Galil – Parte 1

Até o final dos anos 80, Israel vive praticamente em um estado de sítio. Com inimigos à sua volta e outros mais distantes, contava apenas com o apoio americano para sua sobrevivência via fornecimento de armas e dinheiro que perdura até hoje. Visando uma maior independência, aos poucos Israel investiu em seu industrial bélico e conseguiu projetos muito interessantes. Dentre eles está o fuzil Galil, que nasceu em um momento conturbado e se mostrou um projeto funcional. Ao contrário do que muitos pensam, o Galil não é uma simples cópia do AK-47.

 

Origens

O Galil surgiu de uma necessidade de um calibre mais leve e versátil. Isso ficou visto na guerra dos Seis Dias, em 1967. Muitos soldados estavam armados em sua maioria com o FN FAL e FN MAG em calibre 7,62 x 51 mm. Havia o uso de submetralhadoras e uma pequena quantidade de fuzis de repetição em linhas secundárias. De outro lado, egípcios e sírios usavam o AK-47 e AKM-47, com um calibre relativamente menor e mais leve. Isso dava ao inimigo um maior poder de fogo no assalto, o que tornava as coisas mais difíceis para os israelenses.

Ao contrário do que se pensa, o FAL não tinha problemas de sujeira com areia ou poeira. O soldado da linha de frente era muito bem instruído e a limpeza correta do fuzil era uma constante por parte deles. Muito raramente o fuzil apresentava alguma pane em virtude desse treinamento correto. Entretanto, o FAL nas linhas secundárias foi para as mãos de recrutas sem experiência e pouco treino, onde ao não fazerem a limpeza correta da arma, faziam com que elas apresentassem panes. Para a grande sorte de Israel, esses soldados praticamente não estiveram na linha de frente. A bem da verdade, areia nunca foi o problema do FAL em virtude dos países que o compraram e o usaram nas mais intempéries áridas do deserto e regiões de clima seco.

Soldados israelenses descansam na Guerra dos Seis Dias. Note o FAL.

Na guerra dos Seis Dias os israelenses notaram que o AK-47 era uma arma muito mais versátil a curtas e médias distâncias e isso chamou a atenção, a ponto de começar a usar o fuzil quando capturado e assim eles notaram que o FAL era mais pesado e limitado nas mesmas distâncias. Isso fez crescer no exército israelense uma necessidade de um calibre mais leve que provesse um maior poder de fogo. Isto significa dizer maior quantidade de cartuchos no carregador, com maior controle em disparos semiautomáticos e rajadas curtas, coisas que o FAL não conseguia prover.

Terminada a guerra dos Seis Dias, os israelenses começaram a estudar qual arma poderia armar Israel, um fuzil que fosse produzido localmente. Haveria a participação de equipes israelenses e equipes internacionais. Havia que se levar em conta um calibre mais leve, maior poder de fogo e controle em rajadas curtas. Além disso, que a arma fosse o mais simples possível e fácil de manter. Isso vinha da facilidade do AK e AKM-47 de serem armas simples, de fácil manutenção e limpeza.

Capa da revista LIFE. Soldado israelense com um AK-47.

Em 1968 algumas empresas são chamadas a participar da seleção do novo fuzil. Do lado internacional, participaram o M16A1, que Israel chegou a receber algumas unidades ainda durante a guerra dos Seis Dias. O Stoner M63 e o HK33 também foram avaliados. Na avaliação foi usado o AK-47 apenas como paradigma de comparação, não sendo parte do processo de seleção. Do lado israelense, duas equipes participaram.

 

Uziel Gal

Em 1969, Uziel Gal, o mesmo que projetou a submetralhadora Uzi, participa do processo com dois modelos de calibres diferentes. Seu modelo era o fuzil GAL modelo A, B e C. Tratava-se de um interessante modelo de fuzil de assalto todo feito em metal estampado. Atuava com um ferrolho rotativo com ação de pistão de curso curto, lembrando muito o AR-18. Atrás do transportador do ferrolho havia duas pequenas hastes com duas molas recuperadoras fixas na base de trás da caixa da culatra. A alavanca de manejo não ficava na caixa da culatra, mas sim em um tubo acima do cano do lado esquerdo.

GAL Modelo A.

O modelo A era feito em 7,62 x 51 mm. A meta era um maior poder de fogo e maior controle da arma. Não havia como aumentar o poder de fogo usando esse calibre, mas a equipe de Uziel fez uma inovação quando ao controle da arma. O grupo da parte de cima do mecanismo de disparo, o transportador do ferrolho e ferrolho se locomovia para trás por 12 mm a cada disparo, sendo que o cano permanecia fixo. Esse movimento de retrocesso era para diminuir o recuo do fuzil, o que fazia aumentar o controle da arma em disparos consecutivos e rajadas curtas. Os primeiros testes mostraram que o modelo de metal estampado se mostrava um pouco frágil para o calibre 7,62 x 51 mm. Um segundo modelo de fuzil foi feito, o modelo B, de mesmo calibre e projeto. Entretanto, a parte de baixo da caixa da culatra era feito em metal forjado, seguindo mais o paradigma do FAL, que se mostrava como um fuzil muito rígido e resistente. Essa parte de baixo não era de aço e sim de liga leve. Dava mais resistência que o metal estampado e era mais leve que o aço forjado.

Uzi Modelo C.

Levando em conta a necessidade de maior poder de fogo e controle em disparos, Uziel notou que o calibre 7,62 x 51 mm se mostrava inviável e que, em virtude da maior complexidade do mecanismo de disparo, o seu fuzil não seria aceito. Ao trocar o calibre, Uziel teria um concorrente direto com os demais. Assim ele faz o modelo C, um fuzil de assalto calibre 5,56 x 45 mm. Em virtude do recuo menor do calibre, ele eliminou o mecanismo de retrocesso de amortecimento do recuo, tornando o fuzil mais simples e mais barato de ser produzido. Como era mais leve e com menor estresse físico, o fuzil foi feito todo em metal estampado. Com base no sistema Stoner 63, tanto o carregador como o cano era usados como modelos e isso fez uma grande diferença pela troca rápida do cano.  A tropa gostou disso e o fuzil foi muito bem elogiado.

Uzi Modelo C versão carabina.

 

Israel Balashnikov

Balashnikov foi um soviético que imigrou para a Galileia ainda nos anos 30. Atuou militarmente com a polêmica Haganah e mais tarde lutou na guerra dos Seis Dias. Como a IDF havia capturado milhares de AKs e AKMs, Balashnikov usou esses modelos como fonte de pesquisas para o seu modelo.

A 1ª coisa que Balashnikov pensa é na plataforma. De todas as armas disponíveis, o modelo que mais se parecia adequado era justamente o AK-47 pela sua total simplicidade não só de manutenção como a sua produção mais simples. Eram poucas peças e essas peças eram de desenho simples. Para operar em uma região com condições áridas exigentes, o AK-47 se mostrava como a arma mais indicada para isso e, vendo que os soldados israelenses haviam usado e gostado do AK-47 na guerra, notou que o ideal seria uma versão do AK-47 moldado para as necessidades das tropas israelenses. A 2ª coisa a se fazer foi o calibre. Embora o 7,62 x 39 mm se mostrasse como um bom calibre a curtas distâncias e, raramente, à medias distâncias, Balashnikov preferia o 5,56 x 45 mm. Não pela sua aproximação com os EUA, mas porque o calibre americano tinha um maior alcance, uma trajetória mais plana e uma maior precisão, fatores estes que o AK-47 não tinha com o 7,62 x 39 mm. Desta forma, ele trabalharia com uma cópia do AK-47 em calibre 5,56 x 45 mm.

AK-47 adaptado por Balashnikov.

Para tanto, Balashnikov pega um AK-47 e adapta o calibre o 5,56 x 45 mm. Esse modelo protótipo destina-se a ver como o fuzil se comportaria com o novo calibre. Nesse modelo ele faz algumas alterações que mais tarde seriam incorporadas ao Galil. Havia uma nova coronha rebatível ao invés de dobrável. Um novo quebrachamas como o M16 no formato gaiola e uma alteração na caixa da culatra onde o soldado poderia acionar o seletor de disparo do lado esquerdo do fuzil.

Em um primeiro momento, a arma se mostrava completamente funcional. Já colocaram um cano maior que o do AK-47 por causa da balística do calibre 5,56 x 45 mm, o cano passa a ser de 455 mm de comprimento. A arma se mostrou precisa e com uma boa qualidade de balística. Era o que os israelenses queriam. Entretanto, esse modelo era um AK-47 adaptado para um cano e calibre novo.

Note o novo seletor com inscrições em hebraico.

Um novo modelo foi feito de novo com outro AK-47. Essa versão já era mais refinada e se destinava ao conceito total da arma. Foi usada a empunhadura do FAL nele, não por economia de custos, mas porque os soldados a preferiam. A equipe de Balashnikov não tinha o conhecimento técnico para a pesquisa e desenvolvimento de caixas de culatras e então optaram por um modelo mais parecido o possível com o A-47, mas que não fosse, necessariamente, um AK-47.

2ª versão do fuzil de Balashnikov.

Balashnikov não poderia simplesmente copiar da URSS a caixa da culatra. O AK-47 tinha um desenho técnico que era diferente e problemático para o que os israelenses queriam fazer no modelo deles. Então viram que a Finlândia fazia uma versão própria, levemente alterada do AK47, o fuzil Rk62. Esse fuzil tinha algumas pequenas alterações que os israelenses viram que poderiam usar. Em 1968, a Finlândia mandou para Israel 5 fuzis Rk62 para avaliação e a equipe de Balashnikov ficou impressionada. No mesmo ano encomendaram mais 100 fuzis de assalto Rk62. Em cima desse modelo, Balashnikov criou o seu modelo de fuzil, o fuzil Balashnikov em 1969.

Esse é um dos primeiros Galil feito com a caixa da culatra do Valmet Rk62.

Testes foram feitos e, embora o fuzil GAL fosse bem visto pela tropa, o fuzil de Balashnikov havia ganhado porque foi considerado o fuzil mais simples de produzir e manter, assim como era o mais resistente de todos. Entretanto, antes de adotado oficialmente Balashnikov alterou o seu nome para Israel Galil. Ele tinha a vontade de alterar seu nome desde os anos 50 e aproveitou o momento para mudar. Não queria que Israel adotasse um fuzil de assalto com um nome muito parecido com o de Kalashnikov. Desta forma o nome Galil dá outro ar para armas muito parecidas.

 

GALIL

O uso do Rk62 foi o que permitiu aos israelenses ver que esse modelo seria o ideal. Era simples, de fácil construção e barato. Isso seria de base para que a equipe de Galil trabalhasse em cima. O próximo passo foi comprar 10.000 caixas de culatras em 1970 da Finlândia. Essas caixas já vieram prontas, em cima dos desenhos técnicos feitos pelos israelenses, com todas as alterações necessárias para a montagem dos fuzis em Israel. Isso era um prelúdio porque já estava em andamento a compra dos direitos de patente para a produção local dessas caixas de culatras. Isso fez apressar o desenvolvimento do Galil porque a base já estava pronta. O fuzil é selecionado em 1972. A ideia primordial era substituir todos os fuzis FAL da linha frente pelo Galil. O FAL ainda seria usado por reservistas.

Galil ARM.

Entretanto, quando a Israel Military Industries – IMI estava se preparando para instalar todo o maquinário de produção e cadeia logística, eclodiu a guerra do Yom Kippur, em 1973. Isso fez paralisar tudo porque o foco da guerra necessitava todo centavo e atenção para a guerra. Com a paralisação, o Galil só é adotado oficialmente em 1974. Ao contrário do que se pensa, o Galil nunca esteve na guerra de 1973 não porque os americanos ofertaram fuzis M16 mas sim porque o Galil nunca esteve em produção antes. A bem da verdade, todos os fuzis americanos chegaram bem depois da guerra, entretanto, Israel recebeu uma pequena quantidade de M16A1 e M653, que praticamente não tiveram nenhum impacto na guerra já que foram usadas em seus momentos finais.

O Galil é um fuzil de assalto por ação de pistão de curso longo, em que há um grande pistão ligado ao transportador do ferrolho. Embora tenha uma aparência quase igual ao AK-47, na verdade não é uma cópia direta. O Galil é uma cópia refinada do Valmet Rk62 que, por sua vez, é uma cópia refinada do AK-47. As peças do Rk62 não são intercambiáveis com o AK-47 e, por sua vez, não são intercambiáveis com o Galil e Rk62. Isso se deu porque o a adaptação do 5,56 x 45 mm não foi simples assim já que existem dimensões, estruturas e resistências diferentes a serem respeitadas, fazendo com que todo o projeto da arma fosse estudado.

Balashnikov apresentando o Galil.

A equipe de Galil não usou o metal estampado em seu fuzil. Como era condição a alta resistência do fuzil, ficou notado que, com o tempo, os rebites e o metal estampado daria uma vida mais curta ao fuzil. Isso já era notado com o AKM-47, com a caixa da culatra forjada, tinha uma durabilidade muito maior que o AKM com caixa da culatra em metal estampado. E não só isso. O valor de pressão do calibre 5,56 x 45 mm de 52.000 Psi fazia com que o metal estampado tivesse uma vida curta ainda mais. Desta forma, a única solução foi fazer a caixa da culatra em aço usinado.

Outra alteração foi o diâmetro do êmbolo do gás, que foi diminuído se comparado com o Rk62. Isso se dava pela forma que era usado. A quantidade de gás era menor e não havia a necessidade de um êmbolo maior. Logo acima do orifício, tal qual no AK-47 e Rk62, havia orifícios que despejavam parte desses gases para fora da arma. Cabendo recordar que não tinha nenhum efeito de compensador e sim de despejar o excesso de gás. Outra alteração nessa peça foi o pistão. Após a base do pistão, há um pequeno anel de mesmo diâmetro da cabeça do pistão que se amolda no êmbolo. Isso evita que o pistão fique rebatendo dentro do êmbolo. Com o tempo essa peça tende a entortar, com esse anel a peça se torna mais durável. Além do mais, isso evita um atrito desnecessário no transportador do ferrolho, o que dá maior durabilidade a esse conjunto.

Galil ARM.

Levando em conta o uso do AK-47 pelos soldados israelenses, Galil alterou a posição da alavanca de manejo, colocando ela para cima do lado direito. Isso faz com que a alavanca não prenda em algo. Outra cópia foi a coronha, que foi feita em cima da coronha do FAL. Os soldados israelenses notaram que as coronhas dos AKS e AKMS eram muito frágeis, quebravam com muita facilidade, assim como eram muito ruins de apoiar no ombro. Como os soldados gostavam da coronha rebatível do FAL, eles a adotaram, com as mesmas dimensões. Essa coronha do FAL era muito mais rígida e resistente se comparado com o modelo soviético.

O cano do Galil tem uma maior resistência ao calor se comparado com o AK-47 e Rk62. Isso se deve ao método de trancamento do ferrolho na base do cano. No Galil, os ressaltos do ferrolho são travados em um extensor interno da própria caixa da culatra e não um extensor do cano, como é no AK-47. O cartucho fica em uma câmara do cano mais adiante. Isso faz com que o calor projetado ao cano seja menor porque parte dele é absorvido pela posição dianteira da caixa da culatra. Isso faz o fuzil aguentar maior quantidade de disparo, evitando assim o efeito cookoff, quando a arma dispara o cartucho sem acionamento do gatilho em virtude da alta temperatura da arma.

O Galil usado pela Estônia. Note o comprimento do cano maior em relação ao Rk62.

Outra alteração foi o percussor do Galil. O percussor do AK-47 e Rk62 não tem uma mola de segurança dentro do ferrolho. Isso fazia com que disparos acidentais acontecessem caso tivessem uma pancada forte. No Galil o percussor passa a ter uma mola de segurança. Isso é um ponto positivo porque munições com espoletas mais sensíveis são mais inseguras de se operar. Entretanto, um problema era o ejetor do Galil. Ele tinha um desenho mais simples e isso fazia com que a extração fosse mais violenta. A cápsula era extraída com tanta força que ela caía a 7 metros do soldado em um grande ângulo, isso demonstrava ao inimigo a posição do soldado.

O seletor de disparo sempre foi um ponto fraco do Galil. No lado direito mantém o mesmo desenho do AK-47. Uma grande tecla de metal. Em cima travado, no meio automático e embaixo semiautomático. Os soldados não gostavam porque a cada movimento fazia-se um grande estalo de metal batendo o que, em missões que exigiam discrição, era algo ruim. Então eles levantavam para frente o seletor para que o som da batida de metal fosse menor. Já o seletor do lado esquerdo, acima da empunhadura, pouco ajudava. Caso o soldado selecionasse por ela, do outro lado direito a tecla também se movimentava, fazendo o grande estalo. Para piorar, havia o problema do curto percurso do seletor. Era um pequeno seletor em que atrás era semi, no meio automático e para frente travado. Porém, em poucos centímetros. Isso acabava por atrapalhando os soldados porque no calor da batalha eles selecionavam o regime errado pela pequena distância entre um e outro.

O Peru também opera o Galil. Um dos seus inimigos, o Chile, mais tarde compraria o Galil Ace.

Uma ótima característica do Galil é o controle da arma durante os disparos. O controle em disparos semi e automático é maior por causa de 4 motivos. O cano é maior se comparado com o AK-47 e, mesmo sendo de calibres diferentes, o comprimento maior do cano aproveita melhor os gases, diminuindo o recuo. Outro fator é o recuo menor da munição 5,56 x 45 mm que se adequa perfeitamente com o cano de 460 mm, tornando o recuo mais administrável. Outro fator é a cadência de disparo de 600-650 dpm, uma vez que ela é mais baixa, a arma se torna mais controlável, gerando assim uma menor dispersão dos projéteis. E por fim, o peso do próprio fuzil que, embora considerado muito pesado, faz a arma absorver parte do recuo. O conjunto de todos esses fatores gera um fuzil de assalto mais controlável que os demais no mesmo calibre.

 

Versões

A IMI, em um primeiro momento, lançou 3 versões do Galil. O AR é o fuzil de assalto padrão. O cano é de 460 mm de comprimento e empunhadura e guardamão em plástico de alta resistência. A versão em calibre 7,62 x 51 mm tem um cano de 532 mm. Essa versão básica se mostrou de excelente qualidade que muitos não esperavam, tirando o peso. A primeira coisa que se nota é a alça de mira é bem mais atrás. Isso se dava para uma maior profundidade na hora de fazer a mira, para o soldado ficava mais fácil. Isso vem do Rk62. Como essa parte está inserida na tampa da caixa da culatra, essa tampa é feita com um metal mais reforçado e rígido, para que a mira não desalinhe.

Galil AR em 5,56 x 45 mm.

Essa mira tinha duas graduações, para 300 e 500 metros. É a graduação quase perfeita porque a 300 metros é onde o projétil tem uma trajetória mais plana dando uma maior precisão, em uma distância onde ocorre a maioria dos combates modernos. Até 500 metros serve como disparos de apoio ou supressão. A essa distância é muito difícil conseguir acertos só com o olho. Um dos problemas do Galil foi a impossibilidade de acoplar miras óticas e holográficas por causa da fina tampa de metal da caixa da culatra. Mesmo em versões mais modernas, o uso do trilho picatinny se mostra difícil já que com o tempo ele tende a ficar levemente solto.

Em caso de necessidade, tanto na alça como na massa de mira, havia uma mira secundária. Ao levantá-la, ela tinha pontos de trítio, um elemento químico e radioativo que iluminava sozinho em ambientes escuros ou de baixa de luminosidade. Essas miras tinham um alcance de 100 metros. Pode ser pouco, mas em ambientes escuros essa distância está de ótimo tamanho porque o soldado não poderá ver muita coisa além disso a olho nu.

A alça e massa de mira com trítio. Note como os pontos se autoiluminam no escuro.

O carregador é próprio do Galil, quando os israelenses partem para o mesmo sistema do empregado no Rk62. O carregador é feito de aço e não de alumínio, como os americanos faziam. Isso se dava pelas exigências de maior resistência da arma e isso englobava também o carregador. Com um carregador de aço, ele se torna mais resistente e mais durável. O AR tem um carregador para 35 cartuchos 5,56 x 45 mm e para 25 cartuchos em 7,62 x 51 mm. Embora Israel quisesse um fuzil 5,56 x 45 mm, a IMI fez uma versão 7,62 x 51 mm para exportação, empregando a mesma filosofia de maior poder de fogo, mesmo para o calibre maior.

Soldados djibutienses treinam com o Galil AR em 7,62 x 51 mm.

Assim como no AK-47 e Rk62, o ferrolho não permanecia aberto após o último disparo. A falta desse tipo de mecanismo sempre foi um problema da família AK-47 porque o soldado nunca sabia se havia acabado a munição ou se tinha uma pane. Após o disparo, ele tinha que puxar a alavanca de manejo para trás para se certificar que o carregador estava vazio. Assim como nos demais fuzis de assalto em 5,56 x 45 mm M193, o passo do raiamento do cano é de 1:12, ou seja, o projétil dá uma volta a cada 12 polegadas, ou seja 304 mm.

Galil ARM.

O ARM é uma versão composta. É um fuzil de assalto e uma metralhadora leve ao mesmo tempo, de tal ordem que foi feito para desempenhar ambas as tarefas e não somente uma por esquadrão. Assim como o AR, em calibre 5,56 x 45 mm tem um cano de 460 mm e em 7,62 x 51 mm tem um cano de 532 mm. Entretanto, essa arma tem algumas características a mais. O guardamão é de madeira e não de material plástico, para poder absorver mais o calor. Isso vem de um aprendizado da experiência dos israelenses com o FAL versão metralhadora leve. Como a arma era usada mais constantemente, o cano esquentava mais e o guardamão de madeira se mostrava obrigatório.

Outra introdução foi o bipode. Seguindo a doutrina israelense, ele tinha de ser o mais rígido possível. Isso se dava porque o soldado estaria andando com ele estendido. Em um caso de necessidade urgente, o soldado se jogaria no chão com o ARM já pronto para disparo com o bipode estendido. Isso faria o bipode bater com força no chão e desta forma ele tinha que ser o mais rígido possível para que não se dobrasse ou quebrasse. Uma curiosidade aqui. No bipode ainda foi instalado um abridor de garrafa. Isso era para evitar que os soldados usassem a trava do retém do carregador como abridor de garrafa. Isso com o tempo soltava a peça que, por sua vez, fazia o carregador ficar frouxo, gerando panes de alimentação.

Galil ARM em calibre 7,62 x 51 mm.

O ARM se saía como um ótimo fuzil de assalto, entretanto, não fazia o mesmo quando atuava como metralhadora leve de apoio. A arma tendia a esquentar muito e a troca do cano era praticamente impossível. O soldado tinha que esperar o cano esfriar para evitar o efeito cookoff. Outras vezes, um soldado com ARM provia fogo enquanto que o outro com a mesma eram esperava esfriar e assim trocavam de posição, com a outra arma esfriando e a outra atirando. Essa falta de possibilidade de troca rápida de cano limitava muito o uso da arma. Outro ponto negativo foi a ausência de um regulador de gás. Em determinadas situações, esse regulador diminui a quantidade de gás que poderia, em tese, aumentar um pouco o tempo de uso com a arma quente. Em outras situações, a arma pode se deparar com intempéries que exijam mais gases para que não haja obstrução do êmbolo.

Galil ARM com carregador para 50 cartuchos. Note que o carregador é tão alto que não há como usar o bipode.

Os soldados que usavam o ARM se deparavam com um problema. O carregador para 35 cartuchos funcionava perfeitamente com o bipode, tornando a arma estável e apoiada. Porém, o carregador para 50 cartuchos era maior que o bipode. Isso fazia o bipode ficar literalmente pendurado, com a arma apoiada no carregador e não no bipode. Esse carregador foi mais usado então em outras versões para um maior poder de fogo.

 O SAR é a versão carabina do Galil. O cano é de 342 mm para 5,56 x 45 mm e 401 mm para 7,62 x 51 mm. A versão carabina do Galil sempre foi muito bem visto por seus usuários pelo tamanho menor com uma característica de um fuzil de assalto convencional. Em virtude do seu peso maior, o recuo da carabina é menor se comparado com outras carabinas. Isso significa uma carabina com um maior controle do recuo que, por sua vez, gera uma menor dispersão dos projéteis, aumentando a precisão. E ainda mais para uma carabina, em virtude do sistema de trancamento do ferrolho, a arma tendia a esquentar menos que uma carabina. Esses fatores tornavam o SAR uma arma muito bem elogiada.

Soldado estoniano no Iraque com um Galil SAR.

Foi feita uma versão Sniper em cima do Galil 7,62 x 51 mm em 1984. Israel seguiu a mesma linha dos egípcios e sírios quando estes usavam o Dragunov, um fuzil semiautomático simples de precisão. O Dragunov tinha boa precisão a médias distâncias e os israelenses seguiram essa linha.  Entretanto, o Galil Sniper não era uma arma tão boa assim. O cano era a principal diferença, mais pesado e mais rigidamente fixado na caixa da culatra. A coronha era levemente maior com regulagem de altura para a face do soldado. O conjunto todo dava um peso de 8,3 Kg, o que ajudava muito na absorção do recuo. Visando uma maior precisão, foi adotado um grupo diferente do gatilho. O novo sistema passa a ter dois estágios ligados por uma pequena engrenagem. Isso faz com que a força usada seja menor, tornando a pressão mais suave que, por sua vez, exige menos força que pode fazer a precisão diminuir por causa do movimento mais forte do dedo. Isso dá uma maior precisão ao disparo.

Galil Sniper.

A mira usada era a Nimrod 6x40mm. Com o Galil Sniper o soldado poderia acertar alvos com precisão até uma distância de 600 metros. Isso mostrava que era uma arma inferior ao M14 que os israelenses já usavam, onde um soldado poderia acertar alvos entre 800 e 1.000 metros quando devidamente treinado. Outro problema foi o uso de um silenciador de disparo. Para fazer o uso desse equipamento, o soldado tinha que usar uma munição especial subsônica caso contrário o silenciador não funciona.

Um dos maiores problemas do Galil Sniper era o adaptador da mira telescópica. Era um adaptador fixado na lateral esquerda da caixa da culatra. Mesmo que a tampa da culatra fosse mais rígida, não tem a rigidez suficiente para uma mira desse tipo. A cada disparo, esse adaptador tendia a ficar frouxo com o tempo, tirando a calibração da mira. O soldado tinha que parafusar e calibrar novamente a mira. Houve modelos com tampas de culatras especiais para uso desse tipo de mira, mas mesmo assim sofriam do mesmo problema do adaptador lateral.

Galil Sniper.

Em 1994, surge o MAR, que é a versão micro Galil. Esta carabina tem um cano de 210 mm de comprimento. Para que o sistema funcionasse, a arma passa por algumas modificações. Não só o cano é diminuído, como o êmbolo tem um comprimento menor e o pistão também, para que tivessem um desenho uniforme. Havia um maior escape de gases na ponta do êmbolo porque o excesso de gases em um êmbolo pequeno geraria um recuo muito violento e um stress maior na arma. Lembrando que carabinas curtas, necessariamente, já tem um estresse maior em seu corpo por causa disso.

Galil MAR.

Essa arma visava tropas especiais, as tripulações, oficiais, paraquedistas e órgãos de segurança. Para as tropas israelenses, ele vinha com seletor para semi, auto e travado. Para clientes estrangeiros que quisessem, havia a possibilidade de introduzir o sistema de burst de 3 disparos. Isso se mostrou altamente ruim porque a cadência era muito baixa para que se aumentasse a probabilidade de acerto. E com um cano curto demais, a precisão era ruim. Para piorar, o MAR, em virtude do cano menor e do guardamão de polímero, tendia a esquentar muito. Mesmo colocando uma manta térmica em volta do cano, o MAR esquenta muito com 30 disparos seguidos.

Galil MAR em uso por tropas tanzanianas.

Galil AR 5,56

Calibre: 5,56 x 45 mm M193
Comprimento do cano: 460 mm
Comprimento total: 987 mm
Cadência de disparo: 600-650 dpm
Peso: 4,3 Kg
Carregador: 35 cartuchos

Como funciona

Ao apertar o gatilho, o cão é liberado batendo no percussor. Este deflagra o cartucho, fazendo com que os gases que impelem o projétil entrem em um orifício. Ao passar por ele, os gases são dirigidos a um êmbolo situado acima do cano. Neste êmbolo tem um longo pistão que é ligado diretamente ao transportador do ferrolho. Os gases no êmbolo pressionam o pistão para trás. Ao fazer isso, pela inércia, o ferrolho é rotacionado para o lado esquerdo, fazendo com que os ressaltos estejam alinhados com as saliências do extensor do cano.

O ferrolho é deslocado para trás, ao mesmo tempo em que ejeta a cápsula que estava na câmara do cano e inicia o movimento de recuo até o final. A mola recuperadora empurra o transportador do ferrolho e pistão para frente, colocando um cartucho na câmara do cano. Neste momento, o ferrolho passa pelas saliências da base do cano, virando para o lado direito, travando o ferrolho na base do cano. Neste momento, o percussor está pronto para ser acionado novamente, reiniciando o ciclo.

Curiosidades

Se notarem com atenção, verão que a empunhadura do Galil também é uma cópia de outra empunhadura de outra versão do AK-47. Trata-se do fuzil húngaro AMD-65, em um formato mais ergonômico.

AMD-65.

Em 1982, uma revista israelense de humor fez um artigo satírico sobre a IDF. No artigo, eles diziam de um novo fuzil de assalto desenvolvido especialmente para as mulheres do IDF. No texto dizia que 350 mulheres haviam passado por um rigoroso sistema de avaliação para ver quais delas tinham excelentes características “físicas”. O próximo passado era treinar com um fuzil especialmente projetado para elas. Tratava-se de um Galil AR “adaptado” ao corpo da soldado mulher.

O modelo apresentado era um Galil com o cano curvado anatomicamente para caber em um dos seios da mulher soldado. Isso se dava porque, ao apresentar armas, o fuzil fica inclinado para frente em virtude dos seios das soldados. Desta forma, para a arma ser apresentada efetivamente com todas as pompas e galhardias sem desvio de ângulo, foi feito esse fuzil adaptado à elas. O fuzil não tinha o êmbolo dos gases e contava com uma empunhadura vertical direta no cano.

Que fique claro, era um informe de uma revista satírica.

Fuzil devidamente apresentado!