Tipo 64

Após a 2ª G. M., o Japão se deparara com um país destroçado pela guerra, com sua capacidade industrial limitada e economia em frangalhos. Não tiveram opção a não ser receber a ajuda americana que fez o país ser o que é hoje. Nos anos 50 o Japão decide por fabricar o seu próprio armamento, mesmo seguindo a sua política pacifista. Pragmáticos, usaram ideias de vários fuzis pelo mundo para finalmente fazer o seu próprio fuzil de batalha para garantir a sua produção independente de armas de fogo. Pela política japonesa de não se engajar em guerras e conflitos, o Tipo 64 se mostrou um ótimo fuzil para os propósitos japoneses já que atende até hoje as suas necessidades.

 

Origens

O capítulo de origens costuma ser curto para mostrar o contexto em que a arma foi criada. Entretanto, as origens do Tipo 64 merecem ser contadas pela história rica e interessante, assim como desconhecida também.

Terminada a 2ª G. M., o Japão viu que seu exército fora limitado e controlado pelos países que o venceram. Após 1945, o Japão viveu com um misto de armas japonesas da época da guerra com armas americanas que foram repassadas para o seu novo exército agora denominado Forças de Autodefesa do Japão. Este era um reflexo da nova política japonesa de não entrar em guerras e conflitos fora de suas fronteiras. O exército japonês contava com fuzis de repetição Arisaka de vários tipos, fuzis semiautomáticos M1 Garand e carabinas M1.

O novo exército do Japão em um desfile no começo dos anos 50.

O Japão via o mundo desenvolvendo e comprando novos fuzis com base em projetos novos. E com as armas japonesas caminhando para a obsolescência, era claro e notório que logo teriam que seguir o mesmo caminho. Na metade dos anos 50, o único parceiro comercial eram os EUA que, naquele tempo, estava em processo de compra de seu novo fuzil que culminaria no M14. Entretanto, os japoneses viram com bons olhos o projeto AR-10 da ArmaLite. Após perder a concorrência para o exército americano, a ArmaLite tentou vender o AR-10 pelo mundo conseguindo algumas vendas. O Japão havia mostrado interesse, mas, ao que consta, o Japão não queria comprar ele pronto e sim produzir localmente, o que não poderiam já que a ArmaLite havia passado a licença de produção para uma empresa Holandesa. O exército japonês já havia decidido pelo calibre 7,62 x 51 mm. O problema era como fazer o seu fuzil de batalha.

Protótipo R1.

O Japão queria fazer o seu próprio fuzil, mas poucos países se mostravam solícitos a vender uma licença de produção. Em 1957, a empresa Howa desenvolve seu próprio fuzil com base no AR-10. Esse modelo fica pronto em 1958 com o nome de R1. Visualmente falando, ele tem uma grande inspiração no AR-10, onde adota o mesmo sistema de ferrolho rotativo com o uso direto de gás. Nesse sistema, não existe um pistão no êmbolo, os gases vão diretamente para o transportador do ferrolho. Embora mais simples, tende a sujar mais a arma internamente, o que gera mais panes caso não seja limpa constantemente. Esse fuzil era muito pesado, com 5,6 Kg, mas mantinha a linha reta do layout do AR-10 e as mesmas funcionalidades, como o seletor de disparo em cima da caixa da culatra, a alça de transporte e o protuberante quebrachamas. Internamente, a diferença maior era o grupo do gatilho, que era praticamente o mesmo do espanhol CETME.

Protótipo R2.

Também iniciado em 1957 e pronto em 1958, um 2º modelo foi feito, o R2. Visualmente seguia a mesma linha do AR-10. Entretanto, não usava nenhum sistema de gás, usava o sistema de blowback desacelerado, com o uso de roletes para trancar o ferrolho. Esse sistema havia sido copiado também do CETME. Embora com visual do AR-10, por dentro ele se parecia mais com um CETME. Como ele não usava sistema de gás, seu desenho técnico interno era mais simples, fazendo com que ele perdesse um pouco de peso, diminuindo para 4,8 Kg.

Protótipo R3.

Os testes mostraram que esses fuzis eram problemáticos. As armas eram praticamente incontroláveis em rajadas curtas, mesmo sendo mais pesadas. Em 1959, um novo modelo foi feito, mais para um fuzil semiautomático, seguindo a ideia do M14.Surgia assim o R3. Este modelo mesclava o uso direto de gás, mas o trancamento do ferrolho era por roletes com base no blowback desacelerado. A 1ª versão foi uma catástrofe. Tinha uma cadência de disparo muito alta fazendo dar pane com poucos disparos, sem controle nenhum e precisão zero. A 2ª versão, melhorada, usava os mesmos sistemas, porém mais resistente e mais pesado, com 4 Kg enquanto que o modelo anterior pesava 3,5 Kg. A arma era mais controlável, mas mesmo assim difícil de controlar e complexa.

A HOWA decide parar tudo e revisar o projeto. O layout de fuzil semiautomático era pior para o controle em rajadas curtas, para tanto decidem voltar ao layout de fuzil de batalha. Em 1960 surge o R6A. Adotava o sistema de gás direto e o trancamento por roletes. Porém, eles fazem um mecanismo de redução de cadência de disparo. O fuzil tinha uma cadência de 400 dpm. Com peso de 4,7 Kg, pela primeira vez é colocado um bipode no fuzil, mostrando que o uso de rajadas curtas ainda era a meta. O quebrachamas era de dimensões maiores para extinguir ao máximo as chamas do cano.

Protótipo R6A.

Desse modelo, outros cinco modelos R6 foram feitos, todos melhorando e trabalhando em cima do redutor da cadência de disparo. Esses modelos fizeram surgir o R6K em novembro de 1962, onde as diferenças principais recaem no grupo do gatilho, simplificando o conjunto. Entretanto, isso faz com que a cadência de disparo suba para 450 dpm. O fuzil fica mais robusto e perde peso ao mesmo tempo, com 4,3 Kg.

Os japoneses notaram que o fuzil estava ficando cada vez mais complexo. Isso seria um problema não só para o soldado fazer a limpeza e manutenção, mas seria um problema maior para produzir o fuzil, gerando uma arma mais cara e com maior tempo para produzir. Diante disso, a HOWA decide fazer uma alteração radical no projeto. Em janeiro de 1963, é apresentado o R6E. Por fora continuava sendo o mesmo fuzil, mas por dentro, completamente diferente. Eles adotam o sistema usado no FAL, em que o fuzil opera por pistão de curso curto com ferrolho basculante. Esse modelo se mostrou muito mais simples que os anteriores.

Como o sistema era mais simples, a arma tinha um menor índice de panes, mas ainda assim era incontrolável em rajadas curtas pela alta cadência de disparo que o fuzil fazia. Com base no grupo do gatilho herdado do CETME, os japoneses fazem um fuzil mais refinado, com menos problemas no sistema de redução da cadência de disparo e pesando 4,2 Kg. Esse modelo é enviado para testes de campo em maio de 1963 sendo aprovado nesse mesmo ano. Em 7 de setembro de 1964 (que data, não?), o fuzil é oficialmente selecionado como novo fuzil do exército japonês, sob o nome de Fuzil 64 7,62mm, também conhecido como Tipo 64.

Modelo inicial do fuzil Tipo 64.

Agora aqui temos que fazer uma parada e ver o contexto de trás de tudo isso. À medida que o programa de desenvolvimento avançava, o cronograma se atrasava. Isso porque os modelos iam ficando cada vez mais complexos e quando solucionava um problema, um outro aparecia. Com o tempo escasso, o governo japonês chegou a cogitar comprar dos EUA os M14 que logo dariam baixa em virtude de sua substituição pelo M16. Entretanto, a partir do modelo R6E, o programa deslanchou.

Na mesma época, alguns militares se interessaram pelo calibre 5,56 x 45 mm que estava estreando no Vietnã e que já despertava interesse em outros países. Os EUA queriam que o Japão comprasse e fizesse localmente o M16A1. Entretanto, os militares japoneses se mostraram conservadores. Achavam que o calibre mais leve não teria o mesmo alcance e poder de perfuração que o 7,62 x 51 mm. Ainda achavam um calibre leve e sem poder de parada adequado para um calibre militar. Temiam que um calibre mais leve levasse o soldado a desperdiçar munição em virtude do baixo recuo. Para eles não seria nada interessante um calibre mais leve. Sem falar que, caso se interessassem, teriam de recomeçar tudo do zero novamente.

 

Tipo 64

O Tipo 64 não é um fuzil complexo. Pelo contrário, apesar da sua imagem de um fuzil pesado e gordo, ele é um fuzil simples por dentro de tal ordem que não tem muitos destaques inovadores.

Tipo 64.

Assim como o FAL, o Tipo 64 adota o bloco de aço forjado. Isso gera uma peça única mais rígida e durável. Entretanto, é uma parte do fuzil que custa mais caro de produzir e leva mais tempo também. O fuzil atua com o mecanismo de pistão de curso curto com ferrolho basculante. O ferrolho basculante funciona pelo seguinte princípio. Após o disparo, os gases vão para o êmbolo e comprimem o pistão, que bate no transportador do ferrolho. O ferrolho, abaixo do transportador, tem a sua base traseira travada em um recesso. Quando o transportador do ferrolho é movido para trás, ele puxa junto o ferrolho, que se levanta, tirando sua base traseira do recesso, destravando o ferrolho. Como ele se levantou, o transportado puxa ele junto para trás.

Na coronha do fuzil tem um tubo onde há uma mora recuperadora. Esse transportador é preso a essa mola por uma haste. Desta forma o transportador, ao ir para trás, comprime esse mora recuperadora até o final. Quando chega ao final, a mola recuperadora começa a empurrar o transportador para frente. Nesse momento o ferrolho empurra um cartucho do carregador e o coloca na câmara do cano. A base traseira do ferrolho cai no recesso, ficando travada e travando o ferrolho ao mesmo tempo. Neste momento o ferrolho está mais afastado do transportador. A arma esta travada para o próximo disparo. Essa é a ação do ferrolho basculante.

Note a posição da alavanca de ejeção e como a janela de ejeção é aberta.

Embora o fuzil de batalha fosse em calibre 7,62 x 51 mm, os japoneses queriam manter a capacidade de controle em regime automático. Quando falamos de disparo automático, não falamos de rajadas como vemos nos filmes em que se dispara o carregador inteiro. Falamos de rajadas curtas controladas e isso com o 7,62 x 51 mm é praticamente impossível. Para tanto, os japoneses adotaram duas soluções. A primeira era reduzir a quantidade de propelente da munição 7,62 x 51 mm produzida por eles. A redução era de 10% de propelente. Isso gerava uma munição com um recuo menor e uma velocidade de projétil menor também. Mas mesmo assim, o projétil saía a 710 m/s (enquanto que o normal é 830 m/s) e tinha capacidade de penetrar um capacete a 800 metros. O fuzil poderia usar munição normal do 7,62 x 51 mm. Mas para isso, o soldado teria de regular o êmbolo de gás para receber menos quantidade de gás.

A 2ª solução foi limitar a cadência de disparo. O calibre ainda era considerado forte e, mesmo em rajadas, haveria uma grande dispersão caso o soldado usasse rajadas em que a cadência de disparo fosse alta. Para tanto, eles usaram um limitador de cadência. Esse dispositivo fica atrelado ao grupo do gatilho. Os japoneses simplesmente copiaram o regulador usado no CETME espanhol, que tinha feito bons resultados. Com uma cadência menor de disparo, maior é o controle da arma e, assim, menor a dispersão. O Tipo 64 pode ser disparado em automático porque havia um regulador de cadência de disparo e uma munição com uma quantidade menor de propelente. Sem dúvida deu certo.

Soldado japonês com o Tipo 64. Note a baioneta acoplada.

Além disso, o que facilita o controle da arma em rajadas curtas é o peso. O fuzil, descarregado, pesa 4,3 Kg, o que pode ser considerado pesado. Esse peso a mais ajuda a absorver parte do recuo dos disparos. Também para ajudar no controle dos disparos, há um grande quebrachamas que também atua como compensador. Além de ajudar a diminuir as chamas para não revelar a posição do soldado, o compensador ajuda o fuzil não levantar tanto o cano a cada disparo. Isso é feito direcionando parte dos gases em direções contrárias ao recuo.

Como os japoneses queriam o controle do regime automático, o fuzil tendia a esquentar por causa do calibre. Para isso, os japoneses não adotam um guardamão de madeira como os fuzis da época. Ele adota um guardamão de metal com janelas de ventilação para dissipar o calor acumulado. E todos os fuzis vêm com o bipode porque isso dá maior precisão ao fuzil quando ele está apoiado. O bipode visa rajadas curtas. Caso o soldado quisesse um maior controle em rajadas, na soleira da coronha há uma chapa que, quando virada para cima, serve como apoio para o ombro. Na prática isso não faz muita diferença em rajadas maiores.

Soldados japoneses com Tipo 64. Note as sacolas de pano presas á janela de ejeção. Ainda é um mistério a utilidade delas. Se é para evitar que o inimigo veja a posição do soldado pelas cápsulas ejetadas ou se é para treino.

As miras são um pouco diferentes. A massa de mira tem duas graduações, de 200 e 400 metros. Os soldados japoneses não tentam acertos em maiores distâncias porque, mesmo em distâncias maiores, as chances de acertos são menores, mesmo com calibres mais leves. Essas miras não têm proteções laterais. Isso é um problema porque uma pancada pode danificar a mira. A alavanca de manejo fica na parte de cima da caixa da culatra, uma herança do R1 quando inspirado no AR-10. Isso torna a alavanca de manejo ambidestra e é solidária ao transportador do ferrolho. Isso tem um efeito um pouco ruim com a mira. A cada disparo o soldado fica vendo a alavanca de manejo se movimentando entre as miras a todo o momento, o que pode dificultar a visada do alvo.

O carregador, desde o começo, foi inspirado no M14 e se adotou o desenho. Entretanto, carregadores do M14 não podem ser usados no Tipo 64. O retém ambidestro é atrás do carregador. Já o seletor de disparo fica no lado direito da caixa da culatra, acima da empunhadura. É uma grande tecla com opções para auto, semi e travado. Pelo tamanho dela, em tese, seria mais fácil acionar ela com o 2º dedo, o mesmo dedo do gatilho. Entretanto, esse movimento se mostra muito difícil, exigindo certo malabarismo do soldado. Desta forma o soldado sempre acaba usando a mão esquerda para acionar o seletor, o que é algo mais incômodo.

Soldados japoneses com o Tipo 64.

O fuzil pode disparar granadas de boca calibre 22 mm. Para tanto, existe a necessidade de um cartucho especial para o lançamento dessas granadas. O soldado municia a arma e em seguida fecha totalmente o êmbolo de gás, para que todo o gás seja usado no lançamento da granada. Desmontar para limpar e fazer manutenção não é algo tão simples. Exige ferramentas, solta de pinos e várias peças internas têm de ser destacadas. O fuzil é considerado ruim de desmontar e montar, exigindo mais treino e cuidado. Essa é uma herança da fase de protótipos do R6.

Talvez você não tenha reparado. O Tipo 64 não tem versão com coronha rebatível e isso não se dá porque erraram. O sistema de ferrolho basculante exige que a mola recuperadora seja inserida dentro da coronha. Em uma coronha rebatível é impossível fazer isso. Não haveria espaço interno para a mola recuperadora e desta forma os japoneses acharam por melhor não adotar a coronha rebatível, já que caso quisessem, teriam que redesenhar parte do mecanismo interno. Para melhor esclarecimento, o FAL é um fuzil de batalha com ferrolho basculante seguindo o mesmo princípio. Entretanto, a sua versão PAFA FAL, de coronha rebatível, faz com que a mola recuperadora seja alojada logo abaixo da parte de cima da caixa da culatra, sendo necessário um redesenho interno do mecanismo de disparo para acomodar a mola recuperadora. Visando um projeto mais simples, os japoneses não adoraram uma versão com coronha rebatível.

Tipo 64. Note o ferrolho aberto, expondo toda a parte distal da caixa da culatra.

O Tipo 64 não teve exportações porque, pelas leis japonesas, o Japão não pode vender armas para nenhum país em virtude da sua política pacifista de produzir armas somente para sua autodefesa. Contando todos os lotes, ao todo foram feitos 250.000 fuzis. Com o tempo, o Tipo 64 foi substituído pelo Tipo 89. Entretanto, o Tipo 64 voltou a ser usado quando vários fuzis foram recondicionados e dotados de miras telescópicas, onde passaram a desempenhar o papel DMR.

Soldados japoneses treinam com o Tipo 64.

Tipo 64

Calibre: 7,62 x 51 mm
Comprimento do cano: 452 mm
Comprimento total: 992 mm
Cadência de disparo: 450 dpm
Peso: 4.3 Kg
Carregador: 20 cartuchos

 

Como funciona

Após o disparo, os gases percorrem o cano e entram em um orifício na parte superior. Os gases são direcionados a um êmbolo de gás, localizado acima do cano. Ao entrar, os gases comprimem um pistão que, por sua vez, bate no transportador do ferrolho, empurrando ele para trás. Ao ir para trás, ele puxa junto o ferrolho, que faz a extração da cápsula e ejetando-a em seguida. O transportador e ferrolho percorrem o caminho até o final, comprimindo a mola recuperadora que está dentro da coronha.

Após realizar o curso final, a mola recuperadora começa a empurra o transportador e ferrolho para frente. Nesse momento o ferrolho empurra um cartucho do carregador e o insere na câmara do cano. Após isso, o ferrolho fica travado em um ressalto, deixando a arma pronta para o próximo disparo.

 

Curiosidade

A distância entre a soleira da coronha e da empunhadura é menor se comparada com outros fuzis de assalto. Essa distância é menor porque o porte físico do soldado japonês é menor, então seus braços não são tão largos assim como os dos ocidentais.