CZ 805

A então Tchecoslováquia demorou em ter um fuzil de assalto em um calibre mais leve e moderno. Tentativas foram feitas ainda nos anos 70, mas por questões orçamentárias e políticas, o plano foi abandonado e recuperado somente em 2006. A agora República Tcheca consegue retomar o plano e consegue fazer um fuzil de assalto moderno que foi aperfeiçoado, mesmo diante dos problemas orçamentários. O CZ 805 e 806 colocam a Rep. Tcheca no caminho e tradição que sempre teve, a de fazer de forma independente excelentes armas de fogo.

 

Origens

Assim como o VZ. 58, o CZ 805 tem uma origem muito interessante e curiosa que vale a pena ser mais explorada aqui.

Com o mundo vendo a ascensão do calibre 5,56 x 45 mm e com a URSS em plena adoção do 5,45 x 39 mm, a Tchecoslováquia viu que logo teria de ter um fuzil de assalto em um calibre mais leve.  Embora o VZ. 58 contasse com 15 anos de uso, sabiam que nos próximos anos seria vital o uso de um calibre mais leve. A ideia toda começa em 1977 quando a CZ busca maiores informações sobre calibres leves e viram que o ideal seria usar o mesmo calibre que os soviéticos haviam recém criado, o 5,45 x 39 mm. Não só pela questão econômica, mas porque dificilmente a URSS permitiria um calibre diferente do deles.

AK-74 em 5,45 x 39 mm.

Naquele ano pensaram se fariam um projeto novo, se fariam uma versão em cima do VZ. 58 ou se fariam um projeto com base no AKM-47. A CZ achou melhor usar o AKM-47 como plataforma de seus principais mecanismos. Isso os faria ganhar tempo e dinheiro já que não teriam que começar do zero e não correriam o risco de sofrer ingerências da Rússia. Uma vez feito o modelo, surgiu um grande problema. Os tchecos não tinham acesso à munição 5,45 x 39 mm. Então não tinham como dar prosseguimento ao projeto sem as medidas exatas da munição e sem os valores exatos de pressão e tolerância. Para tanto, os tchecos conseguiram contrabandear uma pequena quantidade de munição para estudos. Com a falta de acesso a essa munição, o programa andou a passos muitos lentos e só teve um crescimento quando os soviéticos repassaram um pequeno lote e todas as medidas e valores dessa munição.

Armas do programa LADA.

Em 1983 é apresentado o programa Lada, que visava desenvolver um novo fuzil de assalto para substituir o VZ. 58. A meta eram três armas. Um fuzil de assalto, uma carabina e uma metralhadora leve de apoio, todos em 5,45 x 39 mm. Em 1985 os fuzis ficam prontos e são enviados para os primeiros testes de campo já em 1986. Isso foi um aprendizado porque o fuzil apresentava muitos problemas, como é normal em qualquer arma na fase de protótipo. O problema não era o projeto em si, mas sim a qualidade do material usado, que tinha uma qualidade deveras ruim, fazendo com que canos, ferrolhos e outras peças quebrassem facilmente. Após todas as correções de produção dessas peças, o fuzil fica pronto em 1989. Entretanto, com o fim da saudosa Guerra Fria, a Tchecoslováquia passa por radicais mudanças políticas.

Ela se divide em dois países, nascendo a República Tcheca e a Eslováquia. Há uma ruptura política na Rep. Tcheca, onde o povo, em sua total maioria, mostra repúdio ao sistema socialista e querem mais independência da URSS. Não só isso, querem uma maior aproximação com o ocidente e principalmente com a OTAN, para que seu país nunca mais fosse invadido e ocupado. Ao visar a OTAN, mesmo que só ingressasse em 1999, a Rep. Tcheca viu que não teria como adotar uma munição diferente do ocidente. Desta forma eles decidem que o novo fuzil de assalto deveria usar o calibre 5,56 x 45 mm e não mais o soviético. Isso significava o reprojeto do fuzil para que usasse a munição 5,56 x 45 mm. Após todas as revisões, o fuzil fica pronto em 1991, onde tinha a meta de uma compra inicial de 300.000 fuzis. Porém, em virtude da divisão do país, das disputas políticas e pela falta de orçamento para isso, o programa Lada é cancelado em 1993, no mesmo ano que em que a arma era batizada de CZ-2000.

Armas do programa LADA. Em cima a carabina, no meio o fuzil de assalto e embaixo a metralhadora leve de apoio.

Após o país se estabelecer e normalizar, a Rep. Tcheca entra na OTAN em 1999. Em 2005, surge a ideia de desenvolver um novo fuzil de assalto. Mas essa arma não teria uma produção em massa por questões orçamentárias, apenas em pequenos lotes. Esse programa se chama CZ XX, um fuzil de assalto modular, em 5,56 x 45 mm, 7,62 x 39 mm e 6,8 x 43 mm. Foi feita a opção para calibres maiores como o 7,62 x 51 mm mas esse nunca saiu do papel, pelo menos não naquele momento. O uso de munições diferentes não visava somente o mercado externo. Havia a política de que, uma vez na OTAN, a Rep. Tcheca participaria de coalizões onde poderia haver a necessidade de uso de outras munições. E, também, por ordem prática, a modularidade poderia permitir ao uso de munição capturada do inimigo.

CZ-2000. Versões finalizadas do programa LADA.

Em dezembro de 2006 é apresentado o CZ 805. Esse fuzil tinha como inspiração clara e notória o SCAR e o XM8.  Entretanto, esses modelos não eram de produção seriada ainda e o governo tcheco não tinha se inclinado a comprá-lo. Isso era um grande problema porque naquele momento o exército estava comprando versões do M4 da Bushmaster. Era uma afronta para     a CZ porque a Rep. Tcheca tinha toda uma história de tradição no desenvolvimento do seu próprio material bélico e no final estava importando fuzis de qualidade inferior do que poderiam fazer. Em 2007, o governo abre uma concorrência para o novo fuzil de assalto. A CZ com o 805 e a FN com o SCAR.

Primeira versão do CZ 805.

Em 2009 é anunciado que o CZ 805 havia ganhado do SCAR, sendo selecionado como o próximo fuzil de assalto. O fuzil passa a ser chamado de CZ 805 BREN A1. A versão A1 era o fuzil de assalto, A2 a carabina e A3 um fuzil de cano maior para DMR ou disparos de precisão. Em 2010 ocorre a primeira compra para 7.000 fuzis completos. Entretanto, as entregas só ocorrem em 2011 porque algumas alterações foram feitas antes, uma nova empunhadura é feita com a possibilidade de troca da parte de trás dela para maior ergonomia e o ferrolho passa a ter 6 ressaltos e não 7. Muita se compara o CZ 805 com o SCAR, inicialmente, são armas parecidas, mas com muitas diferenças.

 

CZ 805 BREN 1

Sair do VZ. 58 para o CZ 805 foi uma grande diferença, literalmente em tudo. A maior diferença no final não foi a modularidade do fuzil, mas sim o calibre. Um calibre mais leve e mais preciso fez toda a diferença para o soldado tcheco, embora muitos ainda continuem a operar o VZ. 58. O 5,56 x 45 mm permite um maior controle do fuzil a cada disparo assim como ter maior controle nas rajadas curtas. No VZ. 58 isso era mais difícil de acontecer em virtude da maior energia do 7,62 x 39 mm e pelo fato do fuzil ser mais leve, o que gerava um recuo maior e maior dificuldade para administrar o controle.

BREN 1.

A modularidade do 805 permite a troca do calibre. Para isso, troca-se o cano, o sistema de gás, o grupo do ferrolho e o carregador. Para este há que trocar o fosso do carregador, onde ele é destacável e fica na parte de baixo da caixa da culatra. Entretanto, a troca do cano não é algo que se faz em poucos minutos. O cano e sua base formam uma peça única que é presa na caixa da culatra por um parafuso. Isso é o que permite o cano ser flutuante, estando preso diretamente na caixa da culatra sem amparo nenhum do guardamão, o que gera um disparo mais preciso. Assim como foi observado no SCAR, trocar o cano não é tão simples assim e há que se desmontar a arma para a troca, em um procedimento que leva no mínimo 10 minutos. Ao contrário de outros exércitos, a doutrina tcheca é do soldado não levar canos sobressalentes por pelotão. Os canos diferentes só são levados em missões especiais e, mesmo assim, quando necessário.

A parte de baixo da caixa da culatra do 805 é diferente do SCAR. No 805 o fosso do carregador pode ser destacado. Isso permite ao exército usar o carregador que lhe for mais conveniente. O fuzil pode usar o carregador padrão STANAG, nesse caso, o fosso do carregador tem dois reténs do carregador nas laterais, na altura acima do gatilho. Caso o cliente queira, pode usar o carregador padrão, que é praticamente uma cópia do G36. Nesse caso, vemos um fosso de carregador sem reténs. O retém do carregador fica atrás do carregador, em uma única tecla, como no VZ. 58. É isso o que justifica vários fuzis 805 com reténs de carregadores diferentes.

Soldado tcheco treina com a BREN 1. Note que a alça de mira está posicionada muito para a frente, o que pode gerar dificuldade para mirar o alvo.

A principal diferença com o SCAR é o transportador do ferrolho. No 805, o transportador tem um prolongador menor e um pistão maior, enquanto que no SCAR o prolongador é maior e o pistão menor. No 805 isso gera um recuo mais suave porque a massa do transportador é menor e volta com menos violência pela massa menor. Outra diferença é o sistema de gás que permite a entrada de uma quantidade menor de gás. Essa quantidade menor gera uma pressão menor no pistão que, por sua vez, gera uma pancada menor no transportador, gerando um recuo menor. É usada uma quantidade de gás suficiente para fazer a arma funcionar respeitando os limites mínimos.

O recuo do 805 é um dos menores recuos em um fuzil 5,56 x 45 mm sem nenhum sistema de amortecimento. Some-se a isso o gatilho do fuzil. O gatilho do 805 é de 2 estágios. Ele tem um curso maior que os demais gatilhos mas exige uma pressão menor do dedo para o disparo. Com um gatilho leve e um recuo menor, o 805 é um dos fuzis mais suaves para se disparar.

Vista lateral esquerda do BREN 1. Note as miras destacáveis retráteis.

Desde o começo o 805 foi projetado para ser todo de polímero, como fora feito com as primeiras versões de 2006. Entretanto, a arma se mostrava frágil com os testes. Na versão final, a parte de cima da caixa da culatra é em alumínio forjado e a parte de baixo é de polímero. Assim como no SCAR, a alavanca de manejo pode ser alterada de lado. Entretanto, assim também como no SCAR, há uma limitação. Como ela é integrada ao transportador do ferrolho, a cada disparo o ferrolho se movimenta junto com a alavanca. Desta forma, caso o soldado use a posição da mão esquerda com o 1º dedo levantado, a alavanca irá acertar o dedo.

Curiosamente, o 805 não tem um retém do ferrolho. No lado esquerdo da caixa da culatra, há um pequeno botão que muitos acreditam que é um retém do ferrolho. A bem da verdade, esse botão não serve para isso. Ele serve para segurar o ferrolho travado para trás. Caso seja necessário, o soldado puxa a alavanca de manejo e, ao acionar esse botão, o ferrolho ficará travado atrás. Para liberar o ferrolho, o soldado puxa levemente para trás a alavanca de manejo que ela libera o ferrolho em seguida.

BREN 1. Note o uso de duas miras que usam o mesmo trilho em uma peça única.

Pela primeira vez vemos um fuzil de assalto tcheco com quebrachamas que também atua como compensador. Além de diminuir as chamas, mantendo a posição do soldado mais oculta, ele também ajuda o cano do fuzil não subir tanto, pelo direcionamento contrário do fluxo dos gases. Essa foi uma das maiores diferenças vistas pelos soldados porque o fuzil, além de ter um recuo menor, o cano praticamente sobe muito pouco. Em regime automático, um soldado treinado consegue um bom agrupamento em rajadas de 5 a 10 disparos, algo impossível com o VZ. 58.

O CZ 805 também já nasce com o uso de trilhos picattiny. Há um grande trilho na parte de cima do fuzil e um sob todo o guardamão. Entretanto, ele não tem trilhos nas laterais do guardamão. A filosofia na época era de não sobrecarregar do fuzil com tantas miras e acessórios. As miras fixas são retráteis e presas diretamente ao trilho picatinny, podendo ser destacadas. Também visando maior conforto para o soldado, a parte de trás da empunhadura pode ser alterada por outras mais finas ou largas. A própria empunhadura padrão segue o mesmo conceito de uma empunhadura mais fina para se adequar a qualquer tipo de mão.

BREN 1. Note como o trilho oferece o rápido uso de acessórios.

Uma inspiração para o CZ 805 herdado do CZ-2000 Lada é o grupo do gatilho do AKM-47. Com base nele a CZ fez o seu grupo de gatilho e o seletor de disparo. Este é ambidestro e posicionado acima da empunhadura. Ele tem 4 opções, travado, auto, semi e burst de 2 disparos. Isso é um problema porque, as 4 opções estão em um seletor com giro menor de 90º. No calor da batalha isso pode ser um problema porque, com luvas, o soldado pode escolher regime diverso do que queria já que um regime está praticamente colado ao outro.

Um ponto criticado foi justamente o burst de 2 disparos. Ele não foi colocado como forma de economizar munição e sim como forma de aumentar a probabilidade de acerto onde, em teoria, 2 disparos geram uma dispersão menor, aumentando-se as chances de acertar o alvo. Esse sistema funciona para cadências de disparos acima de 2.000 dpm, onde os projéteis saem praticamente colados, em uma dispersão mínima. O 805 tem uma cadência de 750 dpm, o que gera uma dispersão muito maior, anulando o efeito. Em uso os soldados não usam esse sistema por sua completa inviabilidade.

Soldados tchecos treinam com o BREN 1.

Outro problema foi a distribuição do peso. O CZ 805 tende a ficar mais pesado na frente. Isso passa a ser um problema quando o soldado fica com a arma em posição de disparo onde irá cansar os braços, diminuindo a sua atenção, ainda mais se a arma tiver acessórios acoplados. Outro problema foi a coronha rebatível. Quando rebatida, ela não fica fixa de forma rígida. Um movimento brusco ou uma leve pancada faz ela se soltar. Isso pode parecer algo fútil mas quando o soldado está em tiroteio, a coronha solta batendo para lá e para cá é algo que vai atrapalhar muito.

O CZ 805 foi usado pelos tchecos no Afeganistão. Em suma, ele se mostrou um fuzil um pouco frágil e caro. De resto, funcionou perfeitamente. Cinco países compraram o CZ 805 para suas tropas especiais ou órgãos de segurança. Na Rep. Tcheca, ele não conseguiu substituir todos os VZ. 58 por questões de custos.

BREN 1 usado no Afeganistão

 

CZ 807

O modelo CZ 807 pode causar certa confusão, pois houve uma alteração na designação comercial do fuzil que fez surtir esse efeito. A começar, o CZ 807 segue o modelo do CZ 805. O CZ 807 surgiu para disputar uma concorrência feita pelo Paquistão para substituir o seu fuzil de assalto regular. Levando em conta a modularidade do Bren 805, que permitia a troca de calibres, o fuzil foi muito bem visto pelos paquistaneses pelo calibre 7,62 x 39 mm.

CZ 807 em 7,62 x 39 mm.

 

O modelo usado foi um CZ 805, porém modificado para as exigências do Paquistão. O Bren 2 foi um modelo desenvolvido seguindo alguns parâmetros da OTAN e a concorrência externa de fuzis de assalto que exigiam soluções mais modernas e complexas. Por sua vez, os paquistaneses queriam algo mais simples, não complexo e fora do ditame da OTAN. Para isso, a CZ tornou o 805 mais simples. Tirou o retém do ferrolho de dentro do guarda mato, mantendo o botão da lateral esquerda. E o principal. A alavanca de manejo continuou a ser solidária ao transportador do ferrolho, já que os paquistaneses queriam essa condição herdada dos seus modelos do Tipo 56. Estas são as principais diferenças.

CZ 807 em 5,56 x 45 mm.

Não há muito que ser dito dessas armas com base no que foi exposto nos parágrafos acima. Em virtude da concorrência paquistanesa, a CZ viu um nicho nesse segmento ao oferecer o fuzil em uma versão que não fosse ditada pelas exigências da OTAN e que tivesse a alavanca de manejo solidária ao transportador do ferrolho. Em cima desse modelo CZ 807, foram oferecidos 2 calibres para ele, em 7,62 x 39 mm e 5,56 x 45 mm. A troca dos calibres vem do mesmo sistema usado no Bren 2. Os clientes que preferirem um modelo padrão OTAN e sem a alavanca de manejo solidária (mais moderna) podem preferir o CZ Bren 2.

O CZ 807 foi comprado pelo Egito no calibre 7,62 x 39 mm.

CZ 805 A1

Calibre: 5,56 x 45 mm
Comprimento do cano: 360 mm
Comprimento total: 870 mm
Cadência de disparo: 750 dpm
Peso: 3,4 Kg
Carregador: 30 cartuchos

 

Como funciona

Ao apertar o gatilho, o cão é liberado batendo no percussor. Este deflagra o cartucho, fazendo com que os gases que impelem o projétil entrem em um orifício. Ao passar por ele, os gases são dirigidos a um êmbolo situado acima do cano. Neste êmbolo tem um pequeno pistão. Este bate no prolongador do transportador do ferrolho. Ao fazer isso, pela inércia, a trava do ferrolho é liberada, o ferrolho é rotacionado para o lado esquerdo, fazendo com que os ressaltos estejam alinhados com as saliências do extensor do cano.

O ferrolho é deslocado para trás, ao mesmo tempo em que extrai e ejeta a cápsula que estava na câmara do cano e inicia o movimento de recuo até o final. A mola recuperadora, situada atrás do ferrolho e fixada na parte de trás da caixa da culatra, empurra para frente o transportador do ferrolho. Como o ferrolho agora está indo para frente, a sua base empurra um cartucho do carregador para a câmara do cano. Neste momento, o ferrolho passa pelas saliências da base do cano, virando para o lado direito, travando o ferrolho na base do cano. Neste momento, o percussor está pronto para ser acionado novamente, reiniciando o ciclo.