Fuzil de Assalto ou de Batalha?

Seria o fuzil de assalto um paradoxo?

Quando o tema fuzil de assalto é abordado, é comum logo surgir a saudável discussão. Tal arma é um fuzil de assalto ou um fuzil de batalha? Por que é um fuzil de assalto? O que a torna um fuzil de batalha? Não seriam as mesmas armas? De antemão digo que este artigo visa apenas demonstrar os elementos intrínsecos e extrínsecos de cada categoria de arma. Não estipularei conceitos formados, terminações definitivas ou terminologias exatas. A finalidade é mostrar que existe muita confusão quando falamos dessas duas categorias de armas.

 

Origens

Temos que ver o que é um fuzil de assalto. Melhor, quando ele surgiu? Se olharmos a partir da 1ª G. M., veremos que muitos projetos de armas surgiram usando um calibre intermediário. Entretanto, o fato de uma arma usar um calibre intermediário não a torna, necessariamente, em um fuzil de assalto. Ocorre que nessa época de desenvolvimento ainda não se sabia qual a finalidade seria para o uso dessas armas. Uma arma de apoio? Uma arma regular? Uma arma especial? Uma arma secundária? Como todos esses projetos não passaram de protótipos, não se criou nenhuma doutrina de emprego para elas. Desta forma, não temos elementos para ver qual seria sua finalidade.

A Alemanha passou a pesquisar o fuzil de assalto como conhecemos hoje. E mesmo na Alemanha isso foi um tema de grande confusão para saber qual tipo de arma era aquela. Alguns sugeriam uma metralhadora leve. Outros sugeriam uma carabina automática. Outros uma submetralhadora. Poucos eram os que tinham notado que ela seria uma nova categoria de arma com alguns elementos que a tornariam única. Estavam dentre eles o uso de um calibre intermediário. Um comprimento menor se comparado com a arma padrão (no caso o fuzil de repetição). Uma arma mais leve. Um alcance efetivo para pequenas e médias distâncias. Grande poder de fogo e o principal, a capacidade de disparar em automático sem perder muito a precisão. Todos esses elementos formaram o fuzil de assalto. Elementos estes presentes até hoje.

Soldados americanos inspecionam armas alemães, dentre elas o StG44. O mundo se deparava com uma nova categoria de armas.

O que poucos perceberam é que a Alemanha, ao criar o fuzil de assalto, tinha como meta substituir todas as armas que a infantaria usava, onde manteria apenas a metralhadora leve de apoio. Ou seja, o fuzil de assalto substituiria todos os fuzis de repetição, os fuzis semiautomáticos e as submetralhadoras. Entretanto, a guerra acabou antes que isso pudesse ser concretizado. O fuzil de assalto nunca foi uma arma especial ou secundária, sempre fora idealizado como uma arma regulamentar do soldado alemão. Esse é um dos outros elementos de um fuzil de assalto, a de ser uma arma regular, padrão, de que todo soldado deveria portar.

Terminada a guerra, o mundo recém havia descoberto o conceito do fuzil de assalto e do calibre intermediário. Entretanto, era o pós-guerra com os países absorvendo novas tecnologias, novos conceitos ao mesmo tempo em que reorganizavam seus exércitos. Nesse diapasão surge os EUA com o calibre 7,62 x 51 mm que, praticamente, foi imposto à força para a OTAN e seus aliados. Este calibre, a bem da verdade, nada mais era do que uma miniaturização do calibre 7,62 x 63 mm (30-06) em virtude do emprego de propelentes mais modernos que exigiam uma quantidade menor para que tivesse o mesmo desempenho balístico. Em cima desse calibre novas armas foram feitas.

É aqui que surge toda a confusão. Um fuzil no calibre 7,62 x 51 mm não é considerado um fuzil de assalto, mas sim um fuzil de batalha. E o que vem a ser um fuzil de batalha? É uma arma longa, com capacidade para fogo semi ou automático. Uma arma com capacidade para curtas, médias e, note, longas distâncias. E para isso, é necessário um calibre mais potente para cobrir a distância maior gerando um projétil com energia maior para essas mesmas distâncias. Ou seja, falamos de um calibre que não é intermediário. O ponto mais curioso dessa definição não é nem a definição em si, mas a data de seu surgimento. O termo fuzil de batalha surgiu nos EUA no começo dos anos 80.

Material publicitário do AR-10 onde mostra ele sendo usado em diversas configurações. Note que se usa a mesma arma, fuzil de batalha, para outras tarefas, como se faz com os fuzis de assalto.

É deveras curioso porque a definição dessa categoria surgiu somente após 30 anos do desenvolvimento dessa mesma categoria. Isso é importante ver porque naquela época, 50 anos atrás, o mundo ainda desenvolvia suas armas regulares e muitos países tinham definições diferentes para suas armas que, embora próximas, algumas vezes geravam interpretações completamente diferentes. Até hoje cada país tem a sua própria definição que pode ser diferente de outro país.

A Alemanha surgiu com essa definição com o Sturmgewehr, fuzil de assalto em alemão. Terminada a guerra, os países tiveram contato com essas armas e adotaram esse termo. Por exemplo, a Suíça adota o mesmo nome, Stg, de Sturgewehr. A Áustria seguiu o mesmo caminho com o Stgw, também de Sturmgewehr. Mas… Essas armas não usavam um calibre intermediário! O suíço STG57 usava o 7,5 x 55 mm, enquanto que o austríaco Stgw58 usava o 7,62 x 51 mm. Dois calibres potentes, destinados a grandes distâncias com energias de sobra em seus projéteis.

A URSS, engajada no desenvolvimento do seu fuzil de assalto, adota o termo “avtomat”, ou automática. Não há uma distinção entre fuzil de assalto ou carabina. Avtomat será uma arma automática que utiliza um calibre intermediário. A Bélgica, criadora do FAL, adota o próprio nome como categoria, um fuzil automático leve. Cabe mencionar que o FAL, quando surgiu, utilizava o calibre 7,92 mm kurz e mesmo assim não se autodenominava como fuzil de assalto. A Alemanha, ao produzir o G3, usava o G de Gewehr, fuzil em alemão, sem uma categoria exata para essa arma. Tanto é que os protótipos criados tanto pela HK como pela Rheinmetall não usavam o termo sturmgewehr nos protótipos em calibre 7,62 x 39 e 5,56 x 45 mm. A título de curiosidade, o Brasil adota o FAL sob o tipo “fuzil”, daí o Fz.

Soldados soviéticos no Afeganistão. O AK-74 se mostra como um fuzil de assalto quando ele é a arma padrão de um exército regular.

Ou seja, o mundo ainda não tinha uma uniformização na definição para armas diferentes. Cada país criava a sua. E isso faz criar uma série de interpretações. Alguns defendem que uma arma de calibre intermediário é uma carabina por ser menor se comparado com um fuzil regular de repetição ou semiautomático. Isso talvez vem da época da concepção do fuzil de assalto na Alemanha no pré-guerra. As armas eram consideradas carabinas automáticas. Porém, estamos falando da fase embrionária. Uma vez que a arma seria regular, não haveria distinção para carabinas já que a maioria dos exércitos, até hoje, adota a carabina como uma arma automática de cano menor se comparado com o fuzil regular, no caso um fuzil de assalto. Sé é uma carabina automática, como seria uma versão de cano menor? Carabina da carabina?

HK G36C. Caso o fuzil de assalto fosse considerado uma carabina automática, como ficariam as versões de canos menores?

O termo fuzil de batalha já e mais amplo. Tecnicamente falando, todo fuzil é de batalha já que estará no campo de combate. Daí temos fuzis de repetição, fuzis semiautomáticos, de precisão, de assalto, carabina, antimaterial (.50). Isso apenas aumenta a confusão porque o fuzil de batalha, assim como o fuzil de assalto, é uma arma regulamentar. Até 1980, a maioria dos exércitos usava o calibre 7,62 x 51 mm como sua arma regulamentar. Havia carabinas também no mesmo calibre. Isso mostra que tanto o fuzil de assalto como de batalha são armas regulares e não complementares uma às outras.

Os termos assalto e batalha podem confundir em um primeiro momento, mas são categorias diferentes. O fuzil de batalha não surgiu com os mesmos propósitos do fuzil de assalto. Não se tem um calibre intermediário, não visa distâncias menores, não é mais leve, não tem controle em regime automático e tem um poder de fogo menor. Em virtude desses elementos, uma arma em calibre 7,62 x 51 mm não pode ser categorizada como fuzil de assalto. Este nasceu para ser leve, usar um calibre intermediário, ser usado a curtas e médias distâncias, tem um grande poder de fogo e poder disparar em regime automático. Como podemos ver, são duas categorias diferentes porque nasceram para propósitos diferentes.

 

Alguns paradoxos

Feitas as introduções históricas e as devidas distinções, para deixar o tema mais bagunçado, vamos ver alguns paradoxos.

O que acontece quando temos uma mesma arma, mas com calibres diferentes? Tomemos como exemplo o belo E.M.2. Este fuzil nasceu como fuzil de assalto já que o seu calibre, o .280, surgiu como um calibre intermediário. Ocorre que, por pressão americana, esse calibre não foi adotado pela OTAN, sendo adotado o 7,62 x 51 mm. Isso vez o programa E.M.2 ser cancelado. Mas antes disso, alguns E.M.2 foram convertidos ao 7,62 x 51 mm. Falamos então de duas armas, como mesmo tamanho, com mesmo peso e com mesma doutrina. E então? Temos um fuzil de assalto ou de batalha? Em virtude do recuo maior, seria incontrolável o regime automático, o que afetaria não só o conceito como a doutrina de emprego, já que o disparo em automático é uma condição sine qua non para um fuzil de assalto.

E.M.2. Surgiu como um fuzil de assalto. Chegou a ser convertido ao 7,62 x 51 mm, onde passou a ser um fuzil de batalha com o mesmo tamanho e peso.

O disparo em automático nunca é usado como regra geral, até mesmo nos fuzis modernos em calibre 5,56 x 45 mm ou 5,45 x 39 mm. Disparos em automático exigem certas circunstâncias para que tenha o efeito esperado. Desta forma sempre será usado em regime semiautomático, pois o automático apenas faria uma grande dispersão e desperdício de munição. Mas e a curtas distâncias? O regime automático é usado, no máximo, até 100 metros. Um soldado com um fuzil de assalto pode realizar isso. E com um fuzil de batalha? Se levarmos em conta que os disparos costumam sem pequenas rajadas de 3-5 disparos, um soldado bem treinado pode realizar esse tipo de disparo com um fuzil de batalha. O requisito de controle do fogo automático passa a ser questionado porque, em tese, ambas as categorias de armas poderiam ser usadas nos mesmos contextos.

Para deixar a coisa toda mais complexa. Japão e Espanha usaram o calibre 7,62 x 51 mm (o Japão ainda usa). O que esses países têm em comum. A Espanha criou o calibre 7,62 x 51 mm CETME, que foi usado por pouco tempo. Nada mais era que um 7,62 x 51 mm com uma carga menor de propelente. Isso fazia com que o recuo da arma fosse menor. Por sua vez, o controle em regime automático era maior. O Japão seguiu o mesmo caminho. Fez sua versão do 7,62 x 51 mm onde diminuiu a quantidade de propelente do cartucho. Isso fazia um recuo menor e, também, fazia ter um maior controle em regime automático. Oras, se falamos de um fuzil com maior controle em automático, não seria um fuzil de assalto? Ou melhor, por ter um controle maior em regime automático deixaria de ser um fuzil de batalha?

Soldado japonês com o Tipo 64. Os japoneses usam um calibre 7,62 x 51 mm com menor carga de propelente para maior controle em rajadas curtas.

Isso se deu porque o conceito do fuzil de assalto (não digo que o CETME B e o Tipo 64 são fuzis de assalto) englobava a forma de como a arma era usada. Temos aqui o conceito do fuzil de assalto à parte, e temos o conceito do emprego de assalto da arma. A doutrina exigia disparos em regime automático durante uma progressão. Os fuzis espanhóis e japoneses empregavam fuzis de batalha, mas com característica de emprego de fuzis de assalto. Usando um calibre especial, o fuzil Tipo 64 japonês é um fuzil de assalto ou de batalha? Levando em conta maior controle em automático e o uso a médias e curtas distâncias (o calibre não tem energia para maiores distâncias), por que ele ainda é considerado fuzil de batalha?

Recorda-se no primeiro parágrafo quando eu disse que não determinaria nenhum conceito final? É por isso. As armas, de fato, têm características diferentes que impedem que elas sejam generalizadas. De fato, temos que ver como foi o surgimento delas e o contexto em que se deram. Quais foram seus propósitos e quais suas principais características. Ambos os conceitos, fuzil de assalto e fuzil de batalha, têm as suas limitações ao não englobarem contextos e características diferentes da mesma classe de arma. Entretanto, é claro e notório que essa distinção existe, e deve existir, sendo que tanto o fuzil de assalto e fuzil de batalha tem a sua raison d’être. São categorias diferentes de armas, não há dúvida. Mas ainda persistem os dilemas de estipular, de forma concreta e final, quais as características de cada uma dessas categorias. Essas características são abordadas até hoje pelos pesquisadores de armas de fogo, o que mostra que o tema não é pacificado até hoje.

Galil. Mesma arma. Mesmas dimensões. Mas com calibres diferentes que tornam um em fuzil de assalto e outro em fuzil de batalha.