E.M.2

O E.M.2 é um fuzil de assalto que estava à frente do seu tempo. Era relativamente simples e completamente funcional. Foi o 1º fuzil de assalto pronto na configuração bullpup. Até então, só houveram poucos protótipos e todos eles problemáticos. Foi o 1º fuzil de assalto do pós-guerra a adotar um calibre realmente intermediário. Foi o 1º fuzil de assalto a ter um sistema de mira ótica integrada. Foi o 1º fuzil de assalto do pós-guerra a substituir três classes de armas diferentes. A combinação do desenho técnico da arma e do calibre .280 fez um fuzil de assalto realmente funcional. Entretanto, decisões políticas impossibilitaram a sua implementação. No final, é um fuzil de assalto que acabou por influenciando muitos outros fuzis de assalto de sucesso até hoje.

 

 

E.M.2

As origens do fuzil começam com as mesmas origens do E.M.1, portanto, aqui não repetiremos tudo para evitar uma leitura repetitiva e cansativa. No processo de seleção do fuzil para substituir o fuzil de repetição Lee Enfield nº 4, a submetralhadora Sten e a metralhadora leve de apoio Bren, também surgiu outra equipe para participar desse processo. A equipe era liderada por um polonês chamado Stefan Janson. Assim como a equipe de Thorpe, Janson também usou os modelos alemães como base para a sua proposta de arma.

A base de inspiração para a equipe de Janson foi o fuzil semiautomático alemão G43. Este usava um sistema de trancamento do ferrolho de forma mais simples, como será explicado mais abaixo. Tirando o sistema de trancamento do ferrolho, o E.M.2 seguia as mesmas linhas do E.M.1, uma configuração bullpup com o uso de uma mira ótica de 1x. A configuração não era à toa. Se a intenção era substituir três classes de armas, ficou claro que o soldado deveria ter uma arma de menores proporções afim de aumentar a sua mobilidade. Como a Inglaterra havia desenvolvido o .280, um calibre intermediário mas não como o 7,92 kurz, acharam por melhor usar o layout bullpup para que a arma fosse menor, já que o grupo o gatilho e mecanismo de disparo ficaria atrás da linha da empunhadura.

G43.

A equipe começou a estudar e projetar o fuzil em 1946, onde surgiram os primeiros protótipos. Em 1947 já estavam prontos os primeiros modelos que seriam testados. A rapidez se deu porque, ao contrário do E.M.1, o E.M.2 foi feito para ser o mais simples possível. Aqui falamos sobre os parâmetros da época que exigiam um desenho técnico mais simples, ou seja, menos peças agindo em conjunto. Isso tornava o E.M.2 muito mais simples de desmontar e limpar. Assim como tornava a produção do fuzil mais rápida e, como era menos complexo, tornava o fuzil mais barato de se produzir.

O fuzil tinha sua caixa da culatra forjada em aço ao invés de metal estampado. Isso tornava o processo de fabricação mais lento e um pouco mais caro. Mas em compensação, dava maior resistência e durabilidade ao fuzil. Cabe dizer que na época a Inglaterra ainda não dominava o processo de estamparia em metal. Usar aço forjado dava garantia que a arma duraria mais e teria menos problemas. O E.M.1, feito de metal estampado, apresentou problemas de qualidade com partes do seu metal estampado se soltando ou apresentando fissuras.

Protótipo do E.M.2. Nessa fase o projeto se chamava “Mamba”.

O fuzil tinha muita influência de ideias alemãs. A começar pelo ferrolho. A ação do ferrolho é simples e diferente, é muito parecido com o mesmo método usado pelo fuzil semiautomático alemão G43. O Fuzil tem um pistão longo que está preso diretamente ao ferrolho. O E.M.2 não tem um transportador do ferrolho. Para isso, ele tem trilho interno na caixa da culatra que serve como guia para o ferrolho. Dentro do ferrolho temos uma trava em uma câmara em que existem dois grandes ressaltos. Dentro dessa câmara há uma ação de molas que fazem esses ressaltos serem forçados para fora do ferrolho. Como eles estão fora do ferrolho, esses dois ressaltos se alojam em duas cavidades. Essas cavidades acabam por travando os ressaltos e, por sua vez, travam o ferrolho na base do cano.

Após os disparos, os gases entram no êmbolo de gás por um orifício. Os gases então empurram esse longo pistão para trás e aqui começa o mecanismo. Como esse longo pistão está preso ao ferrolho diretamente, com a energia do recuo, a parte final do pistão que está ligada ao ferrolho empurra para trás uma trava da câmara. Essa trava, atuando em conjunto com molas, puxa para trás uma base e, pela ação de molas, puxa juntamente os dois ressaltos que estavam presos nas 2 cavidades laterais da base do cano. Como esses dois ressaltos foram puxados para dentro do ferrolho, eles então destravam o ferrolho da câmara do cano.

Protótipo do E.M.2. Nessa fase o projeto se chamava “Mamba”.

Com o movimento de inércia para trás, o ferrolho, juntamente com o pistão, começa a se movimentar para trás, ao mesmo tempo em que uma cápsula é ejetada para fora da câmara do cano. Ao chegar ao percurso final, a mola recuperadora, que está situada atrás do transportador em uma haste guia, começa a empurrar para frente o ferrolho. Nesse momento, a base do ferrolho colocava um cartucho novo na câmara do cano. Quando o ferrolho bate na base do cano, o pistão chega ao seu ponto final, empurrando para frente a base da trava da câmara do ferrolho. Ao fazer isso, a ação de molas acaba por empurrando para fora os dois ressaltos que, por sua vez, entram nas duas cavidades laterais da base do cano, travando assim o ferrolho e preparando para o próximo disparo.

Outra grande influência dos projetos alemães foi o seletor de disparo. Assim como no StG44, não havia na tecla da trava a opção para os regimes de disparos. Acima da empunhadura há um botão. Se o soldado apertar esse botão do lado esquerdo, a arma dispara em semiautomático. Se apertar o mesmo botão do lado direito, a arma dispara em automático. Isso se deve ao conceito alemão do uso de rajadas curtas em ações de assalto e eles acharam que essa era a melhor configuração para o soldado pois era mais rápido de selecionar o regime automático. A trava, entretanto, é um desenho inglês. É uma tecla que fica no guardamato. Ao empurrar para trás, a arma trava. Empurrando para frente, a arma é destravada, isso é feito com o 2º dedo da mão e de forma muito simples e rápido, tornando tanto a trava como o seletor de disparo teclas ambidestras.

E.M.2.

Uma das grandes vantagens do E.M.2 e que mais tarde refletiu em outros fuzis de assalto foi a configuração linha reta. Essa configuração tem alguns aspectos positivos. Se notarem com atenção, verão que o cano está na mesma linha do ombro do soldado. Em fuzis de assalto convencionais, o cano está em uma linha um pouco acima do ombro em virtude da curvatura da coronha. Essa curva pode ser mínima, mas quando se dispara, parte da energia do recuo projeta o fuzil para cima por causa dessa curva. Com a linha reta, o efeito é um pouco diferente. Toda a energia do recuo vai diretamente para a linha do ombro do soldado em virtude da linha reta da arma. Isso faz com que o cano do fuzil levante menos já que não há uma curvatura natural da coronha convencional.

A linha reta ajuda no controle dos disparos uma vez que o recuo passa a ser um pouco mais controlável. E não só isso. Como o cano está na mesma linha do ombro, o soldado, quando levanta o fuzil para uma resposta de disparo, ao levantar, já terá a arma com a mira praticamente na mesma linha do olho quase que automaticamente. Como o cano está na mesma linha do ombro, as miras tendem a ser mais alta para compensar a falta da curvatura da coronha tradicional. Ao levantar o fuzil para fazer a mira, esta já estará na altura do olho e o fuzil quase que apontado diretamente para o alvo. Isso reduz o tempo de resposta ao soldado quando tende de mirar, e ainda, reduz o tempo de resposta de disparo, o que é muito vantajoso.

Primeira versão do E.M.2. Note que a mira está acoplada diretamente na caixa da culatra e sem proteção alguma. É uma pequena “lunetinha”.

Uma das maiores inovações, e que mostra que o fuzil estava à frente do seu tempo, foi o uso em massa de uma mira ótica. Os primeiros modelos do E.M.2, assim como o E.M.1, tinham uma única mira ótica. Imagine uma mini luneta de 1x. Essa era a mira com um retículo simples. Essa mira era adaptada a uma base em cima da caixa da culatra, onde havia um regulador de altura que daria a variação da distância. Isso pode parecer algo completamente tosco hoje, mas em 1947 isso era algo revolucionário. Os alemães na 2ª G. M. chegaram a estudar o emprego desse tipo de mira, mas com os recursos escassos e a guerra indo para o fim, esses planos não foram adiante.

A mira ótica não tinha a finalidade de um disparo de precisão ou uma tarefa DMR. A mira de 1x tinha a função exclusiva de aumentar a probabilidade de acerto dos primeiros disparos. Usando uma mira fixa convencional, o soldado tem que mirar, encontrar o algo com clareza, focar e disparar. Isso pode parecer simples, mas quando o alvo está em distâncias maiores de 50 metros e a adrenalina correndo pelas veias, a tarefa não é tão fácil assim. Para tanto, a mira ótica, mesmo de 1x, mostra com clareza o alvo e o retículo projetado mostra onde disparar. Fica mais rápido de mirar e disparar, o que aumenta a probabilidade de acerto já que, em tese, tem uma precisão maior. Caso o alvo estivesse a distâncias maiores, na base um graduador era rotacionado para que o retículo levantasse um pouco para compensar a distância.

Detalhe para a mira acoplada a uma base. Note que a mira tem uma proteção externa.

Os testes iniciais mostraram alguns problemas. A mira era considerada frágil e qualquer pancada poderia soltá-la ou danificá-la. Para isso, fizeram um tampa de proteção em volta dela, dando uma aparência de ser uma mira grande quando na verdade não é um 1/3 disso. O outro problema foi o sistema de graduação de distância. A base tinha um regulador e isso era muito incômodo de usar porque, muitas vezes o regulador não tinha a rigidez necessária e, com o tempo, a marcação da distância saía errada, fazendo o fuzil perder boa parte de sua precisão. Para isso, reformularam tanto a mira como a base. A base passou a ser uma armação de metal. Ao contrário do que se pensa, essa armação não tem a função de alça de transporte. Ela somente apoia a mira ótica.

E a própria mira passou por alterações em seu retículo. Além da marca principal, o retículo mostra outras marcas com variações de distâncias. Assim o soldado pode graduar a distância usando uma das várias marcas do retículo, sem ter que alterar a altura da mira ótica em sua base. E não só isso. Ao contrário do E.M.1, os testes mostraram que seria um perigo ao soldado ter somente a mira ótica. Caso a mira ótica fosse danificada ou impossibilidade de usar, o soldado não teria como mirar. Para tanto, é colocada uma mira de emergência. No lado esquerdo da base da mira há uma massa de mira fixa e na frente do fuzil há uma alça de mira retrátil. Assim o soldado nunca perderia a capacidade combativa caso a mira ótica tivesse problemas.

Essa lente tinha uma abertura muito pequena e não era tão fácil fazer a mira. Na época era uma grande revolução mas que na prática não se mostrou tão simples assim. Como há uma entrada menor de quantidade de luz em virtude do pequeno diâmetro da lente, mais difícil era fazer a mira. Hoje temos plena noção disso com as grandes miras óticas e reflexivas, mas em 1947 ainda estava se engatinhando nesse tema. Ainda havia planos de o soldado poder acoplar uma mira de 3,5x onde, juntamente com um bipode, daria ao soldado a função DMR. Por exemplo, testes com essa mira mostraram que o soldado tinha boa precisão a uma distância de 730 metros com essa mira.

E.M.2. Note ao lado o fuzil Nº 4.

Outra funcionalidade interessante era o retém do ferrolho.  Após o último disparo, o ferrolho do fuzil fica travado para trás, com a janela de ejeção aberta. Isso mostra para o soldado que a munição acabou e que não se trata de uma pane. O mecanismo para a liberação do ferrolho é o ponto curioso. Não existe um retém de ferrolho no fuzil, o sistema é interno. Após o último disparo e o ferrolho ficar travado, o soldado tem que retirar o carregador vazio. Quando ele coloca um carregador cheio, uma alça age sobre uma trava dentro da arma. Ao colocar o carregador cheio, o ferrolho é automaticamente liberado, colocando um cartucho na câmara do cano. Caso o carregador esteja vazio, o sistema não funcionará. Caso necessite liberar o ferrolho sem o carregador, o soldado pode puxar o retém do carregador.

É curioso que o sistema é ao contrário do E.M.1, em que o ferrolho é liberado assim que se retira o carregador vazio, fazendo com que haja que acionar a alavanca de manejo novamente. O retém do carregador no E.M.2 também é localizado atrás do carregador. Esse retém não pode ficar na frente, pois haveria o perigo do soldado acionar sem querer com a própria mão que empunha o fuzil. Os primeiros reténs ficavam completamente expostos, o que poderia causar alguma preocupação dele ser acionado acidentalmente caso esbarrasse em algum obstáculo. Para isso colocaram uma pequena chapa de metal que impede que algo o acione. Não é uma solução 100%, mas ajuda a evitar acidentes. Olhando essa chapa, muitos tendem a pensar que o retém ficou maior, na verdade, ele tem o mesmo tamanho.

E.M.2. Note as miras de emergência. A alça de mira fixa e a massa de mira retrátil.

O E.M.2 não tinha um sistema de cão. Ele usava o sistema de percutor. Ao acionar a alavanca de manejo, está é conectada a um tubo onde há uma mola em volta do percutor. Quando se puxa até o final, o percutor é puxado junto com uma mola onde fica travado, com a mola comprimindo para frente. Ao apertar o gatilho, ele libera uma trava desse tubo que, por sua vez, libera a trava do percutor, o fazendo ir com força para frente, acertando a espoleta e deflagrando o cartucho. Isso fez com o que o grupo do gatilho fosse mais simples no E.M.2.

O fuzil foi o 1º bullpup funcional e, como era comum ainda no final dos anos 40, a janela de ejeção ficava no lado direito sem opção de alterar o lado, o que era um problema para os canhotos. O próprio manual deixava claro que a arma tinha que ser empunhada com a mão direita. Isso porque parte dos gases podia ser direcionada à face do soldado, ou ainda, ter uma cápsula ejetada na sua face também. O curioso é que se pensou em uma versão somente para canhotos, com a janela de ejeção no lado esquerdo, mas isso só seria possível caso a arma entrasse em produção em massa, o que nunca ocorreu.

E.M.2. Nessa foto se vê que a arma era equilibrada.

A alavanca de manejo era no lado direito. Os soldados podiam reclamar que era mais fácil de acionar a alavanca após a troca do carregador caso ela estivesse no lado esquerdo. Entretanto, os engenheiros do E.M.2 alegaram que no lado direito a alavanca ficaria mais segura já que, sempre, estaria no lado oposto da barriga e peito do soldado, evitando ela se enroscar com algo ou ser acionada acidentalmente. Sem falar que, caso precisasse, o soldado não teria risco de acionar a alavanca caso estivesse rastejando, pois ela sempre estaria para o lado de cima, e não para o chão. O fuzil ainda podia usar granadas de boca por um cartucho especial e mira adaptada, assim como o E.M.1. Para tanto, fecha-se o regulador de gás para que o cartucho especial seja usado. 

E se notarem com atenção, verão que o fuzil não tem nenhum tipo de quebrachamas ou compensador. Isso ocorre em virtude de dois fatores. O recuo do .280 não era tão forte como os calibres de fuzis regulares. Embora intermediário, ele ainda tinha mais potência se comparado com os calibres como 5,56 x 45 mm ou 5,45 x 39 mm. Porém, seu recuo era controlável. Outro fator era o quebrachamas ideal. Na época era muito difícil chegar a um modelo simples e eficaz. Um quebrachamas pode fazer as chamas diminuírem, mas podem fazer o estampido do disparo sair mais alto, revelando a direção dos disparos. Outras vezes o compensador faz as chamas saírem mais altas. Na dúvida, preferiam usar o cano sem nada. Assim não há o risco de altos estampidos ou chamas acima da média. Algumas versões em 7,62 x 51 mm tiveram orifícios inseridos diretamente no cano como compensador.

O gatilho de inverno. O “trigger bar” é a barra de gatilho, onde o soldado a apertava ao invés do gatilho.

Não podemos nos esquecer do curioso sistema de gatilho de inverno. Para tanto, se retirava o guardamato. Era acoplado no seu lugar um grande guardamato que ia do gatilho até a base da empunhadura. Nessa base uma haste era ligada diretamente ao gatilho. Desta forma, o soldado, usando luvas grossas, apertaria essa haste, funcionando como um grande gatilho. Isso foi muito bem visto pelos canadenses também. O guardamato convencional pode ser um problema caso o soldado esteja usando luvas grossas.

 

Ascensão e Queda

O fuzil passou por testes pesados em 1948. Ele foi testado em várias condições climáticas e intempéries. Os testes de disparo mostravam que os soldados conseguiam ótimos e rápidos agrupamentos. Havia um alto índice de acertos de 40 disparos em 1 minuto. Isso mostrava que o conceito do fuzil era completamente viável.

E.M.2. Note a baioneta acoplada.

Entretanto, a maior mostra da potencialidade do fuzil veio ainda em 1946. A Inglaterra, Canadá e EUA decidiram adotar, conjuntamente, um mesmo calibre e talvez um mesmo fuzil. Isso ajudaria muito não só na questão de logística, mas dos custos e, principalmente, a padronização de material que seria importante com a futura criação da OTAN em 1949. Para tanto, três modelos de fuzis foram usados para comparação. O americano T25 em calibre T65 (7,62 x 51 mm). O belga FAL em calibre .280 e o E.M.2 nesse mesmo calibre. Os testes foram feitos nos EUA em Aberdeen e os resultados foram surpreendentes.

Dos vários quesitos, exigências, testes e anotações, o que ficou constatado: o calibre .280 se mostrou o mais cotado a ser usado pelos três países. O .280 teve um índice de perfuração, a maiores distâncias, maior que o T65 (futuro 7,62 x 51 mm). Este tinha uma trajetória mais plana a médias distâncias, mas a longas o .280 tinha uma trajetória melhor. A médias e longas distâncias, o .280 tinha maior precisão. E o .280 tinha uma menor quantidade de chamas e fumaça, o que aumentava a furtividade do soldado. E sobre as armas em si a situação não era diferente.

Apresentação do E.M.2.

Em disparos concentrados em 1 minuto, o E.M.2 era o que tinha o maior índice de acertos, seguidos pelo FAL e depois pelo T25. Em testes de condições, o E.M.2 se mostrou melhor do que os outros. O E.M.2 era o que tinha o menor recuo e o maior controle em rajadas curtas. Entretanto, o E.M.2 foi criticado pelas vezes que os gases do disparo eram projetados no rosto do soldado e de que era mais complicado de desmontar e limpar o fuzil.

Embora os resultados mostrassem vantagens claras ao E.M.2 e FAL, os americanos não gostaram. A ideia de uma munição mais leve era contra o que eles pregavam, uma munição com o mesmo poder de parada do 30-06. Para eles era limitante um calibre mais leve, mesmo que fosse mais preciso e controlável. Além do mais, viam o E.M.2 como uma arma revolucionária demais, afinal, adotava um conceito completamente diferente dos outros.

Em 1951 acontece uma reviravolta. O E.M.2 nasceu durante o governo trabalhista. Em 1951 Churchill se torna novamente Primeiro Ministro. Entretanto, ele era do partido conservador e tinha uma visão completamente contrária aos mandos do partido trabalhista. Winston Churchill era um grande defensor de uma aliança conjunta com a OTAN e tudo deveria ser feito para reforçar esses laços de união. Os EUA se mostravam muito relutantes em adotar não só o calibre .280 como o E.M.2. Para Churchill, isso poderia ser superado, mesmo se custasse o fracasso de todo o programa, já que desde sempre estava convencido na padronização de armas liderada pelos EUA.

Também foi feita uma versão carabina do E.M.2. Note o diminuto tamanho.

A situação piora quando, de forma irreversível, os EUA anunciam que não adotariam o .280 como calibre padrão da OTAN. Este calibre se mostrava muito melhor que o T65 (7,62 x 51 mm) e tornava o fuzil em um verdadeiro fuzil de assalto. Ao invés de proteger o programa inglês, Churchill diz que tanto o E.M.2 como o calibre .280 deveriam ser considerados programas experimentais e que, por fazerem parte desta categoria, deveriam ser produzidas em pequenas quantidades visando somente pesquisas. Em outras palavras, ele simplesmente terminava o programa E.M.2 e o .280. A adaptação do E.M.2 ao calibre 7,62 x 51 mm tornou o fuzil completamente contrário do que foi projetado, de tal ordem que seria inviável usá-lo da forma que estava.

Diante disso, Churchill decide que a Inglaterra adotaria o FAL em virtude do seu custo menor e sua simplicidade de produção e manutenção, na mesma época que o Canadá fazia a mesma coisa. O Canadá tinha se interessado pelo E.M.2, mas, diante da negativa americana de adotar o .280, ficou claro que o E.M.2 usando o 7,62 x 51 mm teria um rendimento muito inferior se comparado com o FAL no mesmo calibre. E assim foi. A decisão de encerrar o programa E.M.2 foi puramente política, jamais foi técnica. Embora política a decisão, Churchill não estava de todo errado. Nos anos 50 a Inglaterra ainda se recuperava da guerra e cada dia fazia ela perdeu a sua posição como a maior potência do mundo.

A Inglaterra tinha sérios problemas financeiros e Churchill via isso como um perigo quanto ao fuzil e ao calibre. Nos anos 50, em caso de uma guerra contra a URSS, a Inglaterra teria um grande problema na questão logística. Como só ela usaria o calibre .280 e o E.M.2, ela teria de arcar com os custos de produção sozinha, coisa que naquele momento ela não podia, já que se apostava que outros países comprariam a munição e o fuzil, o que baratearia o custo de produção. E não só isso. Em caso de guerra com a URSS, ela seria isolada caso fosse atacada por armas nucleares, onde a linha de produção de guerra seria afetada. Caso isso ocorresse, ela não teria nos seus aliados alguém que produzisse o .280 ou o E.M.2 para que pudesse enviar em situação de emergência. Naquele contexto, seria praticamente impossível a Inglaterra adotar, de forma sozinha, o .280 e o E.M.2.

Em 1952 é doado um E.M.2 no calibre 7,62 x 51 mm ao museu da Springfield.

Houve uma última tentativa de salvar o E.M.2. Depois da decisão americana de adotar o 7,62 x 51 mm, o E.M.2 foi adaptado para esse novo calibre. Isso foi o que faltava para enterrar de vez o fuzil. O E.M.2 desde o começo foi feito com base no calibre .280, onde atuaria conforme as pressões e energias que o calibre gerava. Com o 7,62 x 51 mm, o fuzil não tinha o mesmo rendimento. O recuo era muito maior. O controle dos disparos em rajadas curtas era quase impossível. A concentração de disparos rápidos em semiautomático era mínima e o fuzil deveria ainda passar por toda uma revisão por causa da energia a mais que seria usada na ação do trancamento pelos roletes. Mas já era tarde demais. A Inglaterra já comprara um lote inicial de 5.000 fuzis FAL para testes de campo. O FAL foi avaliado como mais simples, mais fácil de manter e mais barato de se produzir. Vários países o estavam comprando e a munição fora adotada por todos os membros da OTAN.  Assim o E.M.2 perdia a sua chance de ter sido produzido em massa.

Comissão avaliadora do programa de aquisição do novo fuzil para a Inglaterra. Podemos ver no chão, da esquerda para a direita, o E.M.1, o E.M.2 e o FAL.

Agora, o curioso é que, em 1951, já no final do governo trabalhista inglês, foi declarado oficialmente que o E.M.2 fora escolhido como o próximo fuzil de assalto inglês. Na época ele foi denominado como Rifle Nº 9 Mk.1. Entretanto, meses depois, Churchill seria nomeado 1º ministro, cancelando tudo e parando o programa.

E.M.2

Calibre: .280
Comprimento do cano: 622 mm
Comprimento total: 889 mm
Cadência de disparo: 550 dpm
Peso: 3,7 Kg
Carregador: 20 cartuchos

 

Como funciona

Após o disparo, os gases percorrem o cano e entram em um êmbolo de gás, acima do cano, direcionados por um orifício. No êmbolo os gases empurram para trás um pistão que, por sua vez, aciona uma trava no ferrolho, recolhendo dois ressaltos para dentro, destravando ele da base do cano. Com a pressão dos gases sobre o pistão, o ferrolho, agora destravado, começa a se locomover para trás. Nesse processo, o ferrolho extrai da câmara do cano a cápsula usada, onde percorre o caminho até o final.

Pela ação da mola recuperadora, o ferrolho agora passa a ser empurrado para frente. Nesse momento ele coloca um cartucho novo na câmara do cano e em seguida bate na base do cano. Ao fazer isso, o pistão aciona a trava interna do ferrolho, colocando os ressaltos para fora, travando eles na base do cano. A arma estará pronta para o próximo disparo.

 

Agradecimentos

As imagens de alta qualidade do E.M.2 foram gentilmente cedidas por Ali Richter, do site ARES – Armament Research Services. Essas imagens tem uma qualidade inédita de armas praticamente desconhecidas do público.

Para maiores informações técnicas sobre o E.M.2:  http://armamentresearch.com/british-janson-e-m-2-automatic-rifle/