AKM-47 Parte 01

O AKM-47 é o AK como conhecemos hoje e que se proliferou pelo mundo. A letra M vem de “Modernização” e isso não quer dizer que seja uma arma melhor. A única diferença entre o AKM e AK é a facilidade de produção em massa. Desde o começo os soviéticos queriam a produção em larga escala, mas era impossível com o AK-47. Eles só conseguem isso com o AKM-47, gerando uma arma barata e fácil de produzir. Esse foi o segredo do AKM-47 ser vendido aos milhões pelo mundo inteiro. Nunca foi pela qualidade da arma ou pelo seu esmero técnico. Foi uma arma simples, barata e que era muito fácil e barato de produzir.

 

Contexto Histórico

Enquanto o AK-47 ainda era avaliado e implementado no leste europeu, era lançado na Europa o Plano Marshall, que consistia na injeção de bilhões de dólares para a economia dos países sob a influência americana. Se a economia desses países crescesse, implicava que o industrial também cresceria e que, por sua vez, sua capacidade bélica cresceria no mesmo ritmo. Falamos de exércitos formados, armados e prontos para uma guerra em grande escala. A economia dos países sob a esfera soviética não tinha um plano com tamanho poder financeiro e a reconstrução econômica e industrial ainda levaria tempo. Ou seja, esses países não contavam com um gigante plano econômico que impulsionasse a sua indústria bélica.

Após a escolha do AK-47 como seu fuzil regular, a URSS se depara com um sério problema. A criação da OTAN em 1949. Isso implica dizer que os países da OTAN fariam armas em massa. O problema é que tanto a URSS como os países sob sua influência não tinham maquinário e nem condições de desenvolver armamento próprio em massa. Além do mais, não só a URSS o fabricaria assim como outros países sob sua esfera, o que apenas aumentava o problema, pois todos eram dependentes da URSS para isso. O panorama da esfera socialista era de produzir um fuzil de assalto em massa com poucos recursos em economias abaladas pela guerra.

Tropas em cima de um carro de combate. Note o AK-47.

O AK-47 era uma arma simples, mas com uma produção mais cara e lenta. O bloco da caixa da culatra usinado exigia mais procedimentos de produção, o que tornava o processo lento e mais caro. Era lento porque havia uma série de procedimentos manuais para finalizar o bloco e era mais caro porque exigia uma maior quantidade de metal. Isso também gerava um maior desperdício desse mesmo material. Para uma quantidade menor esse processo era viável. Mas colocar uma arma em produção em massa com um bloco usinado seria impossível para os planos da URSS de querer armar milhões do seu exército com uma arma em tão pouco tempo. Além disso, teria de fazer o mesmo com os países satélites e ocupados pelos soviéticos.

Tropas soviéticas na praça vermelha no começo dos anos 50.

Para a URSS colocar o AK-47 em produção em massa seria necessário um investimento pesado em maquinários de produção e em maiores quantidade. Aumentar o número de fábricas e trabalhadores, assim como treiná-los. Aumentar a quantidade de matéria prima comprada para poder suprir a demanda. Isso tornaria o custo do fuzil muito alto, tornando-o praticamente impossível de ser comprado. Para fazer frente a isso, se alteraria a forma de produção, usando metal estampado ao invés de blocos usinados. O metal estampado é mais leve, mais econômico e mais rápido de produzir e montar. Era a única forma caso quisesse manter a produção em massa. Embora os soviéticos tentassem isso em 1946, eles não tinham a tecnologia para que o processo fizesse uma arma realmente confiável. Com o amadurecimento da tecnologia, agora a URSS poderia pensar em fazer um fuzil em massa usando material estampado.

 

Novos Experimentos

A URSS nunca parou nas pesquisas e desenvolvimentos de novas armas. O conceito do AK-47 se mostrou formidável pela praticidade e pelo poder de fogo. Entretanto, isso criou um imbróglio. O que fazer com a carabina SKS? Uma carabina semiautomática, maior, usando o mesmo calibre e com baixo poder de fogo? O Ministério da Defesa pensou da seguinte forma em 1947. Empresas ofereceriam projetos de armas que fossem mais simples e que não usasse sistemas com captação de gases, como forma de simplificar o projeto e baixar o custo. Esses modelos mais simples deveriam substituir a SKS usando o mesmo calibre, sendo uma arma mais simples e barata. Não tardou e equipes mostraram seus modelos.

1º modelo do TKB-454.

A primeira equipe a mostrar um modelo foi a de Korobov com o TKB-454. Esse fuzil adotava um sistema peculiar, o uso de gás atrasado. Esse sistema não tinha captação de gases para mover o ferrolho. Após o disparo, os gases são captados em um pequeno êmbolo acima do cano. Nele, os gases comprimem uma mola interna no sentido contrário, para frente. Isso dá tempo do projétil sair do cano e o ferrolho continuar fechado. Ele só começa a se locomover para trás depois que o projétil deixa o cano porque parte dos gases foram presos nesse êmbolo. Isso faz com que a energia do recuo faça o ferrolho voltar com menos força, o suficiente para mover o ferrolho.

A arma em si chamou muito a atenção. O sistema adotado tornava a arma mais controlável em rajadas. Isso ocorria porque o sistema de retardo do gás fazia com que parte da energia fosse direcionada para frente, atenuando em parte e energia contrária do recuo. Essa arma era feita em material estampado e pesava apenas 3 kg. A arma era muito mais fácil de ser fabricada se comparada com o AK-47 e tinha um custo bem menor. Apesar disso tudo, decidiram por finalizar o projeto porque o sistema de atraso de gases era um pouco mais complexo, era um conjunto com várias peças móveis.

2º modelo do TKB-454.

Em 1948 Korobov lança outro fuzil semelhante, mas adotando um sistema diferente, o de blowback atrasado sem o uso de gás. Após o disparo, a energia faz o ferrolho retroceder. Aqui que está a diferença. Esse ferrolho é dividido em transportador do ferrolho e ferrolho, onde são ligados por uma haste. Após o disparo, a parte de cima (transportador do ferrolho) se move para trás com mais velocidade do que a parte de baixo (ferrolho). Isso ocorre que há uma alavanca que une essas duas peças. Essa alavanca, no momento do disparo, joga a parte de cima para trás antes do retrocesso do ferrolho, amortecendo o recuo. Isso faz com que não haja a necessidade de um sistema complexo de gás e trancamento do ferrolho.

Novamente a arma é um sucesso. Ela permite tiros mais controláveis e notaram que em rajadas a arma era mais controlável que o AK-47. Era mais controlável porque o sistema de blowback atrasado amortecia parte da energia do recuo. O peso era de 3,1 kg em virtude do metal estampado. Os soviéticos adoraram a ideia de uma arma mais leve, mais barata e com maior controle de disparo em rajadas.

Modelo proposto por Duglov.

Outras armas apareceram também em 1953, com sistemas que se mostraram muito problemáticos. Dlugov e Moschechvitn foram protótipos modelos mais experimentais porque colocavam mais conceito do que eficácia. Essas armas não passaram de poucos testes. Dlugov aparentava usar um sistema semelhante ao de gás atrasado, com um êmbolo do lado direito do fuzil, não havia um êmbolo de gás.

Modelo proposto por Moschechvitn.

O modelo de Moschechvitn aparentava usar um sistema de gás diretamente no transportador do ferrolho. Após o disparo os gases são captados em um orifício logo no começo do cano e jogado diretamente no transportador do ferrolho. Isso também eliminava um complexo sistema de captação de gás.

Kalashnikov não ficou atrás. Em 1952 oferece um modelo que não tinha pistão, mas usava o gás pelo mesmo método acima mencionado. Havia um orifício logo na base do cano que era direcionado ao transportador do ferrolho diretamente. Desta forma, ao disparar, os gases iam diretamente para o transportador do ferrolho, movendo a peça para trás. Esse modelo era feito com a caixa da culatra forjada (anos mais tarde passa a empregar metal estampado). A tampa da culatra era metade do tamanho. Ocorre que eles decidiram dar a opção de puxar todo o ferrolho para trás para que a arma fosse carregada por clipes por cima sem tirar o carregador.

Modelo de 1952.

Em 1954 o Ministério da Defesa notou que as armas apresentadas para estudos mostravam-se muito mais simples e baratas de produzir se comparada com o AK-47. Porém as armas tinham alguns problemas técnicos e outras soluções muito inovadoras que no final se mostraram complexas com uso nas baterias de testes.

Havia o imbróglio de manter o SKS quando se tinha o AK-47. Esses estudos serviriam para um modelo simplificado de fuzil de assalto que substituiria o SKS. Mas não fazia sentido substituir uma carabina por outro fuzil de assalto quando já se tinha um fuzil de assalto (AK-47) sendo adotado em massa. Diante disso, por hora, decidiram substituir o SKS pela versão mais leve do AK-47 (utilizada um tipo de metal mais leve), embora ainda usasse o bloco usinado. Não haveria sentido criar uma nova classe de fuzil de assalto, com mesmo poder de fogo e com mesmo calibre quando já se tinha um fazendo isso.

 

Déjà Vu

Após a morte de Stálin, a URSS começou a expandir seus laços com outros países de sua influência. Assim surgiu o Pacto de Varsóvia. Levando em conta as cláusulas de apoio mútuo, novas políticas de integração no treinamento e doutrinas foram feitas para que fossem aplicadas a todos os exércitos do Pacto de Varsóvia. No planejamento de massificação das mesmas armas para todos os exércitos, estavam também as armas de fogo. O plano soviético era produzir uma arma que substituísse todas as armas leves de todos os exércitos do Pacto. Aqui falamos de fuzis de repetição, fuzis semiautomáticos e submetralhadoras.

A substituição de todas essas armas já tinha sido notada quando o AK-47 passou a ser entregue ao exército soviético. Não tinha cabimento um pelotão armado com AK-47, SKS e RPD sendo que as três armas diferentes lutariam contra um mesmo alvo e usando a mesma munição. Isso gerava um alto custo de produção e manutenção de cada arma diferente assim como despendia mais treino e tempo do soldado para armas diferentes. Tinha também o problema do custo material para a produção dessas armas. Elas necessitavam de insumos diferentes em quantidades diferentes a preços diferentes.

De cima para baixo, a carabina SKS, o AK-47 e a metralhadora leve RPD.

Era de vital importância que o novo fuzil fosse feito por um método novo que simplificasse a produção. Que fosse barato de fazer. E que o modelo de produção fosse implantado nos países do Pacto de Varsóvia. Isso reduziria o tempo e o custo de produção. Diante disso o NIPSMVO cria um novo programa para um fuzil de assalto para produção em massa. Os requisitos eram simples. Uma arma feita com metal estampado. Deveria ser leve, com peso máximo de 2,8 kg e o comprimento total não poderia passar de 925 mm.

Embora fosse desejável um sistema sem captação de gases, isso não era uma condição sine qua non para o fuzil. O sistema de captação de gás tem um problema de ordem econômica e técnica. A arma necessita de um tubo, de molas, pistões, orifícios, engrenagens e conectores que aumentam o tempo de fabricação da arma. Também aumenta o custo da produção já que mais materiais e processos serão necessários e, por fim, aumenta a complexidade dela. Isso tudo aumenta o tempo de produção e encarece a arma. Desta forma, novas equipes foram feitas para apresentar as suas propostas. Eram elas: Kalashnikov, Simonov, Korobov, Konstantinov, Bolkhovitnov e Afanasyev.

RPD.

Nesse momento de criação de requisitos, surge uma ponderação sobre a RPD. Ela era uma boa metralhadora leve, usava o mesmo calibre 7,62 x 39 mm. Mas tinha alguns problemas. Ela tinha problemas em condições adversas, como umidade, aridez e neve. Eram comuns as panes com essa arma. Sem falar que ela era pesada (mais de 7 kg) e muito desajeitada para se manusear operar. Para piorar, estudos mostraram que ela não dava muita vantagem aos soldados em campo. O uso de munição em fita apenas complicava o trabalho do atirador. Enquanto que o AK-47 tinha um alcance efetivo no automático de até 200 metros, a RPD tinha um alcance efetivo de 300-400 metros. Esse incremento na precisão se dava por causa do uso do bipode e do comprimento maior do cano. De resto, não aumentava muito a eficácia do pelotão.

Diante deste problema, se cogitou o uso do calibre 7,62 x 54R mm para dar maior alcance, entretanto, a ideia foi rejeitada pela necessidade de uniformização do calibre. Diante disso o Ministério da Defesa decidiu desenvolver uma nova metralhadora leve, com base no fuzil de assalto a ser desenvolvido. O peso máximo não deveria ser de 5 kg e comprimento total de 1.050 mm. O carregador deveria ser tipo cofre ou circulóide. Estavam decididos a não mais usar munição por fita, já que vivia prendendo e colocava muita sujeira dentro da arma.

Modelo proposto por Afanasyev.

A equipe de Afanasyev apreseta um modelo bullpup em 1955. Isso ia ao encontro da ideia de redução de custo, pois não haveria dois tipos de fuzil com coronha fixa e dobrável ou um fuzil com canos de comprimentos diferentes, seria uma arma única. Não se sabe muita coisa desse fuzil, ele tinha ferrolho rotativo e não usava a captação de gases.

Konstantinov apresenta um modelo convencional. Adotava o princípio em que um orifício na base do caro que era ligado ao transportador do ferrolho. Os gases deflagrados iam diretamente a esse orifício, impulsionando o ferrolho. Este, por sua vez, adotava o princípio do blowback atrasado, porém, com o uso de gás. Havia o transportador do ferrolho e ferrolho em duas peças separadas. No meio havia uma alavanca que após o disparo, fazia o transportador do ferrolho retroceder com mais rapidez do que o ferrolho, fazendo com que este recusasse com menos energia do recuo. Seguindo os requisitos, havia o modelo com coronha fixa e dobrável. O peso era de 2,65 kg e comprimento total de 920 mm.

Modelo proposto por Konstantinov.

A curiosidade desse projeto era a coronha rebatível, onde ela era fixada no meio da caixa da culatra e não na parte de trás. Ao rebater, a chapa do ombro fica praticamente deitada no meio do cano. Outro ponto interessante é o grupo do gatilho. Ele não tinha um cão, mas sim  um sistema de percutor dentro do ferrolho, famoso hoje no sistema striker.

Modelo proposto por Konstantinov. Note a coronha drobrável.

A equipe liderada por Bolkhovitiniv apresenta um modelo que permanece um mistério. Quase nada se sabe desse fuzil, nem um registro fotográfico ou desenho. Ao que consta, era praticamente uma cópia interna do fuzil de Konstantinov. Devido a uma série de falhas constantes, o fuzil sequer passou da avaliação inicial. Sabe-se da existência dessa arma porque ela constava no rol dos fuzis avaliados e testados.

A equipe de Korobov apresenta uma versão moderna do modelo apresentado em 1952. O TKB-517 agora passa a empregar um sistema de produção mais simples e barato. Sem falar que era mais leve também, com 2,8 kg. Com o tempo que se levava para fazer 1 AK-47 se faziam 3 TKB-517 a um custo menor. Em testes de campo o fuzil era melhor ainda.

TKB-517.

Os soldados que o testaram notaram que ele era mais controlável e preciso que o AK-47. Para isso, incluíram um dispositivo que retardava o ciclo do ferrolho, diminuindo a quantidade de disparos por minuto. Isso tornava a arma mais controlável em pequenas rajadas se comparada com o AK-47. E uma coisa que todos os soldados gostaram. Após o último disparo, o ferrolho permanecia aberto. Havia uma pequena haste no carregador que prendia o ferrolho aberto. O TKB-517 podia usar o mesmo carregador do AK-47, mas após o último disparo o ferrolho permanecia fechado em virtude da ausência da trava do carregador para bloqueio.

Não tinha segredo. Kalashnikov teve um trabalho bem mais simplificado, pois ele pegou todos os pontos positivos da versão mais leve do AK-47 e simplificou os desenhos internos ao máximo para colocar tudo isso em um fuzil com metal estampado. A tarefa entrentanto não era fácil. Havia a necessidade de 4,5 kg de metal para produzir 1 kg de metal forjado. O custo e o tempo eram altos fazendo o AK forjado. Para se fazer o AK em metal estampado, teria que refazer a linha de produção de forma que fizesse as peças com menos tempo e menos consumo de matéria prima. Para isso seria necessário o redesenho de peças internas para que isso fosse possível. O modelo inicial era o S04. Aqui elencaremos as principais diferenças. Muitos acham, erroneamente, que o AKM-47 é um AK-47 quando existem partes diferentes e que não são intercambiáveis.

Kalashnikov S04.

A caixa da culatra passa a ser em material estampado. É curioso que as versões iniciais do AK-47 erma em metal estampado e agora com esse método volta. Usam-se agora rebites em várias partes para uma maior rigidez, uma vez que, como a parede é mais fina que na versão forjada, os rebites servem para reforçar as junções dos metais. O resultado foi bom. O peso descarregado do AK-47 protótipo S04 era de 3,1 kg. Levando em conta que o AK-47 tinha 4,3 kg e a versão mais leve do AK-47 tinha 3,8 kg.

Para controlar um pouco o recuo foi adicionada uma mola recuperadora mais dura. Pode ser óbvio, mas não se tinha feito antes. O movimento do transportador do ferrolho é muito forte e rápido por causa do pistão de longo curso. Isso é o que torna o fuzil menos controlável porque a energia dos gases vai diretamente ao transportador do ferrolho que está ligado ao pistão. Ao adicionar uma mola mais forte, se diminui esse retrocesso excessivo. O cano é diferente quanto à sua fixação. Antes ele tinha uma rosca na base para ser atarraxado na caixa da culatra. Agora é preso por pinos, o que agiliza e barateia o custo da produção. E mudou a forma como a baioneta é acoplada. Antes o encaixe era na altura da mira, com o modelo novo o encaixe é mais recuado.

Após testes preliminares, a comissão avaliadora chegou a uma conclusão. Os fuzis tinham problemas de precisão e controle, sendo que o AK-47 S04 era o pior deles. Todos tinham problemas na produção do fuzil. O AK-47 S04 era o mais problemático de fabricar. O fuzil de Konstantinov chegou a apresentar ignição espontânea do cartucho por aquecimento da câmara do cano, o efeito cookoff. E todos tinham problemas de resistência e confiabilidade. As equipes foram orientadas a fazerem mudanças em seus fuzis para uma nova fase de testes. Sim, já vimos este filme antes e sabemos como vai terminar.

Kalashnikov A55.

Não tardou para Kalashnikov lançar em 1955 seu novo modelo, o AK-47 A55. Além da perda do peso, agora a equipe focou na precisão, controlabilidade e durabilidade do fuzil. Eles estudaram o S04 e notaram que as partes internas estavam muito próximas uma das outras. Em condições adversas, como calor, umidade, areia, neve, essas peças próximas tendiam a se desgastar pela fricção natural. Eles tiveram a ideia de criar um maior espaço entre elas. Por exemplo, foi o que fizeram com o ferrolho e transportador do ferrolho, evitando o desgaste precoce dessas peças.

Com base nesse fuzil foi desenvolvida a metralhadora leve P108. Alguns desenhos internos tiveram de ser refeitos para aguentar mais disparos. Isso significava que a parte interna teriam peças mais pesadas para aguentar as maiores pressões, como molas, ferrolhos, cano, etc, mas dentro do limite de 5,5 kg. A título de curiosidade. O A55 aguentava no máximo 18.000 disparos e o P108 26.000 disparos. Ambas as armas tinham peças intercambiáveis.

Kalashnikov P108. Note o apoio do ombro para distribuir melhor o peso da arma.

A equipe de Konstantinov também surpreendeu com o novo modelo A45 que foi apresentando com coronha fixa e rebatível. O fuzil agora tinha maior precisão (em disparos semiautomáticos). Era mais simples de montar e desmontar. Um problema solucionado foi a ignição do cartucho na câmara quando colocaram furos ao redor dela para ventilação, evitando assim o super aquecimento. A sua versão metralhadora leve em pouco diferia. Peças internas mais pesadas para maior robustez, um cano maior e um peso acima do estabelecido, de 5,7 kg. Assim como no AK, o fuzil e metralhadora leve de Konstantinov tinham muitas peças que eram intercambiáveis.

A45.
A45 Metralhadora leve.

Da mesma forma, a equipe de Korobov apresentou duas versões e dois modelos. Fuzil com coronha fixa e rebatível e uma metralhadora leve. Eles redesenharam a alavanca usada no método blowback atrasado, tornando a arma mais eficaz. No guardamão foram incluídos grandes furos para ventilação para evitar o aquecimento. Isso aumentava a durabilidade da arma no final. Mas não foi uma boa ideia. Em lugares frios e úmidos ou com neve, esses orifícios permitiam o acúmulo de neve e sujeira. Da mesma forma que os outros, a metralhadora leve tinha peça internais mais pesadas e um cano maior.

Modelo proposto por Korobov em 1955.

Simonov apresentou também versões com coronha fixa e rebatível, assim como uma versão metralhadora leve. Aqui ele inovou com um desenho diferente. Acima do cano estava o êmbolo com a mola do transportador do ferrolho. Porém, essa mesma mola funcionava também como mola recuperadora. Isso fazia com que na caixa da culatra tivesse uma haste apenas para apoiar a mola recuperadora. Isso fazia com que o tamanho da caixa da culatra fosse menor. Além disso, o grupo do gatilho era destacável, o que ajudava muito na limpeza e manutenção. Para a metralhadora leve, eles apresentaram um modelo não deles e sim de Garadin e Degtyerev P790, que usava o mesmo princípio do blowback atrasado de Korobov.

Modelos propostos por Simonov.

Depois das armas voltarem dos testes, em meados de 1957 o NIPSMVO anuncia que todas as metralhadoras leves haviam sido rejeitadas por não alcançarem os requisitos mínimos. Degtyerev e Garadin foram tirados porque a metralhadora leve não era feita com base no fuzil feito por Simonov, ou seja, não compartilhavam de uma mesma plataforma. Simonov foi tirado da concorrência por não apresentar uma metralhadora leve. A decisão final era de que Kalashnikov. Konstantinov e Korobov continuariam nos testes de metralhadora leve mediante correção dos erros de projetos. Em Janeiro de 1958, recomeçava a segunda parte do processo de escolha.

 

Novamente, a Segunda Parte

Kalashnikov sabia dos problemas do seu fuzil. A falta de controlabilidade em rajadas curtas, a falta de resistência da caixa da culatra e confiabilidade da arma estavam longe do desejado. Novamente, como que por ironia do destino, ele recebe da comissão mais detalhes do seu projeto, onde lhe foi apontado o que deveria ser alterado. Só na URSS a comissão avaliadora “independente” chama um dos concorrentes e diz o que fazer.

O primeiro passo foi aumentar a massa do transportador do ferrolho e ferrolho. Isso dava mais resistência ao conjunto, pois eram peças que tendiam a se gastar com mais facilidade. O segundo passo teve certa prioridade. Para ajudar na controlabilidade da arma em rajadas curtas, se decidiu colocar um dispositivo no grupo do gatilho que retardasse um pouco o movimento do cão. O grupo do gatilho limitaria a velocidade do transportador do ferrolho. A cadência de disparo do AK-47 era considerada alta para o calibre, já que o grande recuo tornava a arma mais difícil de controlar. Diminuindo a cadência de disparo o soldado tinha um pouco mais de controle porque a rapidez do movimento do pistão e transportador do ferrolho diminuía, o que dava mais controle e, por sua vez, menor dispersão durante os disparos.

Modelos A55 com coronha fixa e dobrável.

Com esse dispositivo o fuzil ficava um pouco mais controlável. Tal ideia já estava sendo empregada no modelo de Korobov. Muita coincidência que bem na segunda fase de seleção a equipe de Kalashnikov optasse por um sistema muito semelhante. Mas havia um porém. Enquanto que no modelo de Korobov o dispositivo funcionava, no AK-47 A55 o dispositivo não tinha tanta eficácia assim. No final das contas funcionava mais como uma trava para que a arma não disparasse acidentalmente, já que o novo grupo de gatilho continha esse dispositivo.

No AK havia duas situações a se considerar. Em rajadas curtas, a arma era um pouco mais controlável, mas nada que fizesse diferença. Já no disparo em semiautomático, o fuzil se mostrava mais controlável e mais preciso quando a posição de tiro era fixa, como por exemplo, deitado com a arma apoiada. Disparando o fuzil de pé ou abaixado apoiando a arma no ombro, a precisão caia muito porque a arma ainda tendia a subir com o recuo. Mesmo assim os engenheiros ficaram confiantes e aumentaram o alcance da mira para 1.000 metros, o que era um completo absurdo. O alcance eficaz era de 350-400 metros com uma arma na estativa. Um soldado médio usando o fuzil jamais acertaria a essa distância, conseguia resultados de no máximo 300 metros com o melhor dos treinos.

O sistema de Korobov também não era de todo perfeito. Embora mais controlável, o sistema de blowback atrasado por alavanca tinha alguns problemas. O sistema se mostrava falho algumas vezes porque não estava desenvolvido por completo. Como esse sistema foi desenhado às pressas e colocado em um sistema já pronto, era de se esperar que algum conflito surgisse. Para eles na época era algo novo e dependia de mais estudos.

Modelo de Korobov de 1958. Foi o último modelo a participar.

Nos testes da metralhadora leve foi observado que as armas de Konstantinov e Korobov não traziam vantagens significativas quanto ao tipo de mecanismo de disparo. O sistema de blowback atrasado trazia alguma vantagem quanto à fabricação, tornando a arma mais simples e barata. Mas no disparo não trazia tanta vantagem assim. Tanto a arma de Konstantinov e Korobov tinha problemas de sujeira interna em virtude da quantidade maior de gases que saiam da câmara do cano e entravam na caixa da culatra. No sistema de blowback atrasado, parte dos gases vai do cano diretamente para dentro da arma. Em uma arma operada a gás, com o trancamento do ferrolho, esses gases vão para fora do cano ou parte dispersa pelos orifícios de escape do êmbolo.

O NIPSMVO, após os resultados dos testes, estabelece em 1958 que o fuzil de Konstantinov não acrescentava muita vantagem em cima do AK-47. Além disso, a sua metralhadora leve tinha pior precisão e alto índice de falhas. O seu peso era o maior dos três concorrentes. A metralhadora leve de Korobov também não tinha agradado. Além do peso, o problema é que o transportador do ferrolho fazia um movimento longo até o fim da caixa da culatra. Essa massa em ciclos rápidos fazia com que a arma perdesse a precisão, já que isso fazia a arma tremer em demasia.

AKM-47 em sua versão inicial.

Diante disso, o NIPSMVO recomendara que o fuzil de assalto e a metralhadora leve de Kalashnikov fossem produzidos em série. Era o AKM-47, Avtomat Kalashnikova Modernizirovanniy. Kalashnikov tinha conseguido mais uma vez. Se a meta era uma arma mais leve, controlável, mais barato e que fosse feita em menos tempo, ele tinha conseguido. O mesmo para a metralhadora leve chamada RPK, Ruchnoy Pulemyot Kalashnikova, algo como metralhadora manual Kalashnikov. A adoção oficial do AKM-47 aconteceu no dia 8 de abril de 1959. E mais uma vez Kalashnikov tinha conseguido a medalha de herói trabalhador socialista.