. Levando em conta um tamanho realmente menor, o cano adotado volta a ser de 310 mm de comprimento. Também foi redesenhado o sistema de captação de gases. Há um novo modelo de captação, onde se joga menos gás no êmbolo quando este tem um diâmetro menor. O êmbolo é reforçado para lhe dar com as maiores pressões, uma vez que a pressão dos gases é maior porque o orifício de captação de gás está mais perto da câmara do cano, quanto menor a distância, mais pressão se tem.

L22A2.

Não se tem mais o sistema de escolha com normal e condições adversas. Há a inclusão de trilhos picattiny, mas de forma limitada. Há um pequeno trilho embaixo para uma empunhadura vertical e outro pequeno trilho na lateral direita. Não há como colocar um trilho no lado esquerdo porque lá está o elo da bandoleira. Como a arma não pode ser usada com miras fixas em virtude da pequena distância entre a alça e massa de mira, a arma sempre é usada com o sistema SUSAT. Em virtude do tamanho do cano, o alcance efetivo dos disparos é de no máximo 150 metros. Isso ocorre porque, como o cano é menor, há um menor aproveitamento dos gases, gerando um projétil com uma velocidade e energia menores, fazendo com que o projétil tenha menos energia. Não só isso, como o cano é menor, o projétil não tem o comprimento necessário para maior estabilização, fazendo com que a dispersão seja alta, diminuindo a precisão. Isso ocorre com toda e qualquer carabina curta.

L22A2. Note o seu tamanho atrás do assento do piloto.

Muito se questiona o motivo da volta do cano curto, já que gera maiores chamas, maior estampido e mais dificuldade no controle do recuo. A intenção sempre foi substituir a submetralhadora que tinha dimensões bem menores que um fuzil de assalto. O fato do L85 ser um bullpup já o torna compacto. Fazer uma versão um pouco menor de um fuzil compacto não faria sentido. Desta forma acharam melhor fazer uma carabina curta para que realmente tivesse um comprimento menor e atendesse as exigências inglesas. Essa carabina passou a ser entregue para tripulações de veículos e oficiais a partir de 2005. Aliás, se repararem, verão que é um grande contrassenso porque desde o início do programa, o L85 seria o substituto natural da Sterling e não uma carabina para isso.

 

O que deu errado?

O SA80 já apresentava um problema na sua própria gênese. Para isso, temos que voltar um pouco no tempo. O AR-18 surgiu nos EUA como uma arma barata e simples. Por que isso? Eugene Stoner quando fez o AR-16, tinha como meta uma arma simples, de metal estampado, que fosse barata de se produzir com peças baratas para gerar, no final, um fuzil de assalto mais acessível que o caro AR-10. A meta com o AR-16 nunca foi o exército americano e sim os países ditos de “3º mundo” que queriam uma arma nova e moderna, mas que não fosse tão cara. Essa filosofia de produção foi repassada ao AR-18, que chegou a ser testado e avaliado pelo exército americano quando o M16 apresentava os seus primeiros problemas. Ocorre que os militares americanos não gostaram dos resultados do AR-18 quando ele foi submetido a testes mais rigorosos e intensos. A falta de qualidade e alto índice de panes nessas condições fizeram os militares a continuar com o M16 porque não valeria a pena trocar pelo AR-18.

Soldados Gurkas com soldados indonésios no Timor Leste. 1997. Os Gurkas empregaram o L85A1.

O AR-18 é uma arma simples, feita com materiais simples com um desenho técnico simples porque a ideia era uma arma barata e acessível. O grande erro dos ingleses foi partir para esse modelo de desenho técnico quando se queria substituir um fuzil como o FAL. Não pelo peso ou calibre mais pela qualidade técnica que tornava o FAL uma lenda. O AR-18 não é um fuzil de assalto que deveria ser adotado por países de “primeira linha” porque necessitariam de uma arma com um mínimo de qualidade, coisa que o AR-18 ainda não tinha. Quando a Enfield aposta nesse modelo sem levar isso em conta, ela faz um modelo que já nasce com o seu DNA errado e, assim, não tardaria para que a arma apresentasse problemas que inerentes ao projeto, ao desenho técnico dela, fazendo assim o fuzil apresentar uma série de problemas que os engenheiros não pensaram antes ou sequer levaram em consideração.

Como todo qualquer programa de desenvolvimento de armas, elas passaram por uma série de baterias de testes para ver a qualidade e desempenho delas. Em um primeiro momento, se mostrava uma forma rígida de teste, uma forma completa e infalível. A arma seria testada em todas as condições possíveis, como sujeira, calor, frio, lama, neve, água, umidade, areia, etc. Entretanto, essas condições eram feitas de forma simulada e não in loco. Ou seja, todas as condições climáticas e as intempéries seriam feitas em câmaras e tanques para que simulassem uma determinada condição. Isso faria com que as intempéries fossem testadas ao máximo já que suas condições poderiam ser aumentadas em suas intensidades.

Alguns exemplos. Para simular umidade, a arma era colocada em uma câmara onde água era borrifada constantemente sobre a arma. Para simular a neve, a arma era colocada em uma câmara fria por horas, onde alta umidade e uma temperatura baixíssima simularia a neve, onde muitas vezes a arma era literalmente congelada. Para simular uma região árida, a arma era colocada em uma câmara seca com alto índice de poeira e lá deixada por horas. Ou para simular uma região tropical, a arma era colocada em uma câmara úmida e quente.

L85A1.

Isso se mostrou um grande erro. Essas condições simuladas não mostram a realidade. Por exemplo, para simular baixas temperaturas, após a arma ficar por horas em câmara fria, a arma disparava perfeitamente. Porém, quando os ingleses testaram as armas na Noruega, em regiões com neve, a arma apresentava uma série de problemas porque a umidade, a baixa temperatura, o ar, ventos, tudo era diferente a céu aberto e a neve tendia a acumular dentro da arma com facilidade. A mesma coisa ocorreu com areia. A arma ficara numa câmara seca e com areia e pó, após isso, ela disparava normalmente. Porém, quando testada em regiões desérticas, ela se mostrou um completo fiasco. A arma dava muita pane pela areia que entrava no sistema.

Todos esses elementos se mostraram um grande problema quando testados em campo e isso não podiam ser vistos nos testes realizados nas câmaras. Os elementos a céu aberto, no campo, em uso real, são completamente diferentes, pois se tem temperaturas diferentes e que variam, tem ventos, quantidade de partículas no ar, na neve, intensidade da neve. O mesmo para ambientes tropicais, índice de umidade, temperatura ambiente que varia muito, ventos, ar, partículas no ar, enfim, uma série de fatores que não foram vistos nos testes de câmaras. Isso se mostrou um grande erro porque, em cima desses fatores ignorados, foram feitos testes que geravam resultados que não bateria com o teste de uso real.

Para deixar a situação pior ainda, os ingleses adotaram uma sistemática diferente para ver o que era pane séria ou não. As panes eram divididas em 3 categorias. De baixa, média e alta intensidade. De baixa intensidade é a pane que o soldado resolve puxando novamente a alavanca de manejo. A de média intensidade é a pane que o soldado pode se abrigar e desmontar parte da arma para solucionar o problema. E a de alta intensidade é a pane em que o soldado não pode fazer absolutamente nada. Desta forma a maioria das panes, as de baixa e média intensidade, não foi catalogada como algo sério a ser pesquisado, somente as panes de alta intensidade. Isso fez com o que os engenheiros pensassem que, como a arma ainda estava na fase de protótipo, os próximos modelos seriam corrigidos e, desta forma, todo e qualquer problema seria solucionado quando a arma entrasse em produção em massa. Também atrasava a investigação dos problemas de baixa e média intensidade já que não eram considerados algo sério. A bem da verdade isso era uma forma de mascarar os nºs negativos, dando a falsa impressão de que tudo estava indo bem, quando na verdade, estava indo mal.

L85A1.

Outro problema é que desde o começo, os engenheiros de Enfield não tinham a menor experiência na produção de armas de fogo. Foram relegados a manter a capacidade operativa das armas do exército inglês. Estas armas eram de projetos feitos por outras companhias ou países que não faziam parte do grupo. Quando esses engenheiros, sem experiência alguma na pesquisa e desenvolvimento de armas, usaram o AR-18 como modelo, ficou claro que faltou visão e competência porque esse sistema já tinha suas limitações que não foram observadas. Além do mais, não havia uma cooperação entre os engenheiros e militares, uma vez que as decisões sobre os rumos do programa do fuzil eram vindas de políticos e não dos militares. Uma vez que os políticos decidiam o que os engenheiros sem experiência deveriam fazer, ficava claro que o programa do fuzil seguia o caminho do fracasso.

Para piorar, o complexo de Enfield estava entrando em um ramo novo de produção de armas de fogo. Além da falta de experiência, havia a falta de um programa de controle de qualidade. Ocorre que muitas empresas diferentes eram contratadas para fornecer matérias primas. Essas matérias primas divergiam de sua qualidade. Para piorar, outras pequenas empresas eram contratadas para fornecer peças para a linha de produção. Ocorre que muitas peças não seguiam o mesmo controle de qualidade e assim, muitas peças eram defeituosas. Outras tinham qualidades inferiores que, no final, apenas degradavam ainda mais o fuzil. Faltou estabelecer uma cadeia logística correta para a produção do fuzil.

Este é o grande engano da história toda. Desde o começo a arma apresentava problemas que os engenheiros desconsideraram. Caso esses problemas fossem notados e solucionados desde o começo, o fuzil não teria essa péssima fama de fuzil problemático porque, quando descobriram tudo, era tarde demais. Todas as correções deveriam ser feitas respeitando os limites do projeto, ou seja, do desenho técnico da arma. Uma vez que o desenho técnico já nasceu limitado, praticamente muito pouco poderia ser feito no futuro para melhorar a arma.

L85A1. Note as miras fixas para as tropas secundárias.

L85A2

Calibre: 5,56 x 45 mm SS109
Comprimento total: 780 mm
Comprimento do cano: 518 mm
Cadência de disparo: 700 dpm
Peso: 4,1 Kg
Carregador: 30 cartuchos

Como funciona

Após premir o gatilho, o cão acerta o percussor que está localizado dentro do ferrolho e, por sua vez, acerta a espoleta do cartucho. Ao deflagrar, os gases percorrem o cano e entram em um orifício situado na parte de cima do cano. Os gases são captados em um êmbolo onde pressionam um pistão interno. Esse pistão, com a energia dos gases, faz um curto recuo (por isso que se chama pistão de curso curto), batendo no transportador do ferrolho que está travado à base do cano.

Neste momento, a trava do ferrolho é acionada, os ressaltos do ferrolho giram paraa esquerda, se alinhando com as saliências da câmara do cano. Com a força do movimento do pistão, o transportador do ferrolho, juntamente com o ferrolho, retrocede. Atrás do transportador do ferrolho existe uma guia. Nesta guia existe a mola recuperadora. Quando o transportador do ferrolho chega ao seu curso final, essa mola impulsiona o transportador do ferrolho para frente ao mesmo tempo em que coloca um cartucho na câmara do cano. Ao chegar à base do cano, os ressaltos do ferrolho passam pelas saliências da câmara do cano e é rotacionado para direta, travando o ferrolho ao mesmo tempo. Assim o sistema está apto para o próximo disparo.

 

Curiosidade

Em 2002 os ingleses também fizeram um programa de modernização do soldado, o FIST – Future integrated soldier technology. O programa visava um soldado com equipamentos modernos de comunicação que lhe dariam vantagem no campo de batalha, usando rádios, vídeos e GPS integrados. Entre os dispositivos, estava o fuzil L85A2 adaptado. O EIW – Eletronic Individual Weapon. A ideia era uma arma com maior controle de disparo e, para isso, tinha que se diminuir a cadência de disparo para que a arma fosse mais controlável. A única forma de fazer isso sem alterar o projeto era diminuir o intervalo entre cada disparo. E para isso foi feito um sistema no percussor. O sistema eletrônico usava um impulso eletromagnético diretamente na espoleta, sem a necessidade de um choque violento pelo percussor. Desta forma, eletronicamente, um computador determinava quando seria dado o impulso elétrico e, assim, o computador determinava qual seria a cadência de disparo da arma. Esse modelo não passou de protótipo.

Protótipo do EIW.

Agradecimentos

As imagens de alta qualidade do L85A2 acima foram gentilmente cedidas por Ali Richter, do site ARES – Armament Research Services (http://armamentresearch.com). Essas imagens tem uma qualidade inédita de armas praticamente desconhecidas do público.

Para maiores detalhes técnicos sobre o L85A2: http://armamentresearch.com/british-enfield-sa80-part-5-sa80-a1vsa2/