FAMAS – Parte 2

FAMAS G2

A simplificação do FAMAS mostrou que o fuzil ainda poderia ser melhorado e elevado a um patamar acima. A GIAT passa a estudar essa nova versão em 1992, logo após que o G1 fora lançado. Não havia muito que fazer com o G1 já que o fuzil tinha vários aprimoramentos que o barateavam. Em 1994, surge o FAMAS G2. Não era um fuzil com mudanças radicas mais praticamente mais um modelo atualizado. A diferença primordial nessa versão era o carregador padrão STANAG para 30 cartuchos, como os carregadores usados no M16. Buscaram esse carregador sob dois motivos. Primeiro, oferecer o fuzil ao mercado externo nos países que já utilizavam esse tipo de carregador. E segundo, a França já fazia uma série de exercícios conjuntos com a OTAN e muitas vezes se via limitada pela cadeia logística. A França só voltaria para a OTAN em 2009 e, mesmo com um novo tipo de carregador, não mudaria o status do FAMAS F1 na França como o principal fuzil de assalto.

FAMAS G2.

Essa versão nova teve o receptáculo do carregador redesenhado para que o novo carregador fosse inserido. Foram observados dois problemas com esse novo carregador. O carregador de alumínio padrão STANAG era muito mais frágil, logo começaram os problemas de alimentação com o amplo uso dele. E o retém do carregador, que antes era ambidestro, agora é um pequeno botão do lado direito, o que eliminava o conceito de um fuzil completamente ambidestro.

Soldados franceses com o FAMAS G2 treinam com soldados americanos.

Visando a modernização do fuzil, o FAMAS G2 passa a ser oferecido com 3 passos de raiamentos diferentes. 1:7, 1:9 e 1:12. Isso permitia ao cliente escolher qual fuzil comprar para poder usar a munição 5,56 x 45 mm M193 ou a M855. Os canos e as câmaras dos canos tinham um temperamento novo para maiores pressões da M855. Caso o cliente quisesse uma versão mais barata, o sistema de burst que permitia 3 disparos poderia ser retirado, ficando a arma apenas com semi e automático.

FAMAS G2.

O FAMAS G2 foi comprado em pequenas quantidades pela França. Não mais que 15.000 fuzis foram comprados pela marinha francesa. Além disso, outras poucas vendas foram feitas para órgãos de segurança pelo mundo.

 

FAMAS 5,56 x 22 mm

Houve uma versão de testes do FAMAS para um novo calibre pesquisado. A França tinha em mente um calibre para uma futura submetralhadora para o pessoal que não precisasse utilizar um calibre de fuzil de assalto. Esse calibre teria um poder de parada e de penetração maior que os comuns 9 mm P e .45 ACP. Vários calibres foram pesquisados, como o 5,56 x 28 mm, 5,56 x 25 mm e o 5,56 x 22 mm. Este último chegou a ser testado em um protótipo do FAMAS F1 unicamente  para fins balísticos do calibre. No final, tanto o calibre como a submetralhadora não saíram de protótipos.

FAMAS 5,56 x 22 mm.

 

Programa FELIN

O programa FELIN é um programa para a modernização do soldado francês. Essa modernização engloba uma série de coisas, como sistemas de comunicação, transmissão de dados, sensores e armas. Aqui focaremos somente a arma já que o programa é grande e complexo. O programa começou em 2001 como uma forma de demonstrar como seria aplicado o conceito. Essa fase se chama ECAD – Équipement du Combattant Débarqué, ou, equipamento de combate em terra. A arma para essa fase seria o FAMAS. Não porque a França não teria dinheiro para um fuzil novo mas sim porque o FAMAS não era um fuzil ruim.

Nesta primeira fase, a Thales é selecionada como uma das empresas responsáveis no programa e ela trabalha também com o fuzil. É usado um FAMAS G1 adaptado com sistemas para ver como eles se comportariam no conceito geral. Esse G1 nada mais era do que um fuzil com um sistema de miras e sensores alimentado por uma bateria e sensores em uma base adaptada no guardamão do fuzil.

FELIN protótipo.

Cabe dizer que não o G1 já fora usado antes como plataforma para outros sistemas de mira e comunicação. Em 2000 alguns modelos foram G1 foram usados como plataforma para o estudo de conceitos e protótipos de sistemas de mira e comunicação.

FAMAS G1 adaptado (20000).

O conceito se mostra útil e logo uma nova versão é feita também com um FAMAS G1. A grande alça de transporte é retirada para a inclusão de um trilho picatinny. Pela primeira vez a França abandona isso em virtude da maior praticidade do trilho. Novas miras e sensores podem ser colocados sem tornar a arma mais alta. A outra grande mudança é a alteração da alavanca de manejo, que passa a ser no lado esquerdo do fuzil, deixando de ser ambidestra. Isso porque não havia espaço para ela com a inclusão do trilho picatinny. Nesse ínterim, a Thales se mostra um pouco deficiente em mostrar um fuzil realmente atualizado, pois as adaptações feitas no FAMAS não alcançavam o mínimo exigido pelo exército francês, já que o fuzil não conseguia fazer a interligação com os requisitos da observação, comunicação, mobilidade, ataque e proteção.

FELIN Protótipo.

Em 2004 a Thales é substituída pela SAGEM, que oferece um conceito mais moderno e interligado com os requisitos do programa. Mais uma vez é usado o FAMAS G1. O mecanismo do fuzil permanece o mesmo, porém, com novos sistemas feitos pela SAGEM. Surgem novos sistemas de miras óticas, reflexivas, apontadores laser, visores noturnos e visores termais. Esses sistemas eram acoplados ao trilho picatinny sobre a arma. Esses sistemas oferecem ao soldado uma grande vantagem no campo de batalha. Inclusive atirar sem se expor. O soldado poderia usar uma câmera na mira que projetaria a imagem em uma pequena tela fixada ao capacete na altura do olho. Assim o soldado poderia fazer a mira e disparar sem se expor. Ou senão, mandar a imagem para uma tela flexível presa no sistema do fuzil, com o mesmo fim. Pela grande quantidade de sistemas, focaremos mais a arma aqui.

Esse complexo de sistemas e miras seria um problema para o soldado operá-los com tantos botões. Para tanto, é feita uma empunhadura frontal onde, além de servir como apoio para a mão, tem um controle direcional de botões que ajuda o soldado a operar todos esses sistemas. Não só os de miras e sensores como os de comunicação. Isso dá maior praticidade porque o soldado não precisa tirar o alvo da mira para operar os sistemas ou falar por rádio com seus colegas. O primeiro protótipo desse modelo se mostrou ótimo.

FELIN – 2ª Versão. Note que o soldado não se expõe.

Em testes de tiro e uso pela tropa, os franceses notaram que essa nova empunhadura frontal era ligada com a empunhadura principal por uma base. Eles começavam a usar essa base como apoio de disparo, tanto no chão como em algum outro apoio. Isso fez surgir uma versão com a base reta, o que no final ajudava o soldado porque ela servia como substituta do bipode. No final o bipode mal era usado porque ele tinha a mesma altura da base. Isso deu uma maior praticidade e precisão para o soldado. Devido ao grande espaço entre as empunhaduras, volta o antigo guardamato de metal, pois não havia como usar o fuzil com o guardamato que cobria toda a mão.

Soldado francês na República Centro Africana com o FELIN.

O sistema passou a ser enviado para as tropas em 2010. Cabe ressaltar que para essa modernização foram usados tanto os FAMAS G1 como os G2, estes operados pela marinha francesa. O sistema FELIN foi usado muitas vezes em uso real e o sistema funciona perfeitamente. As únicas críticas ao sistema são o peso a mais no fuzil e as dimensões, que tornam o fuzil não tão portável como era o antigo FAMAS.

FAMAS F1

Calibre: 5,56 x 45 mm M193
Comprimento do cano: 488 mm
Comprimento total: 757 mm
cadência de disparo: 850-1.000 dpm
Peso: 3,8 Kg
Carregador: 25 cartuchos

Como funciona

O funcionamento do FAMAS é algo simples mas que, quando visto pela primeira vez, se mostra complexo e completamente diferente do que estamos habituados a ver. Ao contrário do que se diz, o FAMAS não é um fuzil acionado a gás. O tubo que se vê em cima do cano na verdade é uma haste onde contém a mola recuperadora, dando a falsa impressão que é um tubo para gás.

O ferrolho do FAMAS está acoplado ao transportador do ferrolho. Este fica em cima enquanto que aquele embaixo. Embora acoplados, eles são móveis e ligados por uma alavanca em forma de H. Após o disparo, o ferrolho, anexado ao transportador do ferrolho, faz um primeiro movimento para trás. O pivô em forma de H roda para trás com o movimento. As hastes de cima acabam por impulsionando o transportador do ferrolho (em cima) para trás com mais força. Ao fazer isso, impulsiona o transportador do ferrolho para trás com mais velocidade, por isso que essa alavanca se chama acelerador.

Em cima, o transportador do ferrolho, embaixo, o ferrolho. E no meio a alavanca em forma de H.

Já o ferrolho (embaixo) faz um pequeno movimento mais lento enquanto que o transportador do ferrolho (em cima) faz um movimento mais rápido, trazendo ao mesmo tempo o ferrolho. Isso faz o transportador do ferrolho absorver parte da energia do recuo, recuando junto com o ferrolho, ao passo de que o ferrolho vem em uma velocidade menor. Essa diferença de velocidade de recuo faz com que o transportador do ferrolho atrase a energia do recuo sobre o ferrolho. É por isso que chamamos de blowback atrasado.  Após o disparo, os gases dentro da câmara do cano impulsionam o transportador do ferrolho que se locomove mais rápido que o ferrolho, atrasando o processo de recuo do ferrolho.

Uma vez atrasado, o transportador do ferrolho e ferrolho se locomovem para trás, comprimindo a mola recuperadora localizada acima do cano. Mas aqui o FAMAS é diferente novamente. Além dessa mola, o sistema usa uma segunda mola, localizada na parte superior traseira da coronha. Lá tem uma base amparada por uma mola. Ao retroceder até o final, essa base acaba por absorver parte da energia do recuo. Após o curso final, a mola recuperadora empurra o transportador do ferrolho para frente.

Ao ir para frente, ferrolho empurra um cartucho para a câmara do cano. As hastes superiores do pivô levam o transportador do ferrolho para frente, alinhando com o ferrolho e se posicionando com o cano, com o percussor armado pronto para o próximo disparo. O ferrolho do FAMAS não tem ressaltos ou roletes para travamento.

 

Substituição

Ao contrário do que se pensa, o FAMAS será substituído não porque é uma arma ruim ou limitada, mas sim porque é um fuzil que ficou velho com 40 anos de serviço! Ao todo, a França comprou 350.000 FAMAS F1, 15.000 FAMAS G2 e 22.000 fuzis para o programa FELIN. Para a França, está de ótimo tamanho porque é a quantidade de armas que ela precisa. Por todos esses anos a França teve em seu inventário um fuzil moderno e simples, ainda nos dias de hoje.

Soldados franceses na Guiana Francesa.

Embora velho, o FAMAS, em todas as suas versões, continua sendo usado por suas forças armadas e tropas especiais, assim como os grupos de segurança. Com o tempo o FAMAS G1 ganhou algumas alterações mais profundas. Para o uso de trilho picatinny, houve a necessidade de alterar a parte de cima da caixa da culatra para que a alavanca de manejo fosse posicionada no lado esquerdo. Isso permitiu o emprego de outras miras e uso de acessórios.

Tropa especial francesa com o FAMAS F1 modernizado.

Para a França, não interessa pesquisar e desenvolver um novo fuzil de assalto por questões puramente orçamentárias. A França sempre teve a capacidade de criar seu próprio armamento, mas nos últimos anos a França gastou muito em defesa em um momento que a sua economia não cresce tanto. Para ela é mais interessante procurar um substituto pronto para o FAMAS do que começar do zero. Em 2016 é anunciado o substituto, o HK416. Para a França seria o ideal porque é um projeto amadurecido e modernizado, sem falar que existe uma filial da HK na França. É unir o útil ao agradável.

O FAMAS foi um fuzil único. Um conceito único com um mecanismo de disparo único. Ainda é um excelente fuzil de assalto que provou sua qualidade nos quatro cantos do mundo, sob as mais extremadas intempéries climáticas e nunca teve problemas. Já esteve na neve, nas areias de desertos, nos climas quentes e úmidos da África e Guianas. Mostrou-se confiável quando até mesmo os fuzis modernos têm problemas nesses lugares. Infelizmente o FAMAS será o último fuzil genuinamente francês. Bem vindo novos tempos.

 

Curiosidades

Blowback atrasado é uma tradução direta para Delayed Blowback. Um princípio semelhante é o blowback desacelerado por roletes. Embora com o mesmo nome em inglês, os roletes na verdade desaceleram e não atrasam o movimento do ferrolho.

O FAMAS também é conhecido na França como Le Clarion, que significa clarim, instrumento musical que se parece com ele.

FAMAS é uma abreviação de Fusil d’assaut Manufacture d’armes de Saint-Étienne. Fuzil de assalto feito por fábrica de armas de Saint Étienne.