E.M.1

E.M.1.

O E.M.1 surgiu paralelamente com o E.M.2. Tratava-se de um candidato de fuzil de assalto que equiparia o exército inglês do pós-guerra. Assim como outros modelos ingleses, o E.M.1 incorporava muitas das ideias criadas pelos alemães em seu armamento e que, no final da guerra, foram inspecionadas minuciosamente pelos aliados. A tecnologia empregada no E.M.1 sofria do mesmo problema que os alemães viram durante a guerra. Era cara e complexa para ser emprega na produção em massa. No final, o E.M.1 não passou da fase de protótipo. Entretanto, para a história dos fuzis ingleses, merece ter a sua história contada.

 

Origens

As origens do E.M.2 requer uma maior atenção a modelos que surgiram na época junto dele, com o E.M.1. A contribuição para a história dos fuzis de assalto não pode ser posta de lado, desta forma, este capítulo que costuma ser conciso e introdutório será maior do que o de costume.

A Inglaterra acompanhou de pertos as invenções militares que os alemães fizeram durante a guerra. E com os fuzis de assalto não foi diferente. Assim como americanos, franceses e soviéticos, os ingleses tiveram acesso às novas armas e conceitos desenvolvidos pelos alemães e o principal de tudo não foram as armas em sim, mas a ideia de um novo fuzil regular que substituísse outras categorias de armas, dando um maior poder de fogo, alcance e mobilidade para as suas tropas. O conceito do fuzil de assalto era viável e os ingleses acharam que esse seria o futuro. A ideia era substituir a submetralhadora Sten, o fuzil de repetição nº 4, o fuzil de precisão Mk III e a metralhadora leve de apoio Bren.

Oficial inglês manuseia um StG44.

Os militares ingleses eram muito ortodoxos. Se no exército alemão, em plena guerra, houve resistência ainda depois da adoção do StG44, com o exército inglês a resistência foi a mesma e logo surgiram as críticas. Como uma arma poderia ter o mesmo controle de fogo em regime automático para substituir uma submetralhadora? Como uma arma poderia substituir o fuzil de repetição sem perder a qualidade de precisão e poder de parada? Como uma mesma arma que substituiria uma submetralhadora poderia substituir uma metralhadora leve? Como uma arma poderia servir como arma de precisão tendo a mesma plataforma de outras? Como podem ver, as perguntas eram muitas, pois era difícil de entender como uma única arma substituiria todas elas sem perder a qualidade inerente de cada classe diferente de arma.

Como os alemães viram na 2ª G. M., o segredo não estava na arma em si mas sim no calibre. A Inglaterra usou por décadas o .303, (7,7 x 56 mm). Este sempre foi um ótimo calibre, entretanto, considerado demasiado pesado para o emprego em armas automáticas em virtude da sua grande energia de recuo, impossibilitando seu emprego em uma arma de assalto. Em outras palavras, o cartucho gerava uma energia muito forte ao projétil, dando longo alcance com alto poder de parada. Os ingleses fizeram um estudo após o fim da guerra e viram que o ideal seria um calibre com potência suficiente para até 550 metros. E o .303 gerava valores muito acima disso. Para tanto, era imperativo desenvolver um novo calibre para essa nova arma.

Os ingleses passaram a fazer estudos do calibre e notaram que o ideal seria de 6,8 mm (.270). Entretanto, como na época de sua elaboração, tanto Inglaterra como Canadá queriam um mesmo calibre, os ingleses aumentaram um pouco o diâmetro para 7 mm (.276) como forma de fazer o calibre mais competitivo com o americano que era quase a referência. Vários tipos de projéteis foram testados, assim como diferentes cargas de propelentes para se chegar à balística desejada. Por questões puramente comerciais, o calibre foi renomeado para .280 para evitar confusão com outro calibre americano, o .276 Pedersen (outro ótimo calibre ignorado). Nesse ponto já despertava interesse pelo Canadá e pela Bélgica, que passou a ajudar no processo de sua elaboração. O calibre final desenvolvido tinha um projétil de 139 grains. Na boca de um cano de 624 mm, gerava um projétil com velocidade de 773 m/s com uma energia de 273 Kgfm. O cartucho .280 tinha uma energia de recuo considerado a metade do recuo de um .303.

Da esquerda para a direita. O 30-06, o .280 e o 7,62 x 51 mm.

Mas o que fez a Inglaterra até então? Temos que voltar um pouco para ver o que ela tinha feito em relação ao seu armamento. Ainda mais, veremos até o final que muita coisa foi feita com base em pesquisas alemãs. Em 1945, uma equipe inglesa liderada pelo polonês refugiado, Roman Korsac, desenvolveu uma nova arma, o EM-1 Korsac. Esta arma não é um fuzil de assalto ou menos um fuzil de batalha bullpup. A bem da verdade é uma metralhadora leve de apoio para substituir a Bren. Embora de categoria diferente, ela merece ser vista pelo seu conceito.

EM-1 Korsac. Fonte: ARES.

O EM-1 Korsac tinha como base o FG-42 alemão. Esta metralhadora leve, muitas vezes é elevada ao status de fuzil de assalto, o que é errado já que seu conceito era diferente, assim como a sua utilização. O EM-1 usava o mesmo calibre alemão, o 7,92 x 57 mm. Assim como o FG-42, adotava a configuração bullpup, operada a gás com pistão de longo curso com ferrolho rotativo. As miras eram retráteis, algo muito em voga hoje. As miras eram altas em virtude da linha reta da arma e isso as tornava frágeis a qualquer impacto. Desta forma as fizeram retráteis para que não corressem esse risco quando não em uso.

Acima da empunhadura no lado esquerdo, havia duas teclas. Uma para travar e destravar e a outra para selecionar auto ou semiautomático. O seletor do regime de disparo era tecla tinha um anel que tinha que ser puxado para cima antes para poder movimentar. A arma tinha a mesma operação do FG-42. Quando em semiautomático, a arma opera com o ferrolho fechado. Mas quando posto em automático, a arma passa a operar com o ferrolho aberto. Após o último disparo, o ferrolho ficava aberto, mas a EM-1 Korsac tinha um sistema diferente. Após o ferrolho ficar travado, quando o soldado tirava o carregador vazio, a arma soltava o ferrolho automaticamente. Então, após trocar o carregador, o soldado tinha que acionar a alavanca de manejo.

EM-1 Korsac. Fonte: ARES.

O EM-1 Korsac pesava 5,1 Kg. Pode parecer muito, mas se comparado com a Bren, ela era leve já que a Bren pensava 10 Kg. Em testes de campo a arma se mostrava funcionar perfeitamente. Como tinha uma cadência de disparo relativamente baixa, 500 dpm, o seu controle era maior. Entretanto, ela foi rejeitada porque seu uso seria limitado por soldados canhotos, que receberiam gás da janela de ejeção nas suas faces ou o risco das cápsulas acertarem também a face. Além disso, algumas limitações técnicas foram observadas, como problemas do pistão em durabilidade ou questões ergonômicas, como a empunhadura considerada em um ângulo reto. O EM-1 Korsac teve o seu fim em 1947, quando o governo inglês não mostrou interesse nessa arma.

Em 1946 duas equipes passam a fazer parte do novo processo de escolha do novo fuzil de assalto. A ideia era substituir o fuzil de repetição, a metralhadora leve e a submetralhadora por uma única arma. E para tanto, o calibre a ser usado deveria ser o recém desenvolvido .280. Novamente, veremos que os ingleses usaram ideias alemãs em seus modelos.

 

E.M.1

A 1ª equipe era liderada pelo inglês Stanley Thorpe. O desenvolvimento do E.M.1 começa ainda em 1946. Os ingleses ficaram impressionados com a técnica de estampagem de metal que fez baratear a produção do StG44 e os ingleses quiseram seguir o mesmo método. Eles tiveram de começar do zero porque a Inglaterra não tinha experiência nesse tipo de produção de metal. Não só isso, adotou também o mesmo sistema de operação e trancamento do ferrolho do fuzil de assalto alemão Gerät 06.

Protótipo do E.M.1. Nesse estágio o apelido era “cobra”. Note a ausência de miras.

Nesse sistema há uma ação de gás por pistão de curso curto. E o trancamento do ferrolho se dá por roletes. Após o disparo, os gases percorrem o cano e entram em um êmbolo de gás. Este contém um pistão que, com a energia dos gases, empurra ele para trás. Esse pistão faz um movimento curto para trás, de poucos mms, o suficiente para bater no transportador do ferrolho e se locomover para trás. Por sua vez, o ferrolho é travado por roletes. Na cabeça do ferrolho existem dois roletes que são forçados para fora por ação de uma mola. Esses roletes são travados em dois recessos na base do cano. Isso é o que mantém o ferrolho travado. Após o disparo, com o movimento para trás em virtude da ação do pistão, o ferrolho é forçado para trás. Os roletes são forçados para dentro do ferrolho, os fazendo saírem dos recessos e destravarem o cano. Esse era o mecanismo de disparo.

Protótipo do E.M.1. Note a baioneta acoplada.

O fuzil tinha algumas soluções simples. O seletor de disparo era mais simples. Em uma única tecla localizada acima da empunhadura no lado esquerdo, o soldado tinha a opção para auto, semi e travado. Se comparado com o E.M.2, era muito mais simples e prático. A alavanca de manejo fica no lado esquerdo da arma e é recíproca ao transportador. Essa filosofia de posição é tema de debate. No lado esquerdo é mais fácil de operar com a mão esquerda já que a todo o momento a mão direita segura o fuzil. Entretanto, geralmente o fuzil fica na bandoleira virado com o cano para o lado esquerdo, ou seja, a alavanca de manejo estará sempre batendo na barriga ou peito do soldado, sem falar no risco de enroscar em alguma correia.

O E.M.1 tinha uma tampa de metal que protegia a janela de ejeção contra sujeira. Essa tampa também fora copiada do StG44. Os ingleses na época gostaram muito, pois um dos maiores problemas em armas automáticas é justamente a sujeira que entra nelas. O fuzil também podia lançar granadas de boca. Para tanto, usava-se um cartucho especial para o lançamento e havia que selecionar o regulador de gás para gás fechado. Este regulador de gás tinha três posições. Normal, onde era a seleção default. Condições adversas, onde entrava mais gás em situações de sujeira leve. E gás fechado, como para o lançamento de granadas de boca ou cartuchos de festim.

E.M.1. Note a pequena mira ótica instalada. Fonte: ARES.

Além disso, o fuzil tinha um sistema que fazia com que o ferrolho ficasse aberto após o último disparo. Para liberar o ferrolho, o soldado tinha que colocar um carregador cheio. Ao colocar o carregador, automaticamente o ferrolho fechava. Como podem ver, o E.M.1 tinha algumas ideias simples. Mas somente essas, pois de resto, o fuzil era demasiado complexo.

O sistema do cão era algo completamente diferente. Ao lado direito do cano, há um tubo com uma haste envolta em uma mola dura. Quando o fuzil é armado, pela ação da alavanca de manejo, essa haste dentro desse tubo, é comprimida e travada. Ao apertar o gatilho, no grupo do gatilho, uma alavanca é elevada. Essa alavanca pressiona a trava do tubo condicionado ao lado do cano. Essa alavanca destrava a haste dentro desse tubo. Como ela tem uma mola dura comprimida, essa ação da mola joga essa haste para trás com força. Essa haste irá bater em uma outra alavanca localizada no ferrolho. Essa alavanca, por sua vez, irá empurrar com força o percussor, acertando a espoleta do cartucho. É um sistema realmente complexo, mas completamente funcional.

O E.M.1 inova muito ao ser o primeiro fuzil de assalto desprovido de mira fixa já que a ideia era usar somente uma mira ótica. No capítulo do E.M.2 entraremos em mais detalhes. Mas por hora, foi o primeiro fuzil a adotar a mira de 1x. Ela ficava acoplada a uma alça de elevação, já que o fuzil de linha reta tinha de ter as miras mais elevadas. Essa armação serviu de inspiração anos mais tarde para o AR-10 que, por sua vez, recaiu em toda a família M16. Entretanto, há que se fazer uma distinção. No E.M.1 essa armação serve como base para a mira e não tem nenhuma função como alça de transporte, como é no AR-10 e M16.

Posições de disparo com o E.M.1 de um manual da época.

Essa mira tinha uma grande vantagem pela facilidade de aquisição e acerto do alvo. No retículo havia graduações simples para até 600 metros. O problema era que era a única mira da arma. Se a mira quebrasse, o soldado não teria como mirar! E esse tipo de mira tem outros problemas. Em regiões de neve, é comum a neve se acumular nas lentes, onde o soldado teria de ficar limpando o tempo todo. Ou senão, em uma situação muito pior, a lama tampa a mira de modo que, se o soldado esfregar a lente, só vai piorar a situação. A falta de uma mira fixa ou de emergência foi um grande problema para a arma.

Um problema dos antigos fuzis bullpups é a janela de ejeção. Por estar localizada no lado direito do fuzil, isso será um problema para o soldado canhoto já que poderá ter (não necessariamente) parte dos gases da queima do cartucho jogados na cara, assim como um possível cartucho ejetado na direção de sua face. O manual do fuzil era enfático em sempre usar a mão direita para empunhar o fuzil, deixando claro que soldados canhotos deveriam empunhar o fuzil com suas mãos direitas. O lado bom era o retém do carregador que era ambidestro, localizado logo atrás do carregador.

Agora o maior problema desse fuzil era a manutenção. Ele foi construído em cima de um desenho técnico extremamente complexo. Dentro da arma existem muitos grupos, muitas peças, todas encaixadas de forma apertada. O processo de desmontagem para manutenção e limpeza levava muito, mas muito tempo se comparado com outros fuzis da época. Havia todo um procedimento para desmontar o fuzil que levava muito tempo. Sem falar que a quantidade de pequenas peças seria um grande perigo em campo caso o soldado perdesse uma delas.

E.M.1. Fonte: ARES.

Isso seria um grande problema para o treinamento do soldado. O tempo necessário para o treinamento do E.M.1 seria muito grande. Levaria muito tempo para treinar o soldado a desmontar, a limpar e a montar. O soldado inglês estava acostumado com a simplicidade do Enfield nº 4. Mudar diretamente para o E.M.1 seria um grande passo para trás já que o fuzil era demasiadamente complexo. E sua complexidade também interferiria na produção. Uma arma complexa com mais peças exige um maior tempo de elaboração da unidade. Não só isso, exige também uma maior quantidade de peças que, no final, irá gerar uma arma muito mais cara para produzir.

A grande complexidade do fuzil, assim como a dependência de uma mira ótica, fez o E.M.1 ser considerado inferior ao E.M.2. A arma seria muito cara de se produzir, seria complexa demais para o soldado poder manter e limpar. E ainda, nos testes de disparo de campo, o metal estampado apresentou problemas. Isso ocorria não por erro de desenho técnico, mas porque a indústria metalúrgica inglesa não tinha experiência com o emprego de metal estampado. Isso fez com que o metal estampado não tivesse qualidade suficiente e o material começava a dar problemas após uma bateria de testes. Em 1950 o E.M.1 era abandonado em virtude do seu custo, da sua alta complexidade e de que, caso continuasse no programa, teria de passar por muitas alterações que encareciam e demorariam a se chegar a uma versão final.

Posições de disparo com a bandoleira.

 

E.M.1

Calibre: .280
Comprimento do cano: 623 mm
Comprimento total: 913 mm
Cadência de disparo: 450 dpm
Peso: 4,5 Kg
Carregador: 20 cartuchos

 

Como funciona

Após o disparo, os gases entram em um orifício no cano e se dirigem para um êmbolo localizado acima do cano. Nesse êmbolo os gases comprimem um pistão que se locomove para trás. Como ele está preso ao transportador do ferrolho, ele começa o processo de recuo do ferrolho. Neste momento, os roletes localizados na cabeça do ferrolho são forçados para dentro, saindo dos recessos onde estão travados, isso faz o ferrolho ficar na mesma largura do transportador do ferrolho, fazendo com que o grupo se mova parta trás, enquanto expele a cápsula. O transportador do ferrolho faz sem movimento até o final, onde então a mola recuperadora impulsiona o transportador do ferrolho para frente.

Nesse movimento para frente, a cabeça do ferrolho empurra do carregador um cartucho que é colocado na câmara do cano. Neste momento o transportador do ferrolho bate na base do cano e os roletes, por força das molas internas da cabeça do ferrolho, são forçados para fora, onde se travam nos recessos da parede da base do cano. Neste momento o ferrolho é travado e pronto para o próximo disparo.

 

Agradecimentos

As imagens de alta qualidade histórica do EM-1 e do E.M.1 foram gentilmente cedidas por Ali Richter, do site ARES – Armament Research Services. Essas imagens tem uma qualidade inédita de armas praticamente desconhecidas do público.

Para maiores informações técnicas sobre o fuzil de Korsac:  http://armamentresearch.com/?s=korsak

E para maiores informações técnicas sobre o E.M.1: http://armamentresearch.com/british-thorpe-e-m-1-automatic-rifle/