FAL – Parte 1

A origem do FAL não poderia ser melhor. É fruto da FN – Fabrique Nationale d’Armes de Guerre (fábrica nacional de armas de guerra), empresa esta fundada em 1889 e notoriamente conhecida pela alta qualidade de seus produtos que, literalmente, surgiu com o seu nascimento. Não é o foco aqui discorrer quais as armas que a FN fez e quais as suas qualidades que deram renome à marca, pois só esse tema já é conteúdo para um livro. A intenção neste artigo é contar a história do FAL que, sem dúvida alguma, foi um dos melhores fuzis produzidos até hoje. De sucesso inquestionável, foi o fuzil mais produzido depois do AK-47, tornando o FAL o verdadeiro fuzil do mundo livre.

 

Origens

A FN sempre preconizou o alto índice da qualidade de seus produtos. Isso não se dava somente pela qualidade dos materiais e pelos acabamentos em suas armas. Muitas armas empregavam desenhos técnicos de alta eficiência. Outras armas empregavam desenhos técnicos simples e eficazes ao mesmo tempo. Essa simplicidade foi o que fez a FN angariar clientes pelo mundo ao oferecer armas de qualidade a preços justos. E para que isso ocorresse, ela precisava contar com uma equipe gabaritada que pudesse trabalhar livre e desimpedida. A título exemplificativo, John M. Browning foi um dos seus empregados, ele patenteou uma série de desenhos de armas que ditariam o paradigma a ser seguido até hoje. Podemos dizer que a FN tinha em sua equipe a nata dos engenheiros especializados em mecânica fina no emprego de armas de fogo.

Bela antiga foto das instalações da FN em Liége, Bélgica.

Levando em conta o desenvolvimento de armas e acompanhando os novos projetos, a FN também passa a acompanhar o desenvolvimento de fuzis semiautomáticos. A Europa e os EUA estavam pesquisando esse tipo de armamento e a FN também resolvera entrar nesse segmento no começo dos anos 30. Cabe dizer que vários países tentaram desenvolver fuzis semiautomáticos nos anos 30, mas a maioria deles se mostrava ou complexa e cara, ou problemática e cara. Até então, somente os EUA tinham logrado êxito com o M1 Garand que foi adotado em massa em 1936. A Bélgica, pela FN, entra na corrida alguns anos antes e consegue fazer um fuzil de alta qualidade quando passa a desenvolver um fuzil semiautomático a partir de 1932. A ideia era fazer um fuzil semiautomático em massa não só para a Bélgica, mas para outros países interessados. Até então, somente os EUA tinha o plano de um fuzil semiautomático em massa. Os demais países ou buscavam protótipos e conceitos ou adquiriam em pequenas quantidades.

O responsável por essa arma era Dieudonné Joseph Saive, outro renomado empregado da FN e ele desenvolveu um fuzil semiautomático. Após a fase de desenhos, estudos e pesquisas, em 1937 é apresentado o FN modelo 1937 calibre 7,92 x 57 mm. Esse modelo não visava pequenas unidades e sim um fuzil para produção em massa, tal qual o M1 Garand. O Modelo 1937 passava por uma série de baterias de testes quando algo acontece em 1940. Os alemães invadem a Bélgica. Nesse momento, vários outros funcionários da FN fogem para a Inglaterra, mas D. Saive permanece trabalhando na FN. Entretanto, ele pega todos os projetos, desenhos técnicos e documentos do fuzil modelo 1937 e os guarda em seu apartamento para que os alemães não tivessem acesso na FN ocupada. Em seu apartamento, sozinho, ele dá continuidade ao desenvolvimento do fuzil em seu tempo livre. Se olharmos friamente, o modelo 1937 era o 2º fuzil na história a ter uma alta qualidade e estar pronto 1 ano depois do M1 Garand, em um projeto totalmente original e independente.

FN Modelo 1937.

Não tardaria para que os alemães descobrissem quem era D. Saive e seus projetos de armas. Ele corria o risco de ser preso e quando a situação ficou mais perigosa e insustentável, D. Saive optou por fugir da Bélgica. Ele vai para a Inglaterra, levando consigo todos os desenhos, projetos, documentos, tudo sobre o fuzil Modelo 1937 para que não caísse nas mãos dos alemães. Mais triste do que ter o seu país invadido é ter que fugir dele em virtude dessa mesma invasão. A situação para a FN não foi das melhores. Uma vez ocupada pelos alemães, a FN passou a produzir armas e munições para a máquina de guerra alemã. Quando os aliados começaram a avançar após alguns anos, ficou claro que era uma questão de tempo para a libertação da FN à medida que as tropas alemãs recuavam.

Não tardou e os aliados chegaram a Liége, pequena cidade onde ficava a FN. A alegria da libertação e o fim da opressão não duraram tanto. Uma vez libertada, a Bélgica passou a produzir munição e acessórios para os aliados à medida que iam avançando pela Europa. A alegria terminara porque isso tornava o complexo industrial FN em um alvo legítimo para os alemães. No final de 1944, começam os ataques alemães contra as instalações da FN. Para tanto foram usadas centenas de foguetes V1 e V2. Esses ataques fizeram um grande estrago em Liége. As instalações da FN foram gravemente atingidas, o que paralisou parte da produção de guerra. Os ataques somente terminaram em fevereiro de 1945.

Aliados libertam a Bélgica.

A Alegria é a irmã gêmea da Liberdade. Após a rendição incondicional da Alemanha, toda a equipe de engenheiros da FN pode regressar ao seu país natal. Com o fim das hostilidades, a FN foi reconstruída e sua equipe técnica pode voltar aos trabalhos. Dentre eles, regressou D. Saive, onde, finalmente, pode dar continuidade ao seu projeto do Modelo 1937. Surgem então o EXP-1 ou SLEM – Self loading experimental model. Esta arma é feita com base em pesquisas que D. Saive fizera em seu exílio na Inglaterra. Na época o exército inglês não se interessou pelo fuzil depois de propor, uma vez que a Inglaterra estava em plena guerra sem condições de investir no desenvolvimento de novos armamentos, ainda mais quando a guerra caminhava para o fim.

Esse novo modelo foi lançado no começo de 1946 e trazia melhorias em relação o modelo de 1937. O calibre usado agora era o 30-06, mantendo o ferrolho basculante (que será explicado mais adiante). Um carregador fixo comportava 10 cartuchos e a alavanca de manejo ficava no lado direito do fuzil, sendo recíproca com o transportador do ferrolho. A maior inovação, entretanto, foram alterações do desenho para facilitar a produção em massa, fazendo com que o tempo de produção diminuísse, assim como diminuísse os custos de produção. Isso iria requerer alterações no maquinário de produção também.

SLEM.

O projeto da arma foi sendo revisado e melhorado e em 1949, é lançado o SAFN-49, Semi Automatic FN modele 1949. Um fuzil semiautomático de ferrolho basculante. Ocorre que esse fuzil foi lançado tardiamente. Os planos belgas eram para a produção em massa em 1938, quando a vasta maioria dos exércitos usava fuzis de repetição. Quando terminou a guerra, o mundo passou a ter como paradigma o fuzil de assalto inventado pelos alemães. Os belgas lançaram um fuzil semiautomático quando esta categoria de arma estava praticamente ultrapassada. Embora lançado tardiamente, o fuzil conseguiu um bola exportação, com 180.000 fuzis exportados. A Inglaterra não havia se interessado pelo fuzil.

SAFN-49.

Ocorre que após a guerra, assim como outros aliados, a Inglaterra lançou-se aos espólios de guerra. E assim ela teve contato com o StG44 e a sua munição intermediária, o 7,92 mm Kurz. Não somente ao StG44 mas também outras armas intermediárias desenvolvidas por eles, assim como o FG42 que deu novas ideias e paradigmas aos ingleses. O contato com essas armas foi um baque para os ingleses. Eles ficaram impressionados com a versatilidade da nova munição. Vendo que os combates aconteciam não mais que 400 metros, a munição se mostrava muito prática e eficaz.  O baixo recuo, a maior quantidade de munição carregada e o controle de rajadas curtas fizeram os ingleses verem que estavam diante do futuro. Não somente isso, o conceito de um fuzil de assalto na forma do StG44 fez ver que os fuzis de repetição e os fuzis semiautomáticos eram coisas do passado. A arma era simples e versátil de ser usada em várias condições e assim os ingleses queriam um fuzil de assalto.

 

Um curto mas intenso desenvolvimento

Não somente os ingleses haviam visto isso. Os belgas também já tinha notado isso ainda no decurso da 2ª G. M, quando tiveram acesso tanto ao StG44 como a sua munição apreendidas. Terminada a guerra, a FN se dedica ao estudo desse novo calibre e, por coincidência, a FN é chamada pelos ingleses a participar do programa de seleção para um novo fuzil para o exército inglês, era o programa Infantry Combat Weapon. Os belgas não perderam tempo e se valeram de um projeto já pronto e maduro ao invés de começar um modelo do zero. Em cima do SLEM, M. Saive desenhou uma arma menor, com uma escala menor do mecanismo de disparo, com ferrolho basculante, gerando uma versão experimental de uma nova carabina automática no calibre 7,92 mm Kurz. Não foi elaborado um novo calibre porque se sabia que os ingleses ainda não haviam decidido qual calibre usar e estava claro que a ideia da FN era uma arma equivalente ao StG44. Em 21 de novembro de 1947 a FN finalizava o seu modelo como Universal Carbine Nº 1.

Universal Carbine Nº 1.

Em virtude da adaptação de um modelo pronto, o fuzil não necessitava de tantos reparos e redesenhos de tal ordem que em janeiro de 1948 a arma já estava sendo apresentada às autoridades inglesas na Bélgica. Os primeiros testes e demonstrações animaram muito os ingleses porque a carabina belga era o que os ingleses queriam, uma arma semelhante ao conceito do StG44 alemão. Esse modelo conceitual tinha uma cadência de disparo de 500 dpm e pesava carregado de 3,8 Kg. A alavanca de manejo ficava ao lado esquerdo, junto ao êmbolo de gás e o carregador comportava 20 cartuchos. O corpo da arma era feito em aço usinado. Ocorre que o um bloco usinado sairia mais resistente. A Bélgica, assim como outros países, não tinha conhecimento e experiência em metal estampado como os alemães tiveram e, caso fizessem a arma em metal estampado, teriam levado mais tempo para produzir seu protótipo sem a garantia de uma arma mais robusta.

Esse modelo conceitual passa a ser chamado, de forma velada, como FAL – Fusil Automatique Léger, ou em uma tradução direta, Fuzil automático leve. Desde o começo a Bélgica havia trabalhado em cima de uma arma intermediária, tal qual o StG44. Era intermediária em virtude do baixo recuo do 7,92 mm kurz, o que gerava uma arma menor, mais leve e mais controlável em rajadas curtas. Entretanto, bem nesse ano, a Inglaterra e Bélgica estavam juntas no desenvolvimento de um novo calibre para o programa do novo fuzil inglês. Não falamos de uma crise de identidade, mas de que a Inglaterra queria um alcance maior com maior energia do projétil, coisa que o 7,92 mm Kurz não provia, segundo os requisitos ingleses. Note que até mesmo a Bélgica estava indecisa sobre qual calibre usar. Recordemos que estamos em 1947 e ocorre a explosão de ideias do que pode vir a ser um fuzil de assalto.

Universal Carbine Nº 1. Note o ferrolho aberto e puxado.

O calibre .280 era desenvolvido por ambos países e, como a Inglaterra tinha grande interessa no FAL, o 2º protótipo é feito no calibre .280. A bem da verdade eram duas carabinas. O design nº 2 apresentava um layout convencional, com o carregador na frente da empunhadura, enquanto que o design nº 3 era um bullpup, com o carregador atrás da empunhadura a fim de ter uma arma mais compacta sem sacrificar o tamanho do cano. Para tanto, uma grande haste ligava o grupo do gatilho, atrás e na coronha, com o gatilho mais à frente da caixa da culatra. A alavanca de manejo, para ambos os modelos, ficava mais à frente da caixa da culatra e no lado esquerdo. O design nº 2 tinha um comprimento total de 990 mm com um cano de 482 mm. Curiosamente, a versão design nº 3 tinha um comprimento total de 863 mm com um cano maior de 584 mm.

Design nº 2.

Essas armas já estavam em testes em agosto de 1949, ambas utilizando o calibre .280. Os testes comparativos mostravam que as carabinas ainda precisavam de alterações e desta forma os ingleses fizeram uma série de observações para os modelos vindouros. Foram encomendados mais 12 modelos de carabinas FN com as observações dos ingleses. Durante toda essa fase de desenvolvimento, cada modelo protótipo servia como banco de testes para possíveis futuras alterações nos modelos seguintes, gerando, a cada versão de protótipo, um modelo mais maduro.

Design nº 3.

Em 1951, visando simplificar a produção do fuzil, a alavanca de manejo é feita de forma solidária ao transportador do ferrolho, sendo situada agora no lado direito do fuzil. A alavanca de manejo solidária visava apenas simplificar o desenho técnico e baratear e acelerar a produção. Entretanto, testes de campo mostraram que a alavanca de manejo no lado direito se mostrava problemática. Era mais demorado para o soldado realizar a troca do carregador e armar o fuzil. Em comparação com os outros modelos com a alavanca no lado esquerdo, ficou claro que era mais fácil, rápido e cômodo operar o fuzil com a alavanca no lado esquerdo da caixa da culatra. Desta forma, o uso da alavanca no lado direito é descartado.

Esta imagem serve para ver os tamanhos dos protótipos do FAL com outras armas. De cima para baixo. O fuzil M1 Garand. O Lee Enfield nº IV. O FAL modelo 2. FAL modelo 3 e a carabina M1.

Ingleses e belgas notaram que o design nº 3 bullpup apresentava maior complexidade em virtude das complicações técnicas que trazia o desenho da arma e que, por sua vez, influenciaria na produção da arma. De ordem ergonômica, não gostaram do layout bullpup. Para eles, a linha reta da arma, embora melhor na controlabilidade do recuo, teria de ter as miras mais altas para compensar a altura do olho do soldado em relação ao fuzil. Isso implicava em o soldado se expor mais ao fogo inimigo uma vez que sua cabeça ficava mais alta em relação ao fuzil e às miras. Além disso, o layout bullpup, da forma como estava, não permitiria a alteração da janela de ejeção. Entretanto, esse modelo tinha uma mira levemente deslocada para o lado esquerdo, não ficando na mesma linha do cano, o que, em teoria, seria mais fácil para o soldado fazer a mira.

Soldado inglês disparando a carabina Design nº 3 bullpup.

Isso seria um grande problema para o soldado canhoto. Cabe recordar que o E.M.2 tinha o mesmo problema e a solução para isso foi obrigar todos os soldados canhotos a empunhar o fuzil com a mão direita e usar o olho dominante. Muito se preocupava que a janela próxima à face do soldado pudesse expelir gases quentes e fuligem em seu rosto, o que gerou um ponto negativo ao modelo.  Além disso, como o grupo do gatilho estava mais atrás perto do cano e da câmara do cano, se temia que, com o calor e o tempo, esse grupo se desgastasse de forma prematura, gerando panes no fuzil. Por outro lado, o fuzil foi muito bem elogiado quanto ao controle do recuo e seu tamanho menor, já que permitiria uma única arma para várias operações sem a necessidade de canos diferentes, o que baratearia o custo de produção.

Design nº 2 convencional.

Já o design nº 2 convencional se mostrou mais aceitado. Em relação ao primeiro modelo em 7,92 mm kurz, as diferenças eram poucas. A coronha passa a ter um novo formato e a alça de mira é mantida. Já o seletor de disparo e trava ganha um desenho mais ergonômico para ser acionado de forma fácil com o 1º dedo da mão que empunha. Há um novo bipode, situado mais atrás do cano. Isso era para dar espaço para o uso do adaptador para o lançamento de granadas de boca. A arma não tinha a linha reta, fazendo com que o soldado tivesse um perfil mais baixo quando usava a mira. Como não era bullpup, não trazia problemas para os atiradores canhotos já que a janela de ejeção ficava mais à frente. E como o gatilho estava junto do grupo do gatilho, não havia a necessidade de uma grande haste ligando esses dois elementos. De forma geral, as tropas que testaram ambas as carabinas decidiram que o design nº 2 convencional era melhor.

Design nº 2 convencional.

Em março de 1951 a FN fez uma arma baseada no layout do FAL usando o calibre .30 carbine. Essa arma não se destinava a uma versão do FAL, mas sim servir como modelo de estudos para novos métodos de trancamento do ferrolho, assim como novos métodos de produção e emprego de outros tipos de materiais. Por usar um calibre mais leve, sem uma energia mais pesada que comprometesse a estrutura da arma, essa carabina foi feita toda em metal estampado, não tendo parte de aço forjada.

FN .30 carbine.

Essa arma também tinha um novo mecanismo de ferrolho rotativo que serviu apenas como modelo de estudo. E por fim, a alavanca de manejo foi posicionada no lado esquerdo da arma, acima do carregador. Isso dava uma maior praticidade para o soldado. É aqui que, pela 1ª vez, vemos a alavanca de manejo nessa posição. Aos poucos vamos vendo o FAL de hoje sendo modelado. Essa carabina serviu apenas de base de estudos.

Carabina protótipo conceitual. Note a posição da alavanca de manejo.

A FN elabora vários modelos protótipos do FAL no calibre .280. Cada modelo era levado a testes de campo e seus resultados avaliados para a produção do próximo protótipo para encarar mais uma bateria de testes. A Inglaterra estava acompanhando o desenvolvimento do FAL e em novembro de 1952 ela estipula os requisitos para a sua versão após verem que o E.M.2 seria descartado. Nessa época muitos países já se interessavam pelo FAL e assim cada país foi fazendo seus requisitos ou alterações pontuais no projeto da arma. Entretanto, em 1950 algo acontece e que muda um pouco o desenvolvimento. Os americanos se mostram relutantes em aceitar o calibre .280 e literalmente impõe à toda OTAN o calibre T65, que mais tarde seria batizado como 7,62 x 51 mm OTAN. Para tanto, haveria de adaptar o fuzil para esse novo calibre.

FAL modelo feito em 1951. Note o novo formato da coronha.

Aqui acontece um dos paradoxos do mundo das armas de fogo. O FAL calibre .280 é considerado um fuzil de assalto. Entretanto, ao receber uma munição mais potente, e mantendo as mesmas características e dimensões, o FAL passa a ser considerado um fuzil de batalha. A alteração para o calibre 7,62 x 51 mm acontece ainda em 1952 já que tanto Canadá como Inglaterra não adotariam o .280. As alterações e adaptações ao novo calibre exigiram reforços pela arma em virtude das maiores energias gerada pelo 7,62 mm OTAN e desta forma o FAL fica mais pesado, 4,3 Kg.

Mas e a Bélgica nisso tudo? Pois bem, ela adotou o FAL em 1954. E foi a Bélgica que teve a iniciativa de desenvolver o PARA FAL, o FAL com coronha rebatível. Essa versão nunca surgiu como pedido de algum cliente mas sim de um problema que a Bélgica enfrentava. Com o FAL convencional, os soldados tinham facilidade para entrar em helicópteros ou veículos blindados, mas tinham dificuldades para sair desses veículos. A saída do helicóptero, por exemplo, necessitava que o soldado saísse com o fuzil na altura do peito. Com a coronha era fixa, ela tendia a bater nas laterais das portas de desembarque dos helicópteros. O mesmo foi visto em veículos blindados. Isso gerava o atraso do desembarque dos soldados, de tal ordem que os soldados passavam mais tempo desvencilhando essa limitação do que desembarcando rapidamente. Para tanto foi pensado no FAL com coronha rebatível.

FAL belga – 1ª Versão.

Há um ponto a ser esclarecido sobre o FAL. Ele surgiu na Bélgica e logo de início despertou interesse por vários países pelo mundo. A Bélgica adota em suas medidas o sistema métrico. E com base nesse sistema, suas peças foram feitas e ofertadas para possíveis clientes. Entretanto, a coisa muda um pouco quando a Inglaterra se interessa pela arma. A Inglaterra adota o sistema imperial, um sistema diferente de unidades. Nos testes iniciais do FAL na Inglaterra, os modelos eram belgas, usando o sistema métrico. Entretanto, a Inglaterra queria fazer a produção local do fuzil. Para iniciar a produção em massa, as medidas deveriam ser convertidas do sistema métrico para o imperial. Isso gerou um problema no começo porque as medidas das peças, no sistema imperial, saíram um pouco fora da padronização inglesa.

Aqui falamos de dimensões de poucos milímetros e diante disso a Inglaterra arredondou essas medidas para que os nºs fossem um pouco mais exatos. Isso gera um fuzil com peças com dimensões levemente diferentes de tal ordem que a maioria, mas não todas, pode ser trocada com um FAL do sistema métrico. O FAL com o sistema imperial de unidade foi adotada pela Inglaterra e Commonwealth. Além das dimensões, havia outras diferenças, como o quebrachamas de maior dimensão, a ausência do regime automático, alça de mira dobrável, alavanca de manejo dobrável, o seletor e trava eram maiores assim como o retém do carregador e ausência do retém do ferrolho.

O FAL como conhecemos hoje teve um amadurecimento em vários pontos e conforme ele foi testado por outros países. Para tanto, será necessário ver como foram os testes do FAL nos EUA, Inglaterra e Alemanha para termos uma noção completa do desenvolvimento do FAL. A Bélgica na época queria vender o fuzil para qualquer cliente em potencial e, conforme os requisitos de cada cliente, ela fez alterações no desenho do FAL de tal forma que esses requisitos diferentes no final moldaram o FAL como é visto hoje.

T48

A FN foi convidada pelos americanos a participar no seu programa de aquisição para um novo fuzil que substituísse o lendário M1 Garand. Os EUA já acompanhavam a participação da FN na Inglaterra assim como via crescer o nº de países que se interessavam pelo FAL e viram a oportunidade de ver o que a FN poderia fazer.  No final de 1949 os americanos entram em contato com a FN para sua proposta e em 1950 alguns modelos já estavam prontos. Esses fuzis eram do sistema métrico ainda, foram refinadas na FN e mandadas para Aberdeen, EUA, para avaliação. O fuzil recebia a denominação de T48.

T48.

Naquela época EUA e Inglaterra buscavam em conjunto um calibre novo para que fosse adotado pela OTAN. E junto com esse calibre, existia a possibilidade de ambos os países adquirirem um fuzil em comum. Isso foi um ponto a favor da FN porque os ingleses trabalhavam com afinco o calibre .280 e já cogitavam usá-lo, independente se fosse o E.M.2 ou o FAL. A FN, vendo que caso o FAL vencesse na Inglaterra, teria maiores chances de venda para os EUA, que era um filão maior. Entretanto, enquanto os ingleses queriam o .280, os americanos queriam o calibre T65, que mais tarde seria o 7,62 x 51 mm.

 

Como os EUA queriam a produção local do fuzil que fosse selecionado, a FN contratou com a empresa High Standards para ser seu representante na produção. A empresa, juntamente com os engenheiros da FN, deveria fazer toda a conversão do sistema métrico para o imperial. De início a Springfield havia sido sondada para isso, mas ela estava empenhada com o T44 e não teria tempo e profissionais para isso. Entretanto, mais tarde, ficou claro que a HS não daria conta da demanda e assim, com anuência da FN, todas as conversões, todas as medidas, todos os planos, todos os desenhos técnicos foram entregues para Harrington and Richardson, uma empresa maior, que tinha uma maior equipe de engenheiros e capacidade industrial para produzir o T48 em quantidades maiores.

T48. Note o novo guardamão.

Em 1950 começam os novos testes, e em um primeiro momento os T48 não apresentaram nenhum problema em território americano. Os primeiros testes realizados nos EUA mostravam que o FAL se comportava bem. Com o passar dos testes, o fuzil começou a apresentar problemas inesperados que não haviam sido notados com os testes realizados na Bélgica. Os testes pararam e os fuzis foram minuciosamente estudados para ver o que estava ocorrendo. Os engenheiros belgas descobriram que as peças que foram convertidas do sistema métrico para o sistema imperial estavam fora do tamanho proporcional, gerando folgas e problemas de resistência o que, por sua vez geravam problemas mecânicos. Isso só foi solucionado com os modelos posteriores quando as peças foram devidamente feitas.

Alguns fuzis apresentavam panes e quando inspecionados viram que havia muita sujeira. O que se descobriu que o problema não era de projeto mas sim da qualidade do propelente usado no .280. O propelente gerava um alto índice de fuligem que, com o tempo, se acumulava na arma, gerando assim algumas panes de disparo. Isso foi solucionado quando um novo lote de munição veio com um propelente de qualidade maior. Ainda em 1950, mais 5 carabinas são feitas para testes e avaliações. Agora, essas armas eram feitas usando o sistema imperial, já que os EUA seguiam esse modelo.

Em Aberdeen estava uma equipe canadense e ficaram impressionados com o T48. Desse novo lote de 5 armas, 2 armas foram enviadas ao Canadá para testes. Algumas dessas armas tinham a tampa de cima da caixa da culatra em metal estampado. Na época eram feitas com peças usinadas e foi um lote teste para ver como sairia. A tampa em metal estampado, além de baratear o custo de produção, tornava a produção mais rápida. Os ingleses apostavam no .280, um calibre que ainda estava em fase de aperfeiçoamento. Haviam alterado o propelente para um material sem tanta sujeira para evitar as panes por fuligem. Haviam alterado o peso e o formado do projétil para que tivesse um desempenho semelhante ao T65 e haviam balanceado a quantidade de propelente com o mesmo fim. Entretanto, estava claro que os americanos não iriam abrir mão do T65 e a FN sabia que era questão de tempo para fazer um FAL nesse calibre.

T48.

Em fevereiro de 1951 a FN faz um FAL no calibre T65. Já com esse calibre outras alterações foram feitas com as sugestões dos americanos após os testes preliminares em Aberdeen, já que eles queriam uma arma mais resistente com maior tolerância a impactos, calor, energias, condições adversas, etc. Esses modelos novos foram feitos com base nos modelos canadenses. Os dois primeiros modelos já apresentavam as seguintes alterações. O extrator e a sua mola foram reforçados em virtude do calibre ter uma maior energia. O cão passa a ter uma trava mais forte porque com o movimento mais forte do ferrolho, o cão poderia ter folgas no futuro. O comprimento da coronha foi diminuído e o tubo em seu interior, onde acomodava a mola recuperadora, passou a ser mais resistente. Também foi feita alteração no desenho da alça da mira, assim como o comprimento do seletor de disparo. A empunhadura é mais larga e o cano é aumentado em 20 mm para dar a estabilidade necessária ao no projétil do novo calibre.

Embora a FN fizesse o FAL no calibre T65, ela ainda fazia outras armas FAL no calibre .280. Independente do resultado, ainda trabalhavam com esse calibre. Entretanto, a FN passa a pensar diferente. Era claro e notório que seria uma questão de tempo para que o calibre T65 fosse imposto e que o .280 não seria usado, calibre este defendido pelos ingleses. Ao fazer a conversão do FAL para o T65, os belgas mudaram um pouco de time. Eles fariam lobby para a Inglaterra também adotar o T65. Caso a Inglaterra adotasse o calibre americano, uniformizando o calibre OTAN, os americanos se comprometiam a selecionar o T48 como seu fuzil regular, algo que nunca aconteceu.

No começo de 1953, 3 armas foram avaliadas. O T48 (FAL), o T44 (M14) e o T47 (Harvey Earle). O E.M.2 já havia sido descartado em virtude do abandono do calibre .280. Nos primeiros testes, o T48 havia saído como o melhor das armas. Os americanos gostaram do T48 e foi permitido aos participantes alterarem suas armas segundo os requisitos. Desta forma o T48 recebe um novo retém do carregador, novo desenho do seletor de disparo, passando agora a ter somente o regime semiautomático e travado. Foi feito um novo guardamato para o novo gatilho ser usado com luvas grossas, assim como maior espaço ao retém do carregador para que o mesmo fosse acionado com luvas grossas. A empunhadura passa a ser levemente mais inclinada e o cano fica mais pesado.

T47.
T44.

O T48, à medida que ia sendo avaliado, ia ganhando outras alterações. Nos modelos seguintes apareceu o guardamato inverso. Em regiões com muita neve, esse guardamato era tirado e dobrado para dentro da empunhadura, deixando exposto o gatilho. Outra alteração foi a tampa da caixa da culatra. Na mesma seção do carregador, a janela lateral é retirada e a tampa dianteira de cima se locomove a cada disparo. Essa abertura grande na caixa da culatra era para a inserção de clipes de munição para recarregar a arma sem a retirada do carregador. Acreditava-se que isso permitiria um peso menor ao soldado quando ele levaria menos carregadores e mais munição na forma de clipes. Outra alteração era o regime semiautomático. Ele estava marcado como semi, mas caso fosse necessário, poderia se trocar o grupo do gatilho inteiro do T48 por um grupo de gatilho que permitiria o disparo automático. Mas nos testes esse grupo sequer foi testado.

Inserção de munição por um clip no T48.

Um problema observado nos testes em regiões áridas foi o acúmulo de sujeira que fazia a arma dar pane. O mesmo havia sido notado pelos ingleses quando testavam o FAL no Oriente Médio. A forma como transportador do ferrolho estava encaixado na caixa da culatra fazia com que areia fina se acumulasse, gerando algumas panes de disparo. Como forma de contornar isso, o transportador do ferrolho recebe ranhuras diagonais nas laterais para que a areia não se acumulasse e descesse para o fundo da caixa da culatra. Essas alterações eliminaram os problemas de areia no fuzil e mais tarde foi adotado por muitos outros exércitos, como exemplo Israel que utilizou esse tipo de ferrolho sem problemas. Desde então, muito se diz que o FAL tem problemas com areia, mas a bem da verdade, teve somente na sua fase embrionária.

Em junho de 1953, o T48 e T44 começavam os testes finais. Isso é interessante porque em julho o Canadá fazia sua primeira encomenda de FAL dedicada para eles. O modelo canadense tinha muita coisa oriunda do T48. O curioso disso tudo é que muitos países que compraram o FAL usaram como base o FAL canadense, já que tinha as alterações de correções, assim como novos aprimoramentos. O T48 havia sido muito bem elogiado desde o começo dos testes. Ele foi qualificado como o melhor no quesito desempenho pelos americanos. A FN, visando ganhar o contrato, ofereceu a produção do FAL em território americano sem cobrar 1 centavo de royalties.

Soldado americano disparando com o T48.

Entretanto, a política americana não permitiria, no boom do crescimento militar, comprar um projeto estrangeiro (com raras exceções). Para os políticos americanos, não faria sentido comprar um projeto quando se tinha uma indústria bélica fazendo um fuzil. Mesmo que esse fuzil fosse inferior, o orgulho falaria mais alto e assim o T48 seria descartado. A desculpa era que o T48 tinha mais peças e era mais complexo. Já o T44 (M14) era mais leve, tinha menos peças e era mais simples, mesmo tendo um desempenho pior. E T44 foi adotado como M14 em 1957. Caso o maior membro da OTAN, os EUA, adotasse o T48, seria uma grande publicidade para o FAL, pois isso faria com que outros países seguissem o mesmo caminho, ainda mais quando o Canadá, país vizinho, já havia sido o 1º país a adotar o FAL.

 

Curiosidade

O exército dos EUA pesquisou plataformas voadoras para serem empregadas pelos soldados como transporte unitário. Este modelo é o DH-5. Note que o soldado carrega um T48 da primeira versão.

DH-5.