AK-47 – Origens I

Uma lenda. É o mínimo que se pode dizer do AK-47.  O AK-47 nunca foi o 1º fuzil de assalto soviético. Nunca foi escolhido livremente. Nunca foi de desenho próprio. Nunca foi escolhido pela URSS de forma imparcial. O AK-47 é um fuzil simples, que o mais desatento dos desatentos consegue aprender e operar em poucos minutos. Ele nasceu para ser assim mesmo. Um fuzil simples para pessoas simples para ser produzido de forma simples aos milhões ao menor custo possível. De longe ser uma ótima arma, mas sem dúvida alguma, se tornou merecidamente em uma lenda ao ser usado até hoje.

Monumento em que se destaca o AK-47. Sariwon. Coreia do Norte.

Muito se é publicado sobre o AK-47 como sendo uma arma perfeita, escolhida pelo seu esmero técnico e sendo como o primeiro fuzil de assalto soviético. A história é diferente e a intenção aqui é mostrar como foi. Em minhas pesquisas, estudos, trocas de mensagens e conversas com amigos pelo mundo pude notar que a história do fuzil de assalto soviético e de como foi a avaliação e escolha do AK-47 é bem maior, mais complexa e principalmente muito mais interessante do que imaginamos.

Desta forma, caro Leitor, abrangeremos como foi o primeiro fuzil de assalto soviético, como foram as armas propostas e como foi a avaliação que culminou na adoção oficial do AK-47. Para tanto, é necessário dividirmos todo esse processo em várias partes. Iremos ver como foi todo o processo de escolha do primeiro fuzil de assalto soviético e de como surgiu o AK-47. O assunto é complexo, cheio de histórias e não é a minha intenção deixar um artigo cansativo. Nestas partes, abordaremos como tudo começou, os primeiros testes, os processos de escolha, as armas em si, como foi a sua adoção, a sua modernização e suas posteriores versões. Todo esse caminho será dividido em partes.

 

O contexto soviético

A busca pela automação do fogo em uma arma que fosse mais moderna que o fuzil de repetição começou desde que terminou a revolução russa de 1917. Pelo medo que a revolução falhasse e a Rússia fosse invadida, era imperativo o desenvolvimento de novas armas o mais rápido possível. Não só por isso. A revolução se mostrava como um perigo para as outras monarquias, sendo que a Rússia estava praticamente isolada. Ela não poderia contar com exportações de material bélico, como recebeu na 1ª G. M. e desta forma ela teria de desenvolver sozinha qualquer material mais moderno caso fosse necessário.

Fuzil semiautomático de Federov.

Entretanto, ao contrário do que se pensa, os modelos de fuzis semiautomáticos soviéticos se mostraram problemáticos, caros e complexos. Antes disso, na época que antecedia a revolução tirânica, já havia projetos de uma arma automática e mais controlável. O modelo de Federov tentou preencher essa lacuna, mas mesmo usando um calibre mais leve, o japonês 6,5 x 50 mm, Federov chegou à conclusão que a única forma de fazer isso era desenvolver um cartucho mais leve que, até então, não existia.  Se usar o calibre japonês já era um motivo de críticas, adotar um cartucho menor e mais leve seria algo completamente impensável.

Nos anos 20 e 30 do século passado os soviéticos desenvolveram alguns modelos de fuzis semiautomáticos em pequenas quantidades. Entraram na guerra com dois modelos de fuzis semiautomáticos, mas em quantidades menores também. Visto que a 2ª G.M. já estava rumo ao fim, os soviéticos decidiram desenvolver uma arma semelhante ao StG44 alemão. Essa iniciativa não era por uma tendência ou um estudo aplicado. Era uma questão de urgente necessidade para equipar um mar de soldados para se proteger de um mundo dividido que já se desenhava no horizonte. Havia a necessidade de uma arma automática, de calibre menor, com maior precisão e que não fosse a mesma munição de seus fuzis regulares.

 

Nova munição soviética

Ainda não se sabe exatamente quando foi o primeiro contato soviético com o calibre intermediário alemão. Em 1940, antes da guerra, engenheiros soviéticos foram convidados a visitar Berlim e suas instalações bélicas. Eles visitaram escritórios de armas de fogo e dentre eles estava o da Gustav Genschow and Co. – GECO, e puderam ver a carabina Vollmer M35. Essa carabina experimental usava um calibre intermediário de 7,75 x 40 mm. Eles lá puderam ver in loco como era a carabina e o cartucho. Mas foi uma simples apresentação, sem nenhuma transferência de material para os soviéticos. Isso pode ter despertado a atenção para esse tipo de calibre, embora naquela época ainda muito pouco se sabia desse conceito de calibre, até mesmo entre os alemães.

Carabina semiautomática M35 Vollmer. Um dos precursores do fuzil de assalto.

Após desenvolverem um novo calibre intermediário, o 7,92 mm Kurz, os alemães o usaram como testes em combate real à medida que os soviéticos começavam a ser uma ameaça. Embora em teste de campo, a arma dos alemães ainda estava em fase de desenvolvimento para ser um fuzil de assalto definitivo. Os alemães testaram contra os soviéticos o MKb42(H) em Sinjawino, cidade da então Leningrado, na metade de 1943. Ao contrário do que muito se pensa, não foi em Cholm que o MKb foi capturado em 1942. Pesquisas recentes nos museus soviéticos mostraram que os MKbs capturados na guerra tinham um serial que pertencia a agosto de 1943. Levando em conta os dados alemães de remessa de armas na guerra, a estreia do MKb foi em Sinjawino em 1943.

Nesses combates em Sinjawino os soviéticos conseguiram capturar vários MKb42(H) que no final acabaram usando em combate contra os próprios alemães. E mais. Dezenas de armas foram enviadas a Moscou para que eles estudassem não só a nova arma como o novo calibre intermediário criado pelos alemães.

MKb42(H). Muitas dessas armas foram capturadas em Sinjawino e mandadas para Moscou para serem estudadas.

Um bom estoque de armas e munições foi enviado ao NIPSMVO (órgão responsável por pesquisa e desenvolvimento de material bélico da URSS) em 1942. Lá os soviéticos puderam analisar o material capturado. Curiosamente, uma certa pessoa trabalhava no NIPSMVO. Era um tal de Mikhail Kalashnikov que se recuperava de ferimentos de guerra onde, ao mesmo tempo, esboçava dois protótipos de armas, uma submetralhadora e uma carabina semiautomática que no final foram ambas rejeitadas. Logo depois saberemos mais quem foi e o que se sucedeu.

O MKb42(H) deixou os soviéticos muito admirados não só pela nova arma, mas pela versatilidade do novo cartucho. Menor, mais leve, permitia maior controle dos disparos, controle em regime automático, maior capacidade do carregador, menor recuo e maior quantidade de munição que os soldados podiam carregar. Tendo isso em conta, os soviéticos Começaram a desenvolver na metade de 1943 o seu cartucho intermediário, o 7,62 x 41 mm, começando os testes balísticos em dezembro desse ano.

Soldado soviético com um MP44 capturado.

Com o novo calibre, os soviéticos passaram a delinear os seus requisitos. Ainda estavam presos ao velho conceito do 7,62 x 54 mm R. Os requisitos eram um pouco exagerados para o novo calibre intermediário. Em um campo aberto, esperava-se que o calibre fosse apto a acertar um alvo a 1.000 metros, mesmo que coberto com algum obstáculo. Deveria cumprir o fogo de apoio de até 800 metros e imobilizar um alvo com um disparo direto a 340 metros.

Os estudos do novo calibre mostraram que permitiria uma maior quantidade de munição levando o mesmo peso dela. Por exemplo, se o soldado levava 100 cartuchos de 7,62 x 54 mm RT, com o 7,62 x 41 mm ele levaria 140 cartuchos. 40% a mais de munição. Outro ponto a considerar era a economia. O novo calibre permitia que, para cada 1 milhão de cartuchos produzidos, seriam economizados 4 toneladas de metal para as cápsulas, 1,5 tonelada a menos de propelente e 1 tonelada de chumbo para os projéteis. Além disso, agilizaria a produção em massa da nova munição. O curioso de tudo é que em 1944 começa a produção em grandes lotes dessa munição. Com o passar do tempo e dos testes de campo, ele foi alterado anos mais tarde para o 7,62 x 39 mm. A curiosidade reside que milhões de cartuchos foram feitos em 7,62 x 41 mm e no final boa parte dessa produção simplesmente foi descartada.

Documento soviético de 1944 falando sobre o MKb42(H) e de sua munição.

A Primeira seleção

Os estudos, pesquisas, desenvolvimentos e avaliações para uma nova classe de arma seria feito pelo NIPSMVO tendo como base padronizar o uso do novo calibre. Para tanto, a meta era substituir três armas, a PPSh-41, a PPS-43 e o fuzil Moisin Nagant. E E levando em conta o programa de padronização de arma e calibre, também seria desenvolvida uma metralhadora leve de apoio. Assim sendo, os requisitos visavam um fuzil de assalto para a tropa, tropas especiais, paraquedistas, oficiais, tripulações. Eram muitas categorias de emprego que iria usar uma mesma arma.

Temos que recordar que naquela época ainda não se tinha uma definição exata para esse tipo de fuzil e nem qual classe de arma pertencia. Alguns achavam que era uma submetralhadora, outros achavam que era uma carabina automática e outros achavam que era uma metralhadora leve de apoio compacta (o tema não é pacificado até os dias de hoje). A nomenclatura se resume a A (avtomat, que significa pelo óbvio, automático) seguido da letra inicial da empresa concorrente. Várias empresas apresentaram modelos e muitos deles literalmente não saíram do papel. Alguns nasceram ultrapassados e outros além do seu tempo.

Dois problemas surgem neste momento. Stálin tinha colocado como prioridade esse programa de desenvolvimento. Isso significava dizer que tudo seria feito em um curto espaço de tempo, com exigências bem estabelecidas e todas as equipes deveriam respeitar todos os prazos. E para piorar isso, em virtude dos paranoicos expurgos feito por Stálin, muito engenheiros que tinham um grande conhecimento de armas de fogo ou foram fuzilados ou estavam presos. O panorama não era nada bom, além dos prazos curtos, muitos não tinham experiência em mecânica fina para essa empreitada. Era uma cena típica do pós-guerra, ordens de Stálin e um terror que assombrava aqueles que tinham que cumprir uma tarefa quase impossível.

 

Soldados soviéticos com a PPSh-41.

Os requisitos estabelecidos ditavam uma arma leve, sem problemas de falhas, de fácil  fabricação, fácil de operar e usar uma quantidade pequena de peças, o uso do novo calibre, grande capacidade do carregador e operar em regime semi e automático. Os soviéticos colocaram bipodes como requisito para que o soldado tivesse maior precisão com um alcance de disparo de 600 metros. Como se tratava de uma nova categoria de arma, até então extraordinária se comparada com o seu inventário, muitos projetistas ainda não perceberam bem o que fazer. Alguns projetos de fato se assemelham com um fuzil de assalto clássico. Outros se assemelham a metralhadoras leves e outros até mesmo fuzis semiautomáticos.

Para não criar confusão, dividiremos em duas partes o processo da primeira seleção. Você Leitor irá entender no final o motivo disso.

 

Primeira Parte

Após criar a comissão avaliadora para o novo fuzil de assalto, lidando com o que se queria substituir, ficou decidido que para o novo calibre 7,62 x 41 mm seriam desenvolvidas três armas. Um fuzil, uma carabina semiautomática e uma metralhadora leve de apoio. O que poucas pessoas sabem é que esse fuzil de assalto não seria a arma padrão e sim uma arma de suporte para a infantaria. No decurso do desenvolvimento dos requisitos, decidiram por substituir todas as armas pelo novo fuzil de assalto (fato este que só veio acontecer na metade dos anos 50). E para complicar as equipes, mais requisitos foram adicionados. Desta forma, agora o fuzil deveria: não ter mais do que 5 Kg; nNão ser maior que 1.000m; o cano deveria ter entre 500 e 525 mm; deveria ter regime semi e automático; o carregador deveria ter capacidade entre 30 e 35 cartuchos; a precisão não deveria ser inferior a de um disparo de Moisin Nagant a 100 metros e para maior estabilidade e precisão, a arma deveria ter um bipode.

Diante disso tudo, as equipes se reuniram e ofertaram as suas armas para avaliações e testes. Eram elas.

 

AS-44

Este fuzil de assalto foi projetado por Alexei Sudaev e praticamente foi o paradigma para os fuzis de assalto soviéticos, mesmo com outros modelos adotando layouts diferentes. Este fuzil surgiu em 1944 usando o calibre 7,62 x 41 mm. Adotando algumas ideias alemãs, estava o seu carregador curvo para 30 cartuchos e o ferrolho basculante. Ao todo, foram feitos 7 modelos de AS-44. Não que cada modelo fosse diferente, mas que era uma tendência, também copiada dos alemães, de alterar o projeto para cada versão feita da arma. Desta forma temos 7 modelos em pouco espaço de tempo.

AS-44 do primeiro lote.

Além de alguns MKb42(H) que os soviéticos capturaram em Sinjawino, eles também receberam por um tempo modelos de MP43 e StG44 que vinham capturados do front. Os soviéticos então acharam por melhor produzir a caixa da culatra em metal estampado e Sudaev fez o mesmo. Porém, essa era uma tecnologia nova. Se para os alemães o material estampado em armas era algo ainda novo, para os soviéticos era uma descoberta já que eles não tinham essa mesma tecnologia alemã na URSS.

Desta forma, o 1º modelo AS-44 era feito com toda a caixa da culatra em material estampado, onde apenas o guardamão, coronha e empunhadura eram de madeira. A metalurgia ainda não permitia estamparia com qualidade satisfatória e não tardou para a arma simplesmente quebrar ou desmontar. Desta forma, o 2º modelo teve um redesenho e a coronha e empunhadura passaram a ser parte única. O mesmo problema persiste e para solucionar isso, somente a parte de cima da culatra era feito em estamparia, tendo todo o corpo da arma em uma peça única de madeira para dar maior rigidez á arma.

AS-44.

Os primeiros modelos disparavam no regime semi e automático. Utilizavam um sistema de ferrolho basculante, com um pistão grande acoplado ao transportador do ferrolho. O ferrolho não era trancado ao cano. Após disparar, os gases da deflagração do cartucho percorriam o cano em que, ao chegar a um orifício, os gases entravam em um êmbolo onde estava um grande pistão. Os gases pressionavam o pistão para trás, movendo o ferrolho, que voltava com grande força para trás. A mola recuperadora do ferrolho basculante impulsionava o ferrolho para frente, colocando um cartucho na câmara do cano.

AS-44. Note o pistão preso à alavanca de manejo mas com o ferrolho em separado.

A arma se mostrou muito promissora. Em regime semiautomático eles viam que a arma perdia precisão dos disparos se comparados com os Moisin Nagant. Isso se dava em partes porque a energia do recuo do ferrolho era muito alta. Por sua vez, em regime automático, a arma era elogiada, conseguindo maior alcance que as PPSh-41 e PPS-43. Isso ocorria porque o AS-44 era muito pesado para um fuzil de assalto. Ele pesava descarregado 5,7 Kg o que fazia o próprio peso acaba por amortecer parte do recuo. Mas ainda era considerado muito pesado.

AS-44

Calibre: 7,62 x 41 mm
Comprimento total: 033 mm
Comprimento do Cano: 505 mm
Peso: 5,7 kg
Carregador: 30 cartuchos

 

Korovin

AK-44. Muito pouco se sabe dessa arma. Ao que conta, usava um sistema de captação de gases mas não se sabe qual o método exato. O ferrolho não era rotativo, mas sim de gancho. Ao que consta, o ferrolho tinha ressaltos que se prendiam a uma base na câmara do cano, algo parecido com o ferrolho basculante e logo atrás estava a mola recuperadora. Assim como os outros modelos, a alavanca de manejo estava solidária ao pistão da arma mas com o ferrolho em separado.

 

AK-44.

 

Tokarev

AT-44. Esta arma apresenta maiores detalhes. Ela foi apresentada por Feodor Tokarev e decidiu por não inovar tanto na arma. Adotou um layout já pronto para aproveitar melhor o maquinário que tinha, apenas adaptando o novo calibre ao modelo AVT-40, que era um SVT com seletor para o regime automático. Isso faz com que o protótipo tenha um visual de fuzil semiautomático, tanto é que até a empunhadura original foi mantida na coronha. Isso foi feito para que Tokarev ganhasse tempo e economizasse dinheiro desenvolvendo novos métodos e adaptando novo maquinário.

AT-44.

O sistema de disparo era o mesmo do AVT-40, com alterações pontuais em virtude do calibre de menor pressão. Após o disparo, os gases captados iam para um êmbolo onde havia um pequeno pistão. Os gases comprimiam esse pequeno pistão que por sua vez empurrava um pistão maior, empurrando assim o ferrolho para trás. Depois uma mola recuperadora situada atrás do ferrolho o impulsionava para frente, colocando um cartucho na câmara do cano. Usava o conceito do ferrolho basculante. Assim com os outros, tinha carregador para 30 cartuchos, regime semi e auto, assim como bipode.

Tokarev 44

Calibre: 7,62 x 41 mm
Comprimento total: 1080 mm
Comprimento do cano: 485 mm
Peso: 4,8 kg
Carregador: 30 cartuchos

 

Kuzmishchev

AK-44. Mais uma arma com poucas informações. Carregador para 30 cartuchos. Operava no semi e automático. O fuzil operava pelo uso de gases com trancamento de ferrolho. A mola recuperadora não ficava atrás do transportador do ferrolho. O curioso é que adotava duas hastes guias com duas molas recuperadoras. O ferrolho era rotativo por dois ressaltos. Essa arma recebeu certa influência do AS-44.

AK-44. Note o grupo do ferrolho semelhando ao AS-44.

 

Ivanov e Alexandrovich

Praticamente nada se sabe dessa arma apresentada por dois engenheiros. Apenas que usava um ferrolho basculante movido por pistão de curso longo.

Modelo proposto por I.A.

 

Kashtanov e Alexandrovich

Também nada se sabe dessa arma. Apelas que ela tinha ferrolho basculante por pistão curto. Pode ser que seja semelhante à arma de cima por ter o mesmo engenheiro, Alexandrovich.

Modelo proposto por K. A.

 

Prilutskiy

AP-44. Sem dúvida alguma o fuzil de design mais arrojado. Cabe dizer que até mesmo hoje esse design é algo impressionante. Lembra muito os projetos bullpups dos anos 70. Praticamente pouquíssimo se sabe sobre ele. Ele trabalhava com o uso de gases e com trancamento de ferrolho basculante com ação de pistão de curso curto.

AP-44.

Segunda Parte

Nem tudo saiu como era esperado. Ao que consta, todas, isso mesmo, todas as armas falharam de algum modo. Não há como estabelecer quais os pontos de cada arma, mas todas tiveram falhas sérias. Algumas não tinham precisão. Outras não tinham controle. Outras quebravam. Outras falhavam no modo automático. Outras extrapolavam o peso. Outras não tinham o regime semiautomático. Diante disso, em julho de 1944, foi dada a chance das empresas reformularem suas armas. Mas todas falharam novamente.

Não é sem motivo. Os soviéticos estavam entrando num campo inédito e inexplorável para eles. Não tem como pesquisar e desenvolver uma arma nova em tão pouco tempo com conhecimentos e recursos limitados. Mas mesmo assim, levando em conta as necessidades da URSS, o programa foi levado adiante. Como o fuzil AS-44 havia se mostrado o menos problemático, o NIPSMVO decidiu por mantê-lo na concorrência. Foi permitido a inclusão de dois novos concorrentes, Bulkin e Shpagin.

AS-44

Novamente, Sudaev tenta uma versão melhorada de seu AS-44, com refinamentos pontuais. Praticamente era a mesma arma e não buscou arriscar o 7º modelo do AS-44 que usava um sistema de captação de gases diferentes. Mantendo o modelo anterior, diminuíram o tamanho da arma e o peso. Mesmo assim, ela continuava pesada. A maior alteração foi a adoção de um ferrolho rotativo de dois ressaltos. Este protótipo usava o sistema de ferrolho aberto na qual o ferrolho fica travado atrás na caixa da culatra. Após apertar o gatilho, ele vai para frente, fazendo com que o percussor deflagre o cartucho, após a saída do projétil, os gases empurram o pistão que por sua vez empurra o ferrolho para trás. Nesse momento, ele fica travado atrás da caixa da culatra e não no cano.

 

AS-44.

 

Bulkin

AB-44. Esta arma era diferente em quase tudo. Diferente para ruim Ela tinha uma semelhança com a metralhadora inglesa bren. O AB-44 tinha um ferrolho rotativo de três ressaltos onde era operado a gás, usando um ferrolho basculante. O ponto ruim era o carregador que ficava na parte de cima da arma. E para piorar, o seletor do regime de disparo também ficava na parte de cima da arma. Estava mais para uma metralhadora leve do que um fuzil de assalto. A sua ergonomia e praticidade eram muito ruins.

AB-44.

 

Shpagin

AS-44. Se o Bulkin era ruim, o Shpagin era pior. Este fuzil nada mais era do que uma PPS-43 em escala maior. Trouxe ao fuzil de assalto características de submetralhadora que em um fuzil de assalto torna um verdadeiro pesadelo. Começamos pelo sistema. Blowback, o mesmo usado em pistolas. Ao disparar, toda a energia vinha direto para o ferrolho, movendo-o com extrema violência para trás. O recuo nessa arma era algo realmente violento.

AS-44.

Para piorar, como a PPS-43, o AS-44 utilizava o método ferrolho aberto. O problema é que o grupo do ferrolho pesava quase 1 Kg (o fuzil descarregado pesava 5,4 Kg). Ao se movimentar para frente, a massa fazia com que a arma mexesse, perdendo e muito a precisão já que com o movimento o soldado perdia a visada do alvo. Assim como Tokarev, Shpagin usou um modelo pronto para ganhar tempo e economizar dinheiro. O barato virou um fracasso. A arma simplesmente desmontava depois dos 300 disparos. Foi devidamente rejeitada.

 

Ínterim

Bulkin e Shpagin foram completos fracassos. Sobrando novamente o AS-44 de Sudaev que, mesmo melhorando em algumas coisas, ainda tinha erros a serem corrigidos. O grande peso e a falta de precisão não haviam agradado a comissão avaliadora. O NIPSMVO não permitiria uma produção em larga escala da forma como estava. Desta forma, Sudaev lançou uma versão mais nova do AS-44, chamada de AS-44 OAS. A arma quebrava menos, falhava menos e tinha ficado mais leve (havia perdido quase 1 Kg de peso), não tinha bipode, mas não solucionou o problema da precisão. Se antes era ruim, com o fuzil mais leve ficava mais difícil controlar o recuo já que influencia na dispersão dos disparos. Era um problema pontual que podia muito ser solucionado. Mas isso não chegou a ser feito.

Sudaev faleceu no dia 17 de agosto de 1946 por câncer. Havia morrido a pessoa que poderia fazer as devidas alterações no projeto da arma. Como ele estava em constante contato com o NIPSMVO, só ele sabia o que fazer. O NIPSMVO não tinha escolha e decidiu por parar tudo e realizar mais um processo de seleção, já que as empresas estariam mais amadurecidas com os novos projetos e experiências adquiridas no primeiro processo.

Embaixo, da esquerda para a direita: S.G. Simonov, G. S. Spagin; Chefe do NIPSMVO, Major general Ibulba, V. A. Degtyarev, V. G. Fedorov, A. I. Sudayev. Em cima, da esquerda para a direita: N. M. Elizarov, V. G. Komarov, N. A. Orlov, N. S. Okhotnikov, N. A. Bugrov, I. P. Rodin, I. F. Dmitriev, K. N. Yuzhin, B. C. Moskalenko, I. Y. Bashmarin e A. M. Egorov.