Ferrolhos

Qual o motivo para o trancamento do ferrolho?

A primeira finalidade, primordial, é a precisão do disparo. O ferrolho, assim como o transportador (caso o modelo o tenha) forma uma massa que atua em conjunto com uma mola recuperadora. Imagine um peso dentro da própria arma.  A cada disparo, esse peso (massa) se locomove com força em sentido contrário. Após o disparo, o projétil percorre o cano pela ação dos gases. Esse percurso no cano dará a estabilidade e energia em virtude do raiamento da alma do cano e ação dos gases. Quando o projétil sai desse cano, ele sai com sua trajetória estabelecida.

Esse movimento de retrocesso da massa do ferrolho dura milésimos de segundos. Para isso, o cano da arma tem de ser mantido estável nesses milésimos de segundos. Se o cano treme, mesmo que quase nada, o projétil irá seguir uma trajetória diferente da qual o soldado havia previsto. Para tanto, é necessário que o ferrolho seja trancado durante o disparo, para que o movimento dessa massa não interfira durante a deflagração do cartucho.

Com o ferrolho trancado, o ferrolho está preso à base ou câmara do cano. Uma vez preso, ele não vai se locomover durante esses milésimos de segundos do disparo. Isso é deveras importante. Isso significa que, durante o percurso do projétil pelo cano, a massa do ferrolho e seu transportador não vão interferir o cano pelo seu movimento (já que estarão travados). O movimento de retrocesso e avanço pela mola recuperado faz um peso se locomover dentro da caixa da culatra. Esse movimento de vai e vem, durante o disparo, faz com que o cano se movimente levemente e, ao fazer isso, ele sai da linha com o alvo, fazendo o projétil sair de sua trajetória original.

Note o ferrolho colocando um cartucho na câmara do cano. A parte em azul mostra os ressaltos do ferrolho que se alinham, entram, viram para a direita e travam o ferrolho na base do cano, mostrado na parte amarela.

Ao manter o ferrolho trancado, o projétil seguirá sua trajetória original. Após o projétil sair do cano, os gases cano diminuem. Isso faz com que a pressão interna do cano caia a níveis mais seguros. Isso é importante porque a energia dentro do cano é muito alta. Se houver o destrancamento imediato do ferrolho, este retrocederia com muita violência, o que poderia ser um risco para o mecanismo de disparo da arma, assim como a própria integridade do soldado.

Com níveis seguros de gases dentro do cano, o ferrolho, pela ação dos gases ou da energia do recuo residual, irá de destravar, destrancando o ferrolho e recuando, comprimindo uma mola recuperadora, onde irá para frente pela ação da mesma e trancando o ferrolho para o próximo disparo. Durante a travessia do projétil, em nenhum momento o ferrolho se locomove. Com sua massa (peso) travada, a arma não sofre interferências de energia sobre o cano pelo deslocamento do ferrolho e seu transportador. Isso garante um disparo mais preciso.

Imagine se o ferrolho não fosse travado. No momento do disparo, imediatamente, no mesmo milésimo de segundo, o ferrolho se moveria para trás enquanto o projétil ainda estaria percorrendo o cano. O movimento de recuo do ferrolho gera uma massa (peso) que alteraria o balanceamento do peso da arma, fazendo com que a massa, ao ser impulsionada para trás, moveria também o cano levemente para cima. Essa mínima diferença é o suficiente para que o projétil saia do cano fora da sua trajetória original. O soldado faz a mira correta, mas o projétil não acertaria o alvo.

Note o projétil na cor azul. Ele percorre o cano enquanto que o ferrolho ainda está travado, na cor amarela. Isso dá tempo ao mecanismo para operar em níveis de pressão mais seguros.

Outra finalidade do trancamento do ferrolho é a de dar segurança ao próprio mecanismo de disparo. O trancamento do ferrolho também serve como meio para travar o cartucho na câmara do cano. Um ferrolho trancado evita que o movimento aleatório por energia do disparo retire parte de um cartucho da câmara do cano assim que ele for inserido. Após o disparo, o ferrolho, ao se locomover para colocar um novo cartucho na câmara, pode bater e voltar de forma involuntária. Caso isso aconteça, ele pode extrair parte do cartucho da câmara do cano. Isso irá fazer com que a arma não dispare. O ferrolho, ao ser trancado, garante que ele não retrocederá de forma involuntária, mantendo o cartucho na câmara a todo momento.

Uma outra situação peculiar que poderia ocorrer caso o ferrolho não estivesse trancado em disparos seguidos. Como o ferrolho não é trancado, a cada disparo ele se locomove de forma involuntária. Mesmo que seja poucos milímetros. Poderá ocorrer de, ao acionar o gatilho, acionar o percutor ou percussor em um momento em que esse ferrolho ainda estaria em movimento involuntário. Poderia acontecer do percutor ou percussor bater em falso. O cartucho seria acomodado na câmara do cano e o soldado acionaria o gatilho mas não dispararia porque o percutor ou percussor bateu em falso antes.

 

Ferrolho aberto e ferrolho fechado

Hoje não existe celeuma sobre ferrolho aberto ou fechado. Aqui focaremos as características de cada um porque são abordados em vários artigos e a intenção é exemplificar os tipos. O ferrolho fechado é o método mais usado em armas de fogo semi e automáticas, assim como que predominantemente nos fuzis de assalto. Para um rápido entendimento. O ferrolho fechado consiste com o ferrolho travado (independentemente de qual tipo de travamento) na parte da frente da caixa da culatra diretamente na câmara do cano. Com um cartucho na câmara, após premir o gatilho, o percussor aciona a espoleta, deflagrando o cartucho. O mecanismo (independente de qual mecanismo de disparo) faz com que o ferrolho volte para trás. Pela mola recuperadora, o ferrolho volta para frente, colocando um cartucho na câmara, travando automaticamente o ferrolho. Ao premir de novo o gatilho, o processo se reinicia.

Que fique claro. Existem fuzis de assalto que não tem um sistema de trancamento do ferrolho. Mas o ferrolho se mantém preso ao cano por algum artifício, como a própria mola recuperadora. Como podem notar, a todo o momento o ferrolho fica fechado, tampando a janela de ejeção, uma vez que está travado à frente. A palavra travado significa preso, momentaneamente fixo, conjugado. O ferrolho fica conectado à base do cano ou à câmara do cano.

A carabina M4A1 opera com ferrolho fechado.

Esse método permite um tiro mais preciso. O percussor está no transportador do ferrolho que já está travado. Ao puxar o gatilho, a deflagração é feita quase que instantaneamente, independente de meios exteriores a esse processo. Como não há massa movimentando antes da deflagração, o atirador mantém a visada do alvo já que a arma está sem trepidação alguma. Após apertar o gatilho, não existe massa em movimento, apenas o percussor acionando a espoleta. Outro ponto em que se destaca este método é a segurança. Uma vez que o ferrolho está travado à frente, as chances de disparo acidental são minimizadas. Como o ferrolho não está travado atrás, se a arma cai ou recebe um forte golpe, as chances de o percussor ser acionado pela liberação do ferrolho são mínimas (embora existentes).

Já o ferrolho aberto é o método predominante em armas que operam em regime automático ou que, mesmo sendo semi, se espera o uso do regime automático com mais frequência e intensidade.

Para um rápido entendimento. O ferrolho aberto consiste com o ferrolho travado na parte de trás da caixa da culatra. Ele a todo o momento fica afastado da câmara do cano ou da base do cano. Não há um cartucho na câmara do cano e a janela de ejeção permanece aberta. Ao pressionar o gatilho, é liberado o ferrolho pela trava que libera a mola recuperadora. Ao ser liberado, o ferrolho empurra um cartucho para a câmara. Assim que o ferrolho chega à câmara, o percussor aciona a espoleta do cartucho, deflagrando. O mecanismo faz com que o ferrolho volte para trás, extraindo a cápsula da câmara. Neste momento, o ferrolho é travado, na parte de trás da caixa da culatra. Ao premir o gatilho, o processo se reinicia. Este método é mais indicado quando se tem uma taxa de disparo maior, como nos regimes automáticos. Falamos aqui no emprego de metralhadoras leves e submetralhadoras. A rápida cadência de disparo faz com que o cano e a câmara esquentem rapidamente.

A submetralhadora Sterling opera com ferrolho aberto.

Como há uma maior fricção de cada projétil na alma do cano, o cano passa a esquentar com mais rapidez. E quem opera nesse método não se pode dar ao luxo de esperar o resfriamento do mesmo. Para tanto, ao tornar o ferrolho travado atrás e sem o cartucho na câmara, o cano fica completamente livre. Isso faz com que haja circulação do ar entre a janela de ejeção, a câmara e a boca do cano. Esse fluxo de ar, mesmo que pequeno, faz com que o cano esfrie, permitindo assim o uso do regime automático. Mas isso não quer dizer que é algo livre. Mesmo com a circulação do ar, há que se respeitar o limite da arma.

Entretanto nem tudo é perfeito. Se por um lado o ferrolho fechado permite uma maior precisão, por estar justamente fechado, fará o cano e a câmara do cartucho esquentar mais rápido no regime automático ou mesmo no semi contínuo. Uma fonte de problemas é o cookoff. Quando a temperatura é muito alta, ocorre a deflagração da espoleta ou até mesmo do propelente do cartucho, fazendo com que a arma dispare sozinha sem ação do percussor. Esse fenômeno ocorre em temperaturas acima de 250º C em fogo contínuo automático de mais de 1 minuto.

AK-47 em uso pelo Iraque. Note os gases que saem pelos orifícios do êmbolo de gás. Isso ajuda a não esquentar e não sobrecarregar o mecanismo de disparo.

Se por um lado o ferrolho aberto permite uma maior cadência de fogo, por outro lado ele perde precisão uma vez que a mira do atirador pode desviar levemente. Quando o ferrolho, que está travado atrás, é liberado, o movimento da massa do transportador do ferrolho e ferrolho, assim como a inclusão do cartucho na câmara, faz com que a mira seja desviada levemente antes que o percussor deflagre o cartucho. Ou seja, as chances dos primeiros disparos acertarem o alvo são menores. Isso acontece porque o grupo do ferrolho é uma massa em movimento. Com a força do disparo e da ação da mola recuperadora, essa massa fica em constante movimento. E no movimento de ida para frente, ela acaba por desestabilizando o próprio centro de gravidade da arma.

Levemos em conta que esse tipo de método é usado em armas automáticas que estarão servindo como tiro de apoio, onde não há a necessidade de precisão cirúrgica já que a ideia é fazer o uso de saturação do alvo com os projéteis. Impera dizer ainda que armas com ferrolho fechado são menos suscetíveis a problemas em virtude da sujeira. Uma vez travado o ferrolho, a janela de ejeção fica fechada, impedindo a entrada de sujeira. Ao passo de que com o ferrolho aberto, a janela de ejeção fica aberta, tornando o interior da arma exposta à entrada de sujeira.

Algumas armas adotam os dois sistemas. Um fuzil de assalto pode ter uma versão para metralhadora leve de apoio. Uma maior cadência de disparo contínuo se faz necessária. Mas como fazer isso com a mesma arma? Um fuzil de assalto não adota o ferrolho aberto porque ele não foi feito para ser usado em automático constantemente. Além do mais, por ser um fuzil regular moderno, ele perderia precisão com os disparos. Se olharmos a história do fuzil de assalto, veremos que um dos primeiros modelos do StG44, o MKb42(H) disparava em ferrolho aberto, mas este não passou de protótipo porque ficou constatado que, de fato, a arma perdia precisão.

Pode se adotar o ferrolho fechado para o fuzil de assalto. Tomemos como exemplo o fuzil inglês L85, um fuzil de assalto de ferrolho fechado. Porém, a versão L86, uma metralhadora leve de apoio, tem um cano maior, mais pesado e usa o ferrolho aberto. Essa mesma solução foi adotado pelo Steyr AUG. O AUG é um fuzil de assalto de ferrolho fechado. Já a sua versão AUG HBAR é uma metralhadora leve de apoio, com cano maior e mais pesado, usando também o ferrolho aberto. Esse uso duplo não é de agora. O sistema Stoner 63 já previa isso. Fuzil de assalto com ferrolho fechado e metralhadora leve de apoio com ferro aberto.

AUG HBAR. Note o ferrolho aberto.

O fuzil de assalto M6 da LWRC adota um sistema interessante. Na sua versão A4, o fuzil dispara tanto com o ferrolho fechado como aberto. O primeiro disparo é feito com o ferrolho fechado. Após esse disparo, o ferrolho permanece aberto para os demais disparos, até que se feche o ferrolho por uma tecla.  Ou ainda, o SCAR IAR tinha um dispositivo que fazia a arma atirar com o ferrolho fechado. Entretanto, caso a temperatura do cano chegasse a um nível crítico, o ferrolho ficava aberto automaticamente. Entretanto, é um contrassenso isso porque um fuzil de assalto raramente será usado como metralhadora leve de apoio. O dispositivo de ferrolho aberto e fechado em uma arma apenas aumenta a complexidade dela. E além do mais, os frisos ao redor do cano é um grande problema para disparos em automático. Com o aquecimento há um desgaste mais prematuro do cano.

M6.

Como podem ver, ferrolho aberto ou fechado tem suas vantagens e desvantagens. Canos maiores têm maiores vantagens do que canos menores. Infelizmente é um tema que passa despercebido pelo mundo das armas de fogo.