CETME – Origens

Do projeto alemão vieste, ao projeto alemão voltarás. A origem do CETME remonta ainda no final da 2ª G. M., e é imperativo contar essa história. Aqui passaremos pela França e alguns outros projetos para então chegar no CETME, que, curiosamente, será a base do G3 e a ponta de lança de toda a HK que é hoje.

 

Origens

Terminada a 2ª G. M, os aliados ficaram impressionados com a tecnologia militar que os alemães haviam desenvolvido em todas as áreas. Não tardou para despertar o interesse em saber o que poderiam usar dessa tecnologia em suas forças armadas. Não só pela descoberta de novas tecnologias e ideias mas também pelo butim de guerra que queriam aproveitar ao máximo.

A empresa Mauser conseguiu se manter de pé após a rendição alemã. Sem saber o que fazer, todos os funcionários ficaram de licença já que não havia mais salários e também pelo fato dos alemães estarem proibidos de produzir qualquer armamento. Os primeiros aliados a chegarem à Mauser foram os franceses liderados pelo general Le Clerk. Eles tiveram acesso a fabrica onde encontraram muita coisa, mas não o principal. Encontraram materiais, algumas máquinas e bancadas. Mas não os desenhos das novas armas desenvolvidas ou pesquisadas. Também não encontraram os engenheiros e funcionários responsáveis por elas e as máquinas feitas para essas novas armas. Antes do fim da guerra, tudo isso foi colocado dentro de um trem com destino ao norte da Alemanha para que as armas fossem construídas sem o risco dos bombardeios. Em virtude dos incessantes bombardeiros táticos, o trem mudou o rumo e foi para os Alpes austríacos. Lá se esconderam em um túnel e quando se prepararam para descarregar o material, viram que a Alemanha havia se rendido incondicionalmente.

Sede da Mauser antes da guerra

Dentre as armas que lá estavam, assim como o seu maquinário e desenhos técnicos, estava o Gerät 06H (StG45(M)). Ocorre que os franceses, ao chegar à fábrica da Mauser, tomaram ciência desses modelos, e assim quiseram acesso a esse material. Entretanto, esse material ficou de posse dos americanos. Mas alguns planos e desenhos foram encontrados, o que despertou grande interesse nos franceses. A esta altura do campeonato, os franceses já estavam usando a fábrica da Mauser para a produção de pistolas e carabinas de repetição calibre .22 para que fossem enviados à França. A França já estava com a ideia de lutar nas suas colônias, onde a Indochina era a prioridade para ela.

Embora não tivessem acesso às armas em si, e nem ao maquinário, os franceses tiveram acesso a alguns desenhos do Gerät 06H e decidiram por montar alguns modelos na fábrica ocupada. Não tardou para os franceses chegarem a Ludwig Worgrimler, já que ele não havia ido para a Áustria e era o responsável pelo projeto. A fábrica da Mauser se torna um motivo de discórdia. Os ingleses não queriam saber dela. Os americanos tiveram em seu poder desenhos, maquinários e fuzis Gerät 06H. Curiosamente, os americanos estavam mais interessados nos canhões semiautomáticos do que nos fuzis de assalto. Os soviéticos também conseguiram algum desenho técnico encontrado na Mauser. Vendo que os franceses estavam usando a fábrica, não ficaram contentes já que tinham a ideia de destruir todo o industrial bélico alemão, exigindo que a fábrica fosse destruída.

Intersecção do StG45(M).

Os franceses sabiam que aqueles desenhos eram uma fonte rica de ideias de novos armamentos. Diante da exigência soviética, os franceses decidem pegar tudo o que tinha na Mauser e levam para a França. Os soviéticos ainda chegaram a ter acesso a esses desenhos que foram repassados imediatamente para Moscou. Logo em seguida, a fábrica da Mauser fora desmantelada. A pilhagem foi tamanha que maquinários saíam todos os dias em trens para a França. Caminhões soviéticos carregados também foram levados de volta para a Rússia.

 

Bienvenue (por supuesto!)

Ainda é uma fonte de conflitos de como Vorgrimler foi parar na França. Ele era muito ligado à indústria bélica desde os anos 30 e na Alemanha devastada do pós-guerra ele não teria mercado de trabalho. Ele ganhou, assim como outros engenheiros alemães, um contrato de trabalho nesse setor na França. A dúvida é se ele foi de boa vontade ou “levado na boa vontade”. De uma forma ou de outra, ele chegou à França para acompanhar os planos franceses de aumentar sua indústria bélica em 1948. A 1ª empresa foi a CEAM – Centre d’Etudes d Armement de Mulhouse.

Usando da sua experiência com o StG45(M), Vorgrimler projeta um fuzil de assalto usando o sistema de blowback desacelerado por roletes, era o CEAM modèle 1. Recomendo a leitura do artigo Gerat 06 para maiores informações sobre o StG45(M) e o mecanismo de roletes. Foi observado o sucesso que os alemães tiveram com o emprego de material estampado em seus StG44, já que na época poucas empresas conseguiam fazer isso, ainda mais com um calibre mais potente. Diante disso decidem que seu modelo francês também seria feito com metal estampado.

CEAM modèle 1.

O projeto usava um calibre experimental intermediário projetado pelos próprios franceses, o 7,65 x 33 mm. Esse calibre era muito promissor e interessante, com um projétil de 92 grains, saía da boca do cano a 720 m/s. O fuzil de assalto era simples e praticamente tinha as mesmas linhas do StG45(M). A mira ficava mais atrás, usava uma coronha rebatível como a MP45 e o guarda mão era uma peça cilíndrica com janelas para refrigeração do cano. Esse modelo se mostrou muito promissor, não apresentando nenhum tipo de problema nos testes. É o primeiro fuzil de assalto do lado ocidental feito após o fim da 2ª G. M.

O calibre experimental ainda era uma incógnita porque não se chegava a um consenso comum de quais os requisitos que esse calibre deveria cumprir. Levando em conta que a França ainda engatinhava nessa seara, e o programa do fuzil de assalto não podia parar, optou-se por usar um calibre encontrado fartamente na região, o .30 carbine (7,62 x 33 mm). Em 1949, mais 2 novos modelos são produzidos por Vorgrimler. O modèle A (coronha fixa) e B (coronha rebatível).

Modèle A.

Esses novos modelos mostram que são praticamente a base do viria ser o CETME e o G3. Algumas alterações são feitas. A principal delas é a alavanca de manejo. Ao contrário do que se pensa, o tubo acima do cano não é um êmbolo de gás mas sim uma haste guia para a alavanca de manejo, localizada acima do cano e virada para o lado esquerdo da arma, numa posição mais à frente. Essa localização se dá porque assim a caixa da culatra não teria a abertura lateral para a alavanca. Sem essa abertura lateral, a arma fica mais imune às sujeiras.

Modèle B.

E a outra alteração mais marcante foi a retirada do guardamão cilíndrico. Agora o bipode serve como guardamão também, caso o soldado quisesse maior apoio para precisão, bastava virar o bipode. No modelo anterior o bipode se mostrava complicado porque era uma peça a mais ao guardamão, enquanto que agora guardamão e bipode são peças únicas. Novamente, mantendo as mesmas linhas do StG45(M) e o blowback desacelerado por roletes. Mas havia um sistema peculiar. O seletor de disparo, quando posicionado em automático, tornava o disparo da arma em ferrolho aberto. Quando posicionado em semiautomático, tornava o disparo da arma em ferrolho fechado.

Em 1950, um modelo mais refinado é lançado, o CEAM Modèle 1950. Esse modelo serve de base definitiva para o CETME e G3. Usando ainda o calibre americano, mantém também o blowback desacelerado por roletes. Ele tem um desenho mais refinado, o seletor de disparo fica mais próximo do 1º dedo da mão. É abandonado o sistema de ferrolho aberto e fechado por ser de fabricação complexa, tornando a arma mais simples e mais barata. Um problema foi notado que, algumas vezes em regime automático, a cabeça do ferrolho não travava, já que ele batia com força e voltava antes de travar. A forma de solucionar isso foi colocar uma haste de frenagem para que travasse e não voltasse mais dessa posição a cada disparo.

Modèle 1950.

A França estava indo em um caminho muito promissor com esses modelos de fuzis de assalto se não fosse por um problema. A França era membro da OTAN a partir de 1948 (ela sairia em 1966 para voltar em 2009), o que significava que teria de seguir o calibre padronizado pela OTAN. Naquela época o 7,62 x 51 mm estava em plena evidência e era claro e notório que um calibre mais poderoso e menos intermediário seria usado. Desta forma a França opta por abandonar o programa de fuzis de assalto com calibres leves. Em 1952, a CEAM – Centre d´Etudes d Armement de Mulhouse passa a se chamar AME – Atelier de Fabrication de Mulhouse.

 

Espanha

A Espanha é um país com certa tradição na produção de armas de fogo, com algumas ideias interessantes e outras nem tanto. Terminada a guerra a Espanha decide formar uma indústria bélica mais sólida. Ela tinha tempo para isso e queria reunir a melhor equipe para tal empreitada. Não haveria a necessidade de mão de obra obrigatória quase escrava como fizeram os soviéticos com os alemães. E nem a necessidade de uso de mão de obra forçada, como os franceses. Ao invés disso, ela oferece liberdade e salários altos para quem pudesse ajudar.

Em 1949, é criado o CETME – Centro de estudios tecnicos de materiales especiales. Neste lugar é reunido não só projetistas e engenheiros espanhóis como também alemães. A intenção de criar uma indústria bélica não seria nada fácil naquela época. A Espanha tinha uma carência muito grande de mão de obra especializada. As fábricas de armas, as empresas fornecedoras de matérias primas, todas elas estavam muito distantes uma das outras, levando horas e mais horas de viagem entre elas. E além do mais, não havia uma padronização de peças e medidas, o que gerava um grande problema para colocar uma arma em produção em massa. Para solucionar esse problema, o governo espanhol decide por criar uma base realmente moderna para sua indústria bélica.

Ludwing Vongrimmler.

A par disso, na França, Vongrimmler estava completamente insatisfeito por ter de trabalhar em um lugar onde não queria. E mostrou interesse em se mudar para a Espanha, onde não haveria pressão ou obrigação de trabalho. Para tanto ele tentou sair de forma legal da França mas para seu espanto, o governo francês não liberou o seu passaporte para sua viagem. Não restou alternativa para Vongrimmler partir para uma viagem clandestina aonde chega, em 1950, em território espanhol para se reunir com seus amigos alemães no CETME.

No CETME ele já chega com um pedido do governo espanhol para um fuzil de assalto novo. A Espanha não tinha interesse em fuzis semiautomáticos ou carabinas, mas sim um fuzil de assalto e este desejo vinha desde 1948. Para tanto, foram elaborados os seguintes requisitos: essa arma deveria ter um peso não superior a 4 Kg, fogo seletivo e precisão de até 1.000 metros. Assim como os franceses, os espanhóis também queriam o uso de metal estampado, visando mais simplicidade e menor tempo e custo de produção. Para tirar proveito e ter um melhor produto, o CETME divide em duas equipes os seus engenheiros alemães e espanhóis. Em fevereiro de 1951, dois modelos de fuzis de assalto ficam prontos.

Uma equipe era liderada por outro alemão, Manneking. Ele apresenta o Modelo 1. Tratava-se de um fuzil de assalto baseado no princípio a gás com pistão e trancamento do ferrolho por roletes, como o Gerät 06. Era um modelo simples e espartano, com um acabamento abaixo da média mas o suficiente para demonstrar o conceito. Usando o calibre 7,92 x 41 mm, tinha um carregador para 30 cartuchos. E tal qual os modelos franceses, não tinha um guardamão mas sim um bipode que servia como tal. A alavanca de manejo ficava localizada no topo da tampa da caixa da culatra, o que se mostrou mais tarde, um problema, pois algumas vezes dificultava a mira com a alavanca vibrando a cada disparo.

Protótipo do Modelo 1.

A equipe liderada por Vorgrimler apresenta o Modelo 2. Usava o princípio do blowback desacelerado por roletes, tal como ele fizera com o Stg45(M) e os modelos franceses, não deixando dúvida que muito se assemelhava com o CEAM Modèle 1950. Porém o que mais chamava a atenção era o grande carregador para 30 cartuchos, levando em conta a dimensão do calibre 7,92 x 41 mm. A alça de mira era mais para frente o que se mostrou um problema no enquadramento da mira. 

Diante disso, fizeram algumas poucas alterações no desenho da arma. A alça de mira passa ficar um pouco mais para trás. E para manter um maior controle em rajadas e curtas e aumentar a precisão em disparos contínuos, foi acrescido um compensador simples, direcionando os gases para todos os lados. Há um aumento do tamanho do cano e um reforço na fixação da coronha. Assim estava pronto a versão definitiva do Modelo 2.

Protótipo do Modelo 2 em sua versão inicial.

Ainda em 1951 começam os testes entre ambos os modelos. Eles cumpriam bem o papel para quais foram projetados. Não houve problemas de alimentação, panes ou desgastes prematuros. O recuo era baixo, como era esperado, e o controle em rajadas curtas era ótimo. A precisão de ambas as armas não era ruim. Um capacete era perfurado a uma distância de 1.000 metros. E a uma distância de 1.000 metros, com uma rajada de 10 cartuchos, havia a chance de 50% de acertar um projétil no alvo. Mas para isso somente com o fuzil apoiado pelo bipode que era integrado à arma. Nessas primeiras rodadas de teste, participaram observadores dos EUA e da então Alemanha Ocidental.

Em julho de 1952, sai o resultado. O Modelo 2, de Vorgrimler, tinha se saído melhor. Mas não só pelo desempenho nos testes. Tecnicamente falando, o Modelo 2 era mais simples e barato do que o Modelo 1. Este, por ter um sistema de gás a pistão, exigia mais peças de construção, o que significava, mais tempo de fabricação, mais complexidade e mais dinheiro para serem produzidos, gerando uma arma mais complexa e cara. Desta forma o Modelo 2 passa a ser a base do próximo fuzil de assalto espanhol.

Protótipo do Modelo 2 inicial com bipode estendido.

7,92 x 41 mm espanhol

Não há como omitir o calibre intermediário espanhol. Sua origem também é alemã. Para a Espanha também foram alemães que pesquisaram e desenvolveram um calibre intermediário próprio. A equipe espanhola foi liderada pelo Engenheiro alemão  Guenther Voss. A missão era criar uma munição de baixo recuo com grande alcance. Isso era um problema porque, desde o conceito de fuzil de assalto alemão, sempre foi usado um calibre de baixo recuo que tinha eficácia para médias e curtas distâncias. Nunca esteve no conceito o longo alcance.

7,92 x 41 mm.

Conseguir fazer um projétil ter um grande alcance nunca fora o problema. O problema era dar estabilidade, velocidade e energia terminal em um alvo que estivesse à longa distância. Um projétil pequeno e leve não poderia conseguir isso. Nessa época ainda não se tinha os experimentos de projéteis de diâmetro menor e ultrarrápidos. Uma forma encontrada era aumentar o comprimento do projétil, como um projétil convencional de fuzil. Porém havia um problema. Usando chumbo ele ficaria pesado demais para ter um longo alcance. Para tanto, o núcleo dele era feito de alumínio no formato de uma flecha. Na parte debaixo desse núcleo, havia uma camada de latão, formando o projétil completo.

Projétil do 7,92 x 41 mm. Note o formato de flecha.

Isso era necessário para que houvesse uma distribuição do peso para que mantivesse uma maior estabilidade durante longos percursos sem que ela balanceasse para frente ou para trás. Como o projétil era mais leve, fazia-se então a equação quase perfeita para um calibre leve que pudesse atingir alvos a longas distâncias. Na boca do cano, o projétil, com 105 grains, saía a 800 m/s com um alcance efeito de até 1.000 metros. A aparência da munição engana. Parece um calibre regular grande e pesado. Na verdade era leve, gerando um projétil rápido com um recuo menor da arma. O baixo recuo que era ótimo para a precisão e controle em rajadas curtas. Além do que não se gerava uma energia excessiva no ferrolho do fuzil, tornando o calibre potencialmente apto a ser produzido em massa. O ponto mais interessante desse calibre era a trajetória. Ao contrário dos calibres da época, era o que tinha a trajetória mais reta, não fazendo a tradicional curva. Isso dava maior precisão ao soldado já que não tinha que ficar graduando a mira.